29 de maio de 2020

LiderCom: “Transformação nas relações durante e após a crise: perspectivas globais e locais”

Tema foi abordado por lideranças globais em encontro online promovido pela Aberje

Por Aurora Ayres

O atual cenário da pandemia no mundo é bastante heterogêneo, mas com muitas coisas em comum. O ser humano contemporâneo nunca esteve sob uma condição tão tempestuosa quanto agora, sob o ponto de vista das relações e quem surge como condutor nessa travessia é a Comunicação. A fim de promover um debate sobre a “Transformação nas relações durante e após a crise: perspectivas globais e locais”, o LiderCom, grupo de líderes da Comunicação organizado pela Aberje, reuniu algumas lideranças globais durante encontro online, no dia 28 de maio.

Para falar sobre este momento de revisão das relações humanas e de reinvenção do ambiente empresarial, foram convidados: David Grinberg, VP de Comunicação Corporativa e Relação com Investidores da Arcos Dorados (McDonald’s), Pedro Torres, Head de Comunicação Corporativa da Gerdau, Viviane Mansi, diretora de Comunicação e Sustentabilidade da Toyota e Rodolfo Araújo, VP da América Latina da United Minds, responsável pela mediação.

Epicentro da pandemia, a América Latina apresenta um cenário repleto de dificuldades que potencializam a desigualdade social e impõe desafios. Rodolfo Araújo, VP da América Latina da United Minds, ressalta que a tensão mais significativa neste momento reside na relação entre governos e empresários. “É uma relação que se esgarça cada vez mais pois está baseada na pressão, com um nível difícil de disputa e de diálogo. O Brasil, por exemplo, está vivendo muitas crises ao mesmo tempo e as pessoas se veem desorientadas. Isso se reflete no ambiente organizacional”, salienta.

Mas, quais fatores devem ser considerados para a construção de um ambiente de negócios mais humano e autêntico que represente uma reinvenção na maneira de se trabalhar? Este é o momento de se questionar.

Responder, reiniciar e reinventar

A pandemia pode ser dividida em três fases: responder, reiniciar e reinventar, conforme análise do executivo. Depois da convulsão social em diversos níveis marcada pelas grandes mudanças iniciais, os líderes migraram de medidas reativas, adotadas de forma imediata, para uma postura organizacional mais proativa. Já o momento de reiniciar é quando as curvas se achatam e os líderes se preparam para o retorno das operações, ainda encarando as incertezas. Por último, a fase da reinvenção, que deve trazer um otimismo cauteloso e energia para construir outra vez. “Estamos mirando a fase de reinvenção, momento em que os líderes devem reavaliar suas organizações e fazer mudanças significativas, com as lições aprendidas e com as novas variáveis que temos que considerar a partir de agora”, analisa.

Nessa fase, as relações começam a se moldar: instituição/cidadão, empregador/empregado, cidadão/governo, escola/família etc. “No geral, essa é uma transformação demasiadamente humana, pois vivemos nossos medos, ansiedades, incertezas, aprendizados, tudo de forma intensa. É a intensificação da vida com demandas acumuladas em nossas próprias rotinas. Somos testados na capacidade, resiliência, agilidade e transparência; pontos importantes para definir novos atributos enquanto relações”, avalia. “Trata-se de um momento sobretudo de reinvenção, não de volta”, lança Araújo. 

Aprendizado intenso

A diretora de Comunicação e Sustentabilidade da Toyota, Viviane Mansi, atua em uma região formada por 40 países e territórios, todos bastante impactados. “O setor automotivo, como um todo, é um dos mais afetados, pois em geral são bens que não estão na prioridade das compras das pessoas. Nós estamos em casa há mais de 60 dias. Todas as fábricas da América Latina pararam ainda em março. A Argentina já voltou em maio, e o Brasil é o próximo”, comenta.

As operações da Toyota no Brasil e na Argentina reúnem, juntas, cerca de 13 mil colaboradores. Mansi revela que, em um primeiro momento, a companhia encaminhou seus funcionários para o home office e em seguida, ofereceu suporte específico para as comunidades onde atua. “A empresa tem uma cultura de ‘olho no olho’ e não estava preparada para atuar em home office. O aprendizado é intenso e a gestão ofereceu segurança emocional para esse aprendizado”, conta.

Mansi acredita que a recuperação na AL pode ser mais lenta do que foi na China, por exemplo, mas reconhece que este é um momento de reinvenção importante. “Já vínhamos em um processo de deixar de ser uma indústria automotiva para uma indústria de mobilidade. Então nos demos conta do quanto a mobilidade e a liberdade são importantes para todos, pois o nosso desejo de se mover não muda”, acentua, anunciando que a Toyota vai implementar francamente o home office. “Isso significa que a gente não volta mais. Toda sexta-feira os escritórios na AL estarão fechados e, nos outros dias, voltaremos em 50%; aproveitamos para dar um passo largo nesse processo de mobilidade, é como a cultura interna está alinhada com isso tudo”, complementa.

A pandemia pegou todos de surpresa e não existe uma fórmula para sair dela. “Como líderes, temos que assumir que estamos num momento de aprendizado e ter postura humilde de reconhecer que vamos aprender por tentativa e erros”, analisa David Grinberg, VP de Comunicação Corporativa e Relação com Investidores da Arcos Dorados (McDonald’s), que atua na Argentina e éresponsável por toda a América Latina. 

O executivo frisa a situação muito heterogênea nesses mercados, já que alguns são mais abertos, outros mais restritos, segurando a retomada, como ocorre na Argentina. “Tivemos permissão para operar desde o início enquanto delivery e drive thru, mas isso não significa que os clientes vão comprar e nem que os funcionários queiram trabalhar. Isso me leva a analisar  dois pontos importantes: a credibilidade e a execução local”, observa. 

A credibilidade a que Grinberg se refere não é só a conquistada da porta para fora, mas internamente também. “Nossos funcionários têm que estar tranquilos de que vão trabalhar em um ambiente seguro onde as medidas de proteção estão sendo tomadas. Sempre tivemos uma preocupação genuína com segurança alimentar o que nos coloca em uma posição interessante, em que até governos nos pedem ajuda para estabelecer esses protocolos para seguir no segmento como um todo”, conta. 

Presente na Américas, em termos operacionais de produção de aço, a Gerdau sente a crise com um duplo sentido. “Tanto por ser por altamente afetada em sua cadeia, mas sobretudo, por ser considerado serviço essencial em alguns países e em outros não”, explica Pedro Torres, Head de Comunicação Corporativa da Gerdau. Na Argentina e no Peru, por exemplo, a empresa suspendeu as operações; já no Brasil, EUA e México, seguiu com os trabalhos.

Segundo o executivo, a companhia chegou a registrar uma perda de 60% de demanda no pico da crise, voltando a patamares de 20 anos atrás na demanda de consumo de aço no Brasil. “Se tem um ponto positivo nesse processo foi o momento em que estávamos quando a crise chegou: há dois anos, a Gerdau teve, pela primeira vez em sua história, um CEO fora da família, que iniciou um processo significativo de transformação cultural na empresa, que desburocratizou a companhia e praticamente exterminou o processo de hierarquia. Apesar de sermos uma empresa industrial centenária, estávamos bem preparados para fazer toda uma mudança tecnológica”, revela.

“Nós passamos por todas as fases, tivemos momentos de muito estresse. No início, a comunicação tinha o papel de buscar respostas e desde o começo lançamos um processo de diálogo muito transparente, com lives frequentes do CEO para os funcionários de vários níveis hierárquicos. O aprendizado que fica é que, se do ponto de vista econômico a empresa perde com essa crise, do ponto de vista de propósito, de senso de pertencimento e até de marca a gente sente que que a Gerdau ganhou muito nesse processo, com um engajamento maior dos empregados e até a valorização das comunidades onde atuamos”, conta. 

O que vai ficar para trás nessa travessia?

“Estamos numa tormenta tentando cruzar o rio e chegar do outro lado. Todos estamos remando na mesma direção, mas não estamos no mesmo barco. Alguns estão num iate, outros numa jangada, outros ainda na água, fugindo dos tubarões…Nós temos certeza de que vamos cruzar o rio, mas o pior é que ninguém sabe como é esse outro lado, ou seja, teremos que adaptar nossa cultura, nossa estrutura, nosso negócio, nossas pessoas para sobrevivermos a essa realidade nova”. A analogia feita por Grinberg leva à reflexão de qual será o destino dessa reinvenção, pois durante a travessia muita coisa vai ficar para trás, como algumas práticas e crenças. É no que acreditam os participantes do encontro do LiderCom.

Um dos paradigmas que vai ficar para trás, na visão de Torres, da Gerdau, é o conceito de vida profissional e vida pessoal. “Essa é uma prova de fogo de que essa separação não existe mais. Fica claro a importância de tratar as pessoas como pessoas e não como empregados, de entendermos o contexto humano de forma mais profunda”, analisa. “Penso que as áreas de RH vão passar por um processo de reflexão muito grande nas relações de trabalho, na forma de engajar e reter o empregado. Se tem algo que fica para trás nessa travessia é o trabalho só pela relação profissional, mas na atração de novos profissionais que estão voltados mais para o senso de pertencimento e propósito”, pondera.

“Penso que vamos deixar a inércia para trás, existe muita inércia nas companhias com relação a seguir fazendo o que sempre fez porque sempre fez e gerar um questionamento dos porquês. Isso nos transforma e nos traz novas relações de trabalho e novas necessidades. Esses questionamentos constantes devem romper a inércia”, considera Grinberg.

Para Mansi, da Toyota, estar preparado para um universo de incertezas se torna cada vez mais relevante. “Uma coisa de ordem muito prática que vamos deixar para trás, seguramente, é a burocracia. A Toyota vem de processos superestruturados e agora percebemos na prática que é possível ser diferente. O que começo a ver mais claro nas companhias e estou achando formidável é a percepção de ética planetária, de que não adianta se proteger sozinho, que se não se protege a cadeia e o pequeno não se vai a lugar nenhum. A noção de que precisamos ir juntos está pulsando e isso será bom para todos. Essa é a nossa crença e a direção em que estamos trabalhando”, comenta. 

Confiança e linguagem próxima são ativos essenciais

Neste momento, a dimensão da confiança é a grande questão, assim como a forma de se comunicar. Uma nova linguagem deve pautar as relações daqui para frente, na visão dos líderes convidados para o encontro do LiderCom.

“Times que tinham uma confiança bem estabelecida estão vivendo melhor esse universo online, mas nunca é tarde. É preciso rediscutir a dimensão do que é confiança. Eu não preciso olhar nos seus olhos o dia todo para confiar em você. Confiança se cria na segurança emocional e já não cabe mais uma super hierarquia. A comunicação nunca foi tão importante”, define Mansi. “É oportuno lembrar que palavras constroem mundos. Não podemos esquecer que a linguagem é a principal ferramenta dos executivos”, completa.

Para Torres, a forma de comunicar é uma linha tênue entre a insatisfação e a colaboração. “A comunicação ganhou um papel ainda mais estratégico nas organizações e para nós, profissionais da área, saímos fortalecidos desse processo. Tem sido uma jornada de muito aprendizado e desafios”, resume Torres.

“A linguagem molda a realidade”, afirma Grinberg, lembrando de um artigo do jornalista Fernando Canzian. “Essa lição se aplica às empresas. Nós comunicadores devemos ter muita responsabilidade com a linguagem que a gente passa para as equipes que estão em casa. Devemos calibrar o tom da mensagem, não levando a um discurso otimista, tampouco pessimista, mas encontrando o equilíbrio que faça com que as pessoas entendam que todos estão na mesma situação e que ninguém tem as respostas”, conclui.

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