Setor de mineração deve entregar mais capital social à sociedade
Especialistas reunidos no primeiro Lab de Comunicação para a Mineração ressaltaram que a comunicação não pode ser tábua de salvação para organizações de qualquer que seja o setor
Importante para a economia do país, o setor de mineração é pouco ou quase nada conhecido pela população em geral. Para analisar como as áreas de comunicação das mineradoras vêm trabalhando na gestão da reputação do segmento, a Aberje promoveu, no dia 20 de maio, o primeiro Lab de Comunicação para a Mineração. O tema Reputação do setor de mineração: A sociedade brasileira conhece a mineração? foi debatido pela professora da Fundação Dom Cabral, Ana Luisa Almeida; pelo vice-presidente da The RepTrak Company, Marcus Dias e pela professora de Graduação e Pós-graduação na ESPM-Sul, Rosângela Florczak sócia-diretora da Verity Consultoria e diretora do Capítulo Aberje RS e pelo diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração – Ibram, Flávio Penido. A mediação ficou por cargo do diretor de Comunicação do Ibram, Paulo Henrique Soares.
A sociedade brasileira conhece a mineração?
A sociedade brasileira conhece o setor de mineração? Ao repetir a pergunta que deu origem ao Lab, o diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração – Ibram, Flávio Penido, fez algumas considerações iniciais frisando ser esta uma atividade secular, que surgiu com a fundação do Estado de Minas Gerais há cerca de 300 anos.
Penido salientou a importância de se resgatar a história para entender o contexto atual de que é preciso mudar o que a sociedade pensa sobre a mineração. “Muitos ainda desconhecem os benefícios que o setor da mineração traz, sua bagagem tecnológica como geoestatísticas, métodos de imagens, sistemas e controladores programáveis, entre outros. Eu não tenho receio de dizer que a mineração é a indústria da indústria e que talvez é a que tenha mais tecnologia embargada, assim como práticas de ESG, que hoje são mandatórias em qualquer setor. Estamos trabalhando para mudar a imagem e a forma de nos apresentarmos à sociedade”, disse.
A professora Ana Luisa Almeida propôs que a discussão fosse guiada pelos desafios que a mineração vem enfrentando no Brasil. “Qual o cenário atual e qual o futuro do setor? Não dá para não dizer que a percepção da sociedade é fruto da realidade. O que as mineradoras entregaram nos últimos anos?”, provocou, ao iniciar sua fala. “Na alta do minério, as organizações investem em projetos sociais, em ESG e na hora de baixa, elas param tudo ou restringem cada vez mais”, argumentou.
Outra questão trazida por Ana Luisa é o paternalismo, que cria uma relação de dependência com a comunidade. “Uma comunidade que passa a se tornar cada vez mais dependente e as organizações passam a entregar algo ‘em troca de’. Essa é uma relação extremamente tensa. Por outro lado, essas organizações sempre batem na questão do benefício econômico de gerar trabalho, de serem inovadoras, mas as mineradoras entregam muito pouco capital social numa relação de reciprocidade, de rede, de empoderamento da sociedade”, comentou.
Além disso, a professora observa a mudança de comportamento da sociedade. “A sociedade hoje tem um protagonismo muito forte e as organizações precisam mudar a sua postura e sua forma de se relacionar. Elas realmente estão avançando? Ou estão fazendo ações de curtíssimo prazo para resolver um ou outro problema interno e não para fazer parte dessa mudança social e do novo capitalismo?”, provocou.
Reputação = conhecimento + reconhecimento
Ainda no campo das provocações, a socióloga Rosângela Florczak acredita que o debate sobre o fortalecimento e a construção da reputação de um setor essencial, porém controverso como a mineração, está voltado a elementos como: boas práticas de gestão e entendimento de comunicação e de prevenção às crises corporativas. “Entendendo a comunicação não como um conjunto de ferramentas ou sinônimo de divulgação, mas como uma competência organizacional, de que forma as empresas estão enfrentando esse cenário social tão modificado que a professora se referiu?”, indaga.
Na ocasião, Rosângela convidou todos a dialogarem sobre esta comunicação e a visão simplista do processo comunicacional criado ao longo do tempo. “As ferramentas tradicionais não dão conta mais de atender a complexidade desse mundo em plena metamorfose que estamos enfrentando”, argumentou. Da mesma forma em relação à prevenção de crises e não da gestão delas: “a prevenção às crises foi muito simplificada nos últimos anos e acabamos tratando como uma contenção, com abordagens e metodologias tradicionais que não dão mais conta dessa busca de protagonismo social, desse ambiente midiático digital e de tantas outras características que se intensificaram especialmente neste período de pandemia”, complementou.
Para o comunicador Marcus Dias é extremamente interessante conversar sobre reputação e conhecimento. “Geralmente não se investe tanto tempo para falar sobre reputação associada ao conhecimento; é mais associada ao reconhecimento. Ao reconhecimento pela forma como a produção se dá, ao reconhecimento pela capacidade de inovar, pelo ambiente de trabalho que oferece aos seus colaboradores…”, analisou.
Ele explica que esse reconhecimento gera sentimentos como confiança, interação, respeito e é chamado, de fato, de reputação corporativa. “Só que, antes desse reconhecimento existir, existe essa camada de conhecimento. Essa questão gera um fator adicional de desafio para empresas B2B como empresa do setor de mineração. E é interessante pensar que nesse desafio de gerar conhecimento e reconhecimento, existe toda uma estratégia que precisa ser pensada de médio e longo prazos, apesar de existirem atalhos. Um deles, por exemplo, é uma empresa se apresentar como protagonista na resolução de uma crise que não foi necessariamente gerada por ela, como a situação da pandemia”.
Dias trouxe alguns resultados de estudos de reputação realizados junto ao setor de mineração. Estudos comprovam que existe um apetite muito grande por parte da sociedade por esse protagonismo vindo das organizações. Um deles, realizado em mais de 20 mercados no início deste ano, aponta que cerca de 64% das pessoas no mundo esperam que as empresas se apresentem para responder questões sociais e políticas da sociedade. No Brasil, esse número é ainda maior: 74% dos brasileiros esperam esse protagonismo das organizações.
Nessa jornada de reputação da indústria da mineração, a The RepTrak Company vem avaliando esse setor há mais de dez anos no Brasil. Ela apurou que entre 2007 e 2008, o setor manteve uma reputação forte; ao longo dos dez anos seguintes, os indicadores se estabilizaram no nível mediano, até que com as tragédias de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, a reputação caiu de forma dramática chegando ao patamar considerado fraco e em 2019 bem próximo do pior patamar possível nessa escala de acompanhamento, o nível pobre. “A história que estamos vendo desde então é de recuperação do setor, com um crescimento significativo trazendo o setor de volta ao patamar mediano de reputação que manteve por cerca de uma década”, revelou o especialista.
Mas o que está por trás dessa recuperação? “Essa reputação, esse conjunto de sentimentos é pautado por questões mais concretas a partir do que as organizações fazem e como falam sobre essas entregas que trazem para a sociedade”, justificou. De acordo com a pesquisa, prossegue Dias, o que importou mais para as pessoas para explicar esse crescimento de confiança no setor tem a ver com a produção. “É importante contextualizar o que é o setor de mineração no Brasil, mas pensarmos como essa produção se dá especialmente associada à questões de governança e cidadania”, explicou.
A percepção da sociedade mudou
A questão de percepção de realidade a reputação caminha nesse universo e muitas vezes a gente vê os gestores que não têm uma familiaridade com a definição de reputação questionarem seu posicionamento diante da sociedade.
Para Ana Luisa, a grande questão é que algumas empresas conseguem realmente mostrar como elas são e outras têm mais dificuldade. “Observo, no setor de mineração, que ainda há uma visão muito grande dos impactos negativos da extração mineral, sobre a forma como foi feita, o questionamento das barragens, a falta de segurança, essa relação paternalista que citei a pouco. São elementos que vão compondo as percepções”.
“Temos que entender que a comunicação é parte desse processo. Muitas vezes se cobra da comunicação a reputação. e a reputação é resultado das ações do setor, das ações, das atitudes e do comportamento das empresas, da governança, da ética e da transparência. A comunicação dá conta à medida que a organização cumpre com aquilo que é a expectativa social, que vem mudando, basta ver tantos movimentos sociais hoje, em qualquer setor e assunto”, completou.
Ela frisou ainda que a narrativa da organização não é mais a única referência. “Antes quem tinha acesso a grande mídia, eram as grandes empresas, hoje todo mundo tem a sua voz. Para mudar a percepção é preciso mudar a realidade, ou seja, mudar verdadeiramente a postura das organizações, valorizando a sociedade e não o seu poder econômico como protagonismo. Isso não vale mais, agora ela tem que ser parte e respeitar a comunidade a qual faz parte. Campanha de comunicação não resolve os problemas”, lançou a professora.
Seguindo o raciocínio da professora Ana, Rosangela frisou que há, de fato, a necessidade de mudar as práticas da gestão. “Não tem como fazer o milagre da comunicação quando não se tem as boas práticas, que são fundamentais para a estratégia de comunicação. Temos tanto na expectativa do gestor quanto na prática dos comunicadores a construção de um imaginário sobre esse possível milagre que a comunicação faria. É como encomendar uma solução mágica com a equipe de comunicação. Muitas vezes vamos buscar novos resultados com as velhas ferramentas”, acentuou.
Na ocasião, a comunicadora levantou o desafio de rever e repensar a competência comunicacional, a revisitar as metodologias, rever e as velhas fórmulas e inovar em comunicação e prevenção de crises. “Quando vemos que a imprensa não nos entende muito bem, que as comunidades estão insatisfeitas com o que entendem das nossas práticas e do setor, eu os convido a rever como estamos desenvolvendo essa comunicação e essa prevenção às crises. Que lugar estratégico tem a comunicação hoje? Eles querem dialogar com as organizações e temos que ter paciência para estabelecer uma relação de confiança pelo diálogo, precisamos validar as narrativas com nossos interlocutores, assim conseguiremos gradualmente construir e fortalecer essa reputação”, disse.
“Quando falamos de comunicação e ampliamos para reputação não é aquilo que ‘eu’ acho , é aquilo que está no outro. Se eu acho que tudo tem que ser da minha forma, eu faço uso de uma lente para algo que não está correto. temos que ter o entendimento do outro, e continuar dialogando. E o diálogo pressupõe a escuta, e escutar é muito mais complexo do que falar ou simplesmente emitir uma mensagem”, disse Paulo Henrique Soares, do Ibram.
Destaques
- Retrospectiva Aberje 2024: mundo em crise e transição
- Tema do Ano “Comunicação para a Transição” é renovado para 2025
- Valor Setorial Comunicação Corporativa 2024 analisa importância das conexões e da transparência na Comunicação
- Aberje participa de jantar comemorativo dos 25 anos da Fundação Gol de Letra
- Web Summit Lisboa 2024: Inovação e ética em um futuro moldado pela IA
ARTIGOS E COLUNAS
Carlos Parente Na comunicação, caem por terra influencers sem utilidade e erguem-se, aos poucos, os curadores de conteúdoGiovanni Nobile Dias Como você tem nutrido seu cérebro?Marcos Santos Por tempos melhoresThiago Braga O impacto de modernizar a Comunicação Interna em uma grande indústriaGiovanni Nobile Dias O alarmante retrato da leitura no país