“O Diretor de Comunicação precisa fazer o papel de advogado do diabo”
Claudia Maximino
Escolhida como uma das 10 pessoas mais importantes da Comunicação Empresarial no Brasil pela Aberje, Antonietta Varlese é a vice-presidente de Comunicação e a Responsabilidade Social Corporativa do Grupo AccorHotels. Hoje, ela gerencia a estratégia de comunicação de 300 hotéis em nove países da América do Sul. Nesta entrevista, Antonietta fala sobre sua formação, seus desafios e o que faz para se manter atualizada em um mundo em constante transformação.
Qual a sua formação?
Antonietta Varlese: Sou formada em jornalismo pela FIAM, cursei um MBA em marketing e uma especialização em marketing de luxo em Londres. Eu me especializei também em políticas públicas e fiz cursos curtos de complementação de carreira na Aberje, nas Universidades de Syracuse e Harvard. Agora, estou para começar na Aberje um curso de comunicação digital, que é a nova tendência. Eu já trabalho bastante com essa área, mas quero ter uma formação mais específica e ver o que os profissionais que a Aberje escolheu têm a dizer.
Como você começou na comunicação empresarial?
AV: Minha carreira começou já em comunicação. Antes de sair da faculdade, trabalhei em jornais de bairro e consegui um emprego em uma agência de comunicação, que foi uma grande escola para mim. Eu era redatora e tinha contato com toda equipe, desde a diagramação até a impressão, e com os clientes, o que para mim foi incrível. Hoje, eu pego um material na mão e sei qual é o problema. Foi ótimo para minha carreira. Antes de ingressar na comunicação empresarial, fiz várias outras coisas. Trabalhei em um programa de turismo transmitido na TV Gazeta, e daí surgiu meu interesse pela área. Fui assessora de imprensa da secretaria de Meio Ambiente, o que foi ótimo para conseguir expertise para trabalhar no engajamento com o governo, coisa que preciso fazer hoje. Fui repórter de um programa policial, 190 Urgente, que foi meu primeiro trabalho como jornalista de verdade. A gente sai da faculdade querendo cobrir guerras, fazer acontecer, e televisão sempre foi minha paixão. Então essa oportunidade de fazer um jornalismo de rua, ao vivo, foi incrível. Eu competi com mais de 150 pessoas para conseguir a vaga. Mas o contrato do programa durou só um ano e esse foi um dos motivos por que saí da televisão. É uma coisa muito instável, e eu queria um pouco mais de estabilidade. Minha opção pela comunicação corporativa também vem daí, de você conseguir ter uma carreira mais sólida, mais bem remunerada. A gente acaba prestando um serviço e ajudando da mesma maneira dentro de uma empresa, que é uma coisa que os jornalistas prezam bastante.
“A essência do jornalismo é oferecer serviços e informações para as pessoas. E eu faço isso coordenando a comunicação tanto externa quanto interna e também atuando nas causas sociais. Exerço minha veia jornalística dessa forma”.
Meu primeiro cargo em uma empresa foi no Citibank, onde passei três anos cuidando da comunicação interna. Foi minha grande escola na área de comunicação corporativa. Lá, precisava falar inglês, lidar com pessoas de vários níveis da empresa, com a matriz de Nova York, a regional de Miami… e acabei pegando gosto pela coisa. Depois, entrei na Souza Cruz, empresa que apresenta um desafio enorme por causa do produto. Na época, estava começando toda a polêmica sobre as propagandas do tabaco, havia novas leis que não permitiam, por exemplo, o patrocínio do Free Jazz Festival, e até internamente os funcionários estavam preocupados sobre como isso seria trabalhado. Fui para lá com o desafio de trabalhar a comunicação interna. Na Souza Cruz, aprendi o que é posicionamento. Eles têm posicionamento para tudo, e eu também sou assim, gosto de me posicionar, como a maioria dos jornalistas. Esse cargo me abriu as portas para uma carreira internacional. Eu fui morar na Itália quando a empresa comprou uma companhia lá. Depois, me convidaram para ficar um tempo na sede da British American Tobacco, em Londres. Achei superimportante essa primeira experiência na sede, porque você aprende a direcionar toda a comunicação para os países. Voltei para o Brasil e entrei na AccorHotels em 2008, com o diferencial dessa minha expertise de ter trabalhado em outros países e na sede de uma multinacional. Num momento em que a AccorHotels estava separando os serviços da Ticket e da hotelaria, fiquei com a parte de hotelaria e vim num crescente. Tive rápidas passagens por duas outras empresas, mas retornei em 2013 e assumi uma posição na liderança. Hoje, sou membro no comitê de direção.
Como é lidar com a comunicação do Grupo AccorHotels? Quais os diferenciais?
AV: Esta empresa está passando por uma grande evolução. A hotelaria não é mais o que era antes, não é mais um quarto e um lobby, é toda uma área de interação e de entretenimento, de relação com artistas; os lobbies viraram quase galerias, pontos de encontro. Estou acompanhando toda essa transformação interna, com programas de empoderamento feminino, de solidariedade, com o apoio que damos a nove ONGs e, mais recentemente, com um acordo que fizemos para apoiar a causa LGBT. Nós também trocamos muito com outras empresas. Trabalhamos bastante com parcerias, o que não é comum em outras companhias. Aqui é muito tranquilo para fazer acordos com marcas, trazer patrocínios. Não temos problema em relação a isso para fazer um evento bacana para o público final, principalmente em um momento de crise como o que estamos vivendo hoje. Esse modus operandi da AccorHotels está sendo copiado por várias empresas.
“Temos permuta com veículos editoriais grandes, que precisam fazer eventos e hospedar os convidados, por exemplo, e a gente precisa de espaço publicitário. Essas trocas geram oportunidades de negócio”.
É quase a volta ao escambo (risos). Também acompanhamos a modernização do mundo. Hoje, o quarto compartilhado é um sucesso, não só para os millennials, mas para pessoas com mais idade que não querem ficar sozinhas em casa. . Estamos sempre vendo o que vai ser tendência, já que a comunicação se transforma muito em função também das mudanças do ser humano.
Seu aprendizado foi muito calcado na prática. E hoje, como você faz para se atualizar?
AV: Eu saí da faculdade com o básico e aprendi um pouco na agência, trabalhando com o público corporativo. Já sabia que era um público diferente. E também percebi a adequação de perfil, de postura. Quando você sai da faculdade, sua vontade é de arrasar, de mudar o mundo. E quando você entra em uma empresa, vê que não é bem assim. Você quer aprovar um projeto e tem dez pessoas envolvidas, leva vários mesesSaber aceitar o “não” é um aprendizado que os jornalistas de redação às vezes não têm, eles podem ter dificuldade de ser mais flexíveis, de saber como falar com todo o tipo de gente. Aqui, assumo o papel da advogada do diabo, preciso fazer o contraponto, pensar em qual poderá ser o resultado quando as informações forem divulgadas. Dentro de um projeto em uma empresa, você começa pensando uma coisa, depois muda várias vezes e tem hora que esse projeto nem sai do papel. Então é bom aprender a lidar muito com a questão da frustração e, hoje em dia, com as mídias sociais, também há o problema de alguém passar na sua frente. Você às vezes tem uma ideia boa e quando vê alguém já fez. E hoje a gente precisa ser muito mais delicada do que antes, as pessoas são mais explosivas, mais sensíveis.
E como é trabalhar com as novas gerações?
AV: Estou estudando muito sobre os millennials e parece que eles não querem muito se comunicar com outras gerações. Eles ficam entre eles e vejo essa geração bastante despreparada. Quando você interage no trabalho é muito difícil, eles são bastante sensíveis, não aceitam uma negativa. Quando me formei, não existia isso. Os chefes e até os professores não tinham problema em criticar. Os jovens hoje parecem que têm menos estrutura emocional para aguentar um não, uma rejeição, uma frustração. Isso nos ambientes de trabalho requer que a gente tenha uma atenção redobrada. Mas é uma geração interessante. E nós, da comunicação, precisamos falar com eles, trabalhar com eles, eles estão comprando nossos produtos, são nosso público.
Como é lidar com esse público mais jovem como clientes?
AV: A gente tem algumas abordagens específicas para nossas marcas. Trabalhamos hoje com influenciadores millennials, tenho várias marcas e produtos para esses jovens, temos um projeto de quartos compartilhados nos hotéis Ibis, que são mais jovens e têm custo mais acessível. Também estamos trazendo para o Brasil uma marca nova de hospedagem que chama JO&JOE. É uma casa, estilo hostel, com quartos e ambientes que podem ser compartilhados. Estamos abrindo espaços de coworking em nossos hotéis, uma pegada que eles entendem de se juntar e trabalhar em projetos. Temos espaço de estacionamento ou oferecemos bicicletas para os hóspedes. Somos pet friendly, porque eles são muito focados nisso. Temos uma ligação com causas, sustentabilidade e criamos eventos e produtos adaptados para esse tipo de perfil. Nós trabalhamos com uma gama variada de marcas, temos um pouco de tudo. Por isso, possuímos vários nichos de comunicação. Temos influenciadores para cada marca. Com a crise, cada vez há menos veículos especializados na imprensa, então, preciso treinar meu porta-voz para falar com pessoas que não sabem nada de hotelaria e com os especialistas. E trabalho com blogueiros, que têm poder de influência e criam tendências. O papel deles hoje é superimportante na formação e na venda das marcas, e nós trabalhamos na linguagem deles para fazer com que a informação chegue ao público. Temos modernizado muito a comunicação. Fizemos uma parceria, por exemplo, com o grafiteiro Kobra, que está pintando o maior mural do mundo em Alphaville. A equipe dele está hospedada no Adagio Alphaville, e ele vai dar uma aula para os alunos da ONG que apoiamos. Então, todas as ações têm muito intercâmbio. Temos ações de gastronomia, esporte – vamos começar a patrocinar o rúgbi, apostando em um esporte que conta com valores fortes, de equipe, de amizade, que tem a ver com nossos valores como empresa. Estamos o tempo todo encontrando formas de estar onde as coisas acontecem. O hotel está inserido no contexto social, não fica isolado. Então, a gente quer abrir nossas portas para as cidades. Você não precisa estar hospedado, pode ir lá ver uma exposição, jantar, aproveitar uma promoção. Na virada sustentável, vários hotéis foram ponto de encontro. Temos o ibisna Avenida Paulista que faz feiras de adoção de cães.
Como você se mantém atualizada na profissão?
AV: A gente está sempre muito antenado nas tendências. Hoje nossas coletivas de imprensa são todas via Periscope, eu tenho 180 jornalistas conectados fora do Brasil, já que lido com a América do Sul.
“Estou sempre dando uma pegada digital. O presidente fala no Snapchat, no Periscope e sempre quero abrir novas fronteiras. A gente também coordena uma fanpage do presidente no Facebook”.
E ele sempre quer postar coisas. A AccorHotels também tem muito o papel de trazer tendências, de ver o que vai acontecer em sustentabilidade, em tecnologia, em trazer o design para o dia a dia das pessoas. E eu estou sempre lendo, vou sempre a eventos como os da Aberje, que são excelentes e nos mantêm sempre antenados. Participo de fóruns de marketing, grupos de comunicação. Eu me conecto com vários players de comunicação e marketing e vou me atualizando. Estou o tempo todo no Facebook, porque também virou uma ferramenta de comunicação com os clientes. E a gente responde a todos ou encaminha. Minha equipe está proibida de dizer à imprensa que a empresa não quis fazer declarações. Mesmo que seja para dizer que estamos averiguando as informações e em alguns minutos vamos soltar um comunicado.
Como é a sua equipe?
AV: É bem enxuta. Eu cuido da comunicação da América do Sul, tenho uma equipe interna, uma externa e uma de responsabilidade social corporativa. Além disso, em cada um dos nove países em que atuamos temos uma assessoria de imprensa, que é o nosso braço local. Conto com um representante, não especificamente de comunicação, como contato para as ações de comunicação e responsabilidade. Alguns gerentes funcionam muito como porta-vozes das marcas, principalmente fora do Brasil. Até porque quando enfrentamos crises e estamos longe, eles se responsabilizam. E cada país tem um responsável. Eu me baseio muito nessas pessoas para trabalhar, com o apoio da agência. Aqui, tenho duas pessoas mais a agência para cuidar de toda comunicação interna para os países. E mais quatro pessoas para a comunicação externa, divididas em Brasil e fora do Brasil. Acabamos de mudar nossa agência de PR para a Textual. E em cada país conto com a ajuda de uma assessoria local.
A área de comunicação ocupa que lugar no organograma da empresa?
AV: Estamos embaixo do presidente. Temos uma linha direta com o CEO da América do Sul, a diretoria toda está aqui, e eu faço parte do comitê de liderança. E temos muita sorte porque ele gosta muito de comunicação, então adora dar entrevista, falar com jornalista, ir a eventos, facilita muito a nossa vida. Faz parte de criar um networking também. Além disso, a empresa não é dona da maioria dos assets, só opera os hotéis, então temos mais de dez mil investidores que precisam saber o que estamos fazendo. Temos uma área específica de relação com investidores, mas a base do conteúdo é feita por nós.
Como são tomadas as decisões?
AV: O processo de decisão na AccorHotels é bem rápido comparado com outras empresas. Amaioria dos projetos e das ações de comunicação, alinho com o presidente diretamente e começamos a tocar, envolvendo as pessoas necessárias. O comitê de liderança se reúne uma vez por mês e discutimos os principais pontos e as principais ações. E discutimos os pontos desfavoráveis. Quando há uma crise, falo direta e rapidamente com ele. Mas outros projetos, como fazer um livro para contar a história dos 40 anos da empresa no Brasil, também são decisões rápidas. O presidente sabe a importância da comunicação e da nossa reputação.
Como é feito o gerenciamento de crises dos hotéis?
AV: Nossa boa reputação colabora em momentos de crise e sabemos que a comunicação é importante para isso. A gente divulga resultados todos os anos para a imprensa e os parceiros, sempre convido para eventos.
“Nós estamos engajados, então os jornalistas pelo menos vão nos ouvir antes de dar as notícias. Até porque, não existe uma maneira de esconder as coisas hoje”.
O que temos é que nos posicionar o mais rapidamente possível para que todos publiquem também nosso lado e não fiquem com dúvidas. A comunicação hoje é muito rápida e às vezes ficamos sabendo de alguma crise pelo Whatsapp, pelos sites. Não podemos impedir as crises, mas dá para gerenciar rapidamente, muito mais do que antes.
Como é o dia a dia do trabalho?
AV: Hotelaria não é a diversão que parece. O dia a dia é muito complicado. Às vezes, a gente solta 30 a 40 releases por mês. É um volume muito grande de informação. Temos eventos todas as semanas; abrimos um hotel novo a cada dez dias. Nossas festas são de trabalho. A assessoria de comunicação fica maluca. Uma grande coisa que aprendi aqui foi a agilidade. A gente é muito versátil, tem muita coisa acontecendo, as pessoas dos hotéis são muito criativas, querem fazer festivais, festas, ir atrás do que a competição está fazendo. E temos uma política de portas abertas na comunicação.
Como é o seu trabalho de responsabilidade social?
AV: A gente tem um programa chamado Planet 21 que é o grande guarda-chuva de responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. Ele permeia todas as áreas de negócio. As minhas ações estão sempre conectadas às operações dos nossos hotéis. Inicialmente, tenho alguns pilares básicos. Primeiro os colaboradores, com tudo o que está ligado a eles, como sensibilização, código de ética, palestras de prevenção de doenças, etc. Outro pilar tem foco nos clientes, a comunicação de nossas ações, o uso de produtos recicláveis. Temos também os parceiros, o trabalho com investidores, por exemplo, usamos materiais melhores, mas com mais rentabilidade para os investidores. Outro é a comunidade, com trabalho com as pessoas do entorno, a compra de produtos de fornecedores locais, as ações sociais. Temos um grande programa de reflorestamento chamado Plant for the Planet. Quando os hóspedes decidem reutilizar suas toalhas, metade da economia que fazemos com isso é destinada a plantar árvores na Serra da Canastra. E todos os anos levo uma equipe de 30 camareiros, que são fundamentais nesse processo, e precisam ser conscientizados. Já conseguimos reflorestar quase 300 campos de futebol!. E os colaboradores têm uma motivação pessoal muito bacana, elas vão curtir o hotel pelo lado dos hóspedes, muitos deles pela primeira vez. E têm como lição de casa passar a experiência para sua equipe. Os camareiros são superinfluenciadores, têm grupos no Whatsapp, são muito eficazes na comunicação. Outra preocupação é com a exploração sexual de menores. Essa é a nossa bandeira principal, com atuação muito forte, treinamento online, cartilha, folder. Não temos como prever, mas nossa legislação é restrita em termos de hospedagem de menores. Isso pode ser uma mancha na nossa reputação e é um assunto que levamos muito a sério. Desde que estou aqui, não vi nenhum caso e espero que não aconteça. É um tema complicado e não tem muito apelo na imprensa.Sempre apoiamos o governo nas campanhas sobre esse assunto. Além de tudo isso, acabamos de lançar nossa participação em um fórum LGBT que congrega grandes multinacionais. São dez compromissos que vamos começar a divulgar agora. Já apoiamos um grupo LGBT no carnaval, distribuímos convites para o trio elétrico e divulgamos a parada gay. É um público com quem já nos envolvemos muito. E agora estamos trabalhando com ações específicas. Temos que adaptar linguagem, que é nova; temos que desmistificar e quebrar tabus, porque hospedamos todo mundo; e temos que aceitar todo mundo de forma igualitária. Estou bem animada e espero que a gente tenha muitas coisas legais para comunicar em breve.
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Claudia Maximino é jornalista, tradutora e roteirista (claudia.maximino@gmail.com)
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