Renato Janine Ribeiro fala sobre direitos individuais em tempos de pandemia
Filósofo discute ética em tempos de pandemia na nova temporada do programa Na Ordem do Dia da Aberje
Por Aurora Ayres
Teve reinício ontem, dia 01, a série de aulas Na Ordem do Dia, criado pela Escola Aberje de Comunicação em 2019, com o objetivo de ampliar a compreensão dos comunicadores para questões complexas do debate público. A pauta foi bastante atual: “Direitos individuais em tempos de pandemia”. Em formato webinar, contou com a participação do filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e membro do Conselho Consultivo da Aberje. A mediação foi feita por Leonardo Müller, economista e doutor em Filosofia pela USP.
Apesar de o distanciamento social ser o meio mais eficaz, segundo o consenso científico, para o combate à disseminação do coronavírus, muitos se sentem violados em seus direitos individuais ao serem obrigados a utilizar a máscara em ambientes públicos. Nesse contexto, o professor Janine analisou questões relativas à ética, à liberdade e à obrigação.
“Este é um exemplo que está no cerne das questões atuais: o uso de máscara é uma agressão à liberdade individual? Não. Pois não uso a máscara para me proteger, mas sim para não contaminar o outro caso eu esteja contaminado. É uma obrigação, uma vez que vivemos em sociedade; a liberdade está limitada pela proteção da saúde alheia”, ressaltou Janine.
Liberdade e obrigação
Existe uma série de restrições para que seja possível viver em sociedade. Sobre isso, Janine retomou o filósofo inglês Thomas Hobbes, do século XVII. Segundo Hobbes, a vida sem nenhum controle do Estado seria sórdida, curta, bruta e cruel, pois, não havendo nenhum limite, os seres humanos iriam se atacar uns aos outros, levando à destruição recíproca. O convívio social seria impossível.
Para Janine, isso leva à questão ética da relação entre liberdade e obrigação, entre direito e dever. “Ao mesmo tempo, tudo isso está ligado reciprocamente: não há direito sem dever, não há liberdade sem obrigação; e vice-versa: não há obrigação sem liberdade e não há dever sem direito. Se eu tenho todas as liberdades e não tenho nenhum dever, eu me torno um monstro, fica impossível qualquer tipo de relação humana”.
“A plenitude humana está quando se tem cidadania e a cidadania está ligada a esse pacote conjunto de liberdade e dever. Num momento de pandemia, é a garantia da nossa sobrevivência”, comentou, esclarecendo que não se trata de dizer que o bem da sociedade é sempre superior ao bem do indivíduo. “Não é verdade. Há casos em que os direitos individuais são irrestritos. Não posso simplesmente cortar uma liberdade individual só porque é melhor para a vida social. Mas quando a vida social corre sério risco, como é o caso do contágio pela Covid-19, as limitações devem ser aplicadas às pessoas”, complementou.
Ética e lei
Essas limitações levam a pensar na diferença entre ética e lei. A exemplo da lei penal, que proíbe uma série de ações, não se está interessado se o cidadão cumpre ou não as obrigações da lei porque as considera justas ou não. “Para a legislação, não interessa a sua motivação e sim o ato. Por outro lado, quando se fala em ética, a motivação é essencial. É importante que se tenha uma motivação justa eticamente, por exemplo, se eu paro o carro no sinal vermelho só por medo da multa estou fazendo o que a lei me pede, o que, para o convívio social é suficiente. Mas, eticamente, é importante que eu faça isso porque realmente eu acredito que devo respeito ao outro”, salientou. “A ética é mais exigente que a lei”, completou.
Outro ponto enfatizado pelo professor durante o webinar foi a ‘ética do sim’ e a ‘ética do não’, citando exemplos de formas de prejudicar alguém por descaso, desrespeito ou falta de consideração. “Isso pode ser antiético. A antiética não está apenas na ação deliberada de causar mal ao outro, está também na recusa voluntária a fazer bem a outros”, explicou, ressaltando a questão sob o ponto de vista de uma ética construtiva, afirmativa e positiva. “A ética não deve ser apenas a ética da abstenção. O sujeito ético não é quem simplesmente não faz o mal, mas quem luta para fazer o bem, para melhorar o mundo. Esta é condição básica da ética”.
Sobre a pandemia, o professor reflete sobre quais obrigações cada um tem com a sociedade neste momento, um momento que requer solidariedade. “Pensando em termos legais, os direitos individuais agora estão limitados pela obrigação de se proteger a vida alheia. Já a obrigação ética é mais ampla: estamos obrigados a fazer com que as pessoas passem por esse drama da melhor forma e, se possível, até aprender com tudo isso. Nesse sentido, deveríamos aproveitar para ir além das obrigações, sair do egoísmo, da liberdade ferida e pensar no que posso fazer pelo outro. Precisamos aquecer a vida social, mesmo nesse momento difícil”, refletiu.
Assista à aula na íntegra no canal da Aberje no Youtube:
Agenda
As próximas duas aulas do Na Ordem do Dia terão como tema “Pandemia e instituições científicas no Brasil”, sempre das 17h às 19h. Inscrições em breve estarão abertas.
Dia 19 de junho: “Políticas e práticas científicas no Brasil entre 1750 e 1850”, com professora doutora Íris Kantor, do departamento de História da FFLCH-USP.
Dia 26 de junho: “Epidemia, ciência e instituições no Brasil”, como professor doutor Pedro Paulo Pimenta, do departamento de Filosofia da FFLCH-USP.
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