Jornada Aberje de Comunicação para a Sustentabilidade: “Não há como dissociar o negócio da sustentabilidade”
Iniciativa reuniu vários atores da sociedade para discutir questões relevantes para a sociedade a partir de dados levantados em ampla pesquisa realizada pela entidade
Por Aurora Ayres
A discussão do 1º Encontro da Jornada Aberje de Comunicação para a Sustentabilidade, realizado no dia 18 de junho em formato online teve como base o estudo “A Sustentabilidade /Responsabilidade Social das Organizações no Brasil: discursos e práticas”, realizada pela Aberje em 2019.
O evento contou com uma mesa redonda na qual participaram Fernão Silveira, diretor de Comunicação Corporativa e Sustentabilidade da FCA para a América Latina e presidente da Casa Fiat de Cultura, Lilian Nogueira, líder de Cidadania Corporativa nos negócios Agro da Bayer e Carlos Almiro de Magalhães Melo, head de Sustentabilidade da BRK Ambiental. Marcela Porto, gerente-executiva de Comunicação e Marca da Suzano mediou o encontro.
Ao abrir a jornada, odiretor geral daAberje, Hamilton dos Santos, apresentou a pesquisa, que teve patrocínio da Bayer, FCA e Natura, em que participaram 105 empresas localizadas em várias regiões do Brasil. Juntas, as organizações representaram os variados segmentos da economia e cerca de 10% do PIB nacional de 2018.
“Com a pandemia, mais do que nunca os comunicadores, que sempre foram chamados para o centro da decisão, estão fortemente no dia a dia dos negócios. Se por um lado é um momento difícil, por outro conseguimos ver a força da nossa comunidade, de profissionais que assumiram a missão de ajudar a olhar para as pessoas dentro das organizações”, comentou Hamilton.
Pesquisa traz discussões relevantes sobre Sustentabilidade
Para 90% das organizações ouvidas na pesquisa, o tema Sustentabilidade está entre as principais prioridades. Para 74%, o apelo maior nessa questão está relacionado ao reforço da imagem e da reputação da empresa como negócio comprometido com a responsabilidade social e sustentabilidade.
O estudo apontou que as empresas identificam e selecionam os projetos com base em seu nível de impacto, de sustentabilidade e de escalabilidade apresentado, entre outros itens. A maioria trabalha na redução de seu impacto ambiental em termos de conservação de energia, minimização e reciclagem de resíduos, prevenção da poluição, proteção do meio ambiente e conservação da água.
A maior parte das empresas não faz parte do Pacto Global da ONU, mas um dado interessante é que boa parte utilizam os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) para definição de metas de desempenho corporativo. Outro ponto ressaltado no estudo é que a limitação de fundos para a implementação de projetos é a principal barreira na estratégia de sustentabilidade/RSE das organizações, por outro lado, o gerenciamento das relações com interessados e análises de gerenciamento de riscos são temas a serem trabalhados nos próximos dois anos.
A pesquisa também levantou que as organizações fornecem informações claras quanto à sustentabilidade de seus produtos, serviços e atividades e que a veiculação de notícias em canais digitais é o principal meio utilizado para informar suas ações nesse campo.
Para que fosse possível analisar os dados sob outra dimensão, a pesquisa apurou, junto a um grupo de jornalistas e outro formado por representantes de ONGs, como esses atores ‘olham’ a questão da sustentabilidade a partir do discurso corporativo. Um dos resultados obtidos foi que eles acreditam que o tema não está entre as prioridades das organizações brasileiras e que as mesmas não fornecem informações claras e precisas sobre a questão em relação a seus produtos e serviços.
“Isso ficou claro e estabelecido no debate do Guia de Comunicação para a Sustentabilidade do Cebds. Portanto, esse é um tema bastante interessante. Penso que as organizações, de um modo geral, têm aí um trabalho importante de relações com a imprensa; os dois lados precisam se entender melhor”, ponderou Hamilton.
Colaboração e cidadania
“Não há como dissociar o negócio da sustentabilidade. O tema que está presente em todas as áreas de negócios”, destacou Lilian Nogueira da Bayer, empresa focada em saúde e nutrição. Para a executiva, a pesquisa da Aberje traz uma reflexão de como os comunicadores das organizações podem promover uma comunicação diferente em sustentabilidade e mostrar as ações que as empresas fazem de forma que a sociedade perceba o real valor. “Acredito muito na colaboração entre todos para o alcance de melhores resultados; assim como na inovação, essencial para promover novas formas de fazer negócios para atingir tantos objetivos que temos, enquanto sociedade”, analisou.
Magalhães Melo, da BRK, empresa privada de saneamento que opera em 12 estados brasileiros,considera o momento oportuno para falar sobre as mudanças que vê no Brasil em termos de sustentabilidade e crise de Covid-19. “A pesquisa traz dados relevantes em relação às mudanças no comportamento empresarial quando ele enxerga a sustentabilidade”, observou.
Numa visão de quem atua na área sanitária, Melo considera que, em termos de saneamento, o Brasil está na era medieval. “São 35 milhões de conterrâneos sem acesso à água potável, na grande maioria a população mais carente. Quando cruzamos essa realidade com a Covid, muita gente não tem água nem para lavar as mãos. Isso não significa que o Brasil não tem água, mas que desperdiça 38% de toda a capacidade em perdas e estrutura obsoleta”.
Se o Brasil reduzisse essas perdas, prossegue Melo, o ganho para o sistema como um todo, além da questão de sustentabilidade, seria uma economia da ordem de R$ 60 bilhões até 2033. “Esgotamento sanitário é uma realidade ainda mais perversa. De 100 milhões de pessoas, metade da população não tem esgoto tratado, o que traz doenças de veiculação hídrica. A pandemia abriu as feridas de anos e anos de desigualdade no Brasil, sobretudo no acesso ao serviço público essencial, em que doenças como zica e chikungunya, rivalizam com os leitos de UTI destinados a doentes de Covid. Há que se construir cidadania na base da pirâmide social a fim de levar a não apenas a qualificação dos serviços, mas o entendimento da importância desses serviços à essa população”, argumentou.
Reputação e propósito
Para Fernão Silveira, da FCA – Fiat Chrysler Automóveis, há uma ‘dicotomia’ entre participantes da pesquisa que aponta que um dos objetivos principais do trabalho na sustentabilidade e na responsabilidade social corporativa é a construção da reputação. “Sabemos de nosso compromisso com a reputação, mas também de como é importante ter uma preocupação genuína em que sustentabilidade e RS estejam diretamente ligados ao core business. Aí talvez esteja o grande diferencial e um dos motivos, levantados pela pesquisa, de que talvez exista um mal entendido por parte desses interlocutores (mídia e ONGs) do que nós, iniciativa privada, fazemos ou deveríamos fazer”.
Um ponto levantado pela pesquisa, destacado por Lilian, é que muitas empresas já olham para os ODSs como direcionadores. Em sua leitura, esses objetivos são uma matriz de materialidade do mundo, de como todos querem que a sociedade seja e as empresas estão atentas a isso. “Existe sim, um olhar de propósito de como criamos essa conexão. E com a Bayer não é diferente. Temos feito um esforço de diálogo e interação em relação a assuntos sobre sustentabilidade. Penso que a inovação é o que vai trazer a resposta para problemas que não conseguimos solucionar até então”, comentou.
Na ocasião, Marcela Porto, da Suzano, pode explicar a ‘geração de valor compartilhado’ ao público. “O conceito significa aproveitar mercados menos explorados que estão na base da pirâmide, como o setor de saneamento básico; um negócio que endereça uma necessidade real de um mercado desatendido de base da pirâmide. Por outro lado, existe a geração de valor compartilhado com a sociedade como um todo. O principal negócio da Suzano, por exemplo, é a produção de celulose a partir de árvores que a empresa planta em áreas originalmente degradadas e que depois são colhidas e em seguida novas mudas são plantadas na mesma área. A celulose é uma fonte renovável de matéria-prima para a produção de papel que serve a todos os setores”.
A importância do diálogo
Ferramenta que deve ser aprimorada, o diálogo é o canal direto, o caminho para se chegar ao outro. Neste momento de isolamento social, tudo faz falta, inclusive o diálogo. Em relação à conexão com os stakeholders, falar com a mídia parece ser um grande desafio por parte dos comunicadores que representam organizações. Nesse sentido, a transparência e a humildade são elementos fundamentais nessa jornada.
“O primeiro ponto é a transparência para se ter abertura até o diálogo. É ter humildade para interagir com os diversos interlocutores e públicos de interesse que você tem para entender como a empresa se insere em determinados contextos, disse Fernão.
Em sua opinião, outro ponto interessante que a pesquisa trouxe, é o quanto esses interlocutores têm interesse em realmente entender o que uma organização está ou não fazendo no campo da sustentabilidade e o quanto estão abertos a esse diálogo. “Em muitos momentos existe uma resistência natural por parte da imprensa para ouvir e entender, essa é uma barreira que nós como comunicadores gestores de sustentabilidade temos que lidar com alguma frequência”, ressaltou.
A executiva da Bayer reforçou que o diálogo é essencial. “Só temos condição de melhorar como pessoa e como empresa dialogando e aprendendo com os outros. Vimos, nessa crise do coronavírus, muitas empresas mostrarem o que estão fazendo às comunidades de entorno, em alguns momentos essa abertura existe. Opiniões diferentes sempre haverá”, concluiu Lilian.
O debate na íntegra está disponível no Youtube da Aberje:
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