Gislaine Rossetti: “Comunicação é um processo que deve entregar produtos”
Claudia Maximino
Gislaine Rossetti, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Latam, tem 29 anos de experiência profissional na área de Comunicação Empresarial. Nascida em Campinas, estudou Relações Públicas na PUC-Campinas e fez estágios em uma empresa de autopeças em Jundiaí, na TV Campinas para conhecer o jornalismo, e na Pirelli, onde foi efetivada. “Na faculdade, eu já sabia que queria trabalhar com a comunicação dentro das empresas. Sempre fui muito estudiosa e tive ajuda dos professores”, conta ela. “Mas não tinha noção do que fazia um RP na época, quais as possibilidades do profissional.”
Depois de formada, passou 18 anos na comunicação da BASF. “Foi uma grande escola. Trabalhei com profissionais que estavam na linha de frente e que tinham preocupação com o contexto comunicacional”, afirma. Há pouco mais de três anos, foi convidada para integrar a equipe de comunicação da Tam, quando a companhia aérea começava sua fusão com chilena Lan, formando um empresa de 44 mil funcionários, voltada exclusivamente para os serviços. Foi um desafio e tanto para quem durante praticamente toda a vida profissional havia trabalhando com produtos químicos.
Quais os caminhos que a levaram até a direção de comunicação da Latam no Brasil?
Gislaine Rossetti: Sempre fui muito apaixonada pela comunicação, sempre encarei como uma ciência e achei que a área de Relações Públicas pode fazer muita diferença para as organizações. E fui à luta. Foi tudo parte de um processo. A Pirelli foi minha porta de entrada. Depois vim para São Paulo e fiquei 18 anos na BASF. Entrei muito jovem e cresci na área de comunicação corporativa, fazendo jornais internos, gerenciamento de crises e de contingências, planos, táticas, campanhas etc.
Durante esse percurso, nunca deixei de me aperfeiçoar. Fiz pós-graduação em Marketing, em Administração e uma na área de Gestão Empresarial na USP. A faculdade dá alguns elementos, mas precisamos buscar outros fora porque, quando você atua dentro de uma corporação, é preciso entender a linguagem de todos. Fiz também cursos de Psicologia e Semiótica, que me deram embasamento para ampliar o conhecimento sobre as maneiras de comunicar. Depois parti para outras áreas. Fiz um curso de Matemática Financeira, por exemplo, para poder ler relatórios. No mundo corporativo é preciso ter muito claro onde você está e o que você quer. Para “vender” um projeto internamente, é preciso falar a linguagem do executivo. E geralmente quem está na reunião é um engenheiro, é uma pessoa do financeiro, são advogados. Então você precisa encontrar uma narrativa que os ajude a entender exatamente sobre o que você está falando. É um aprendizado muito importante, que vem da prática, mas também das escolas.
Como esse aprendizado teórico ajudou na sua carreira?
G.R.: Gosto de dizer que ele ampliou minha visão sistêmica de processos. Isso ajuda a olhar o sistema de um ângulo de 360 graus e a conectar tudo. Quando a gente fala “vamos alinhar”, queremos na verdade encontrar e contar uma história. Parece simples, mas não é. Tem a ver com a capacidade do ser humano de criar conexões. Então, como ajudo o RH a criar uma campanha? Como conecto a narrativa da empresa com a verdade que ela está vivendo naquele momento? Como meu cliente vai entender essa história? As conexões são importantes.
Nesse aprendizado da visão sistêmica, para me ajudar como gestora, fiz um trabalho de coaching com foco na gestão sistêmica de processos, que me ajudou muito. Sempre entendi o profissional de comunicação como um maestro, e a comunicação como um fio condutor que passa por cada área da empresa. Se você não souber fazer essa orquestra funcionar para criar a sua história, você perde força. A comunicação deixa de ser estratégica e passa a ser tática.
Até hoje quando estudantes me pedem algum tipo de conselho, sempre digo que, para que a comunicação chegue em um patamar estratégico, é preciso que o profissional tenha uma cabeça estratégica. É um espaço que precisa ser conquistado. É mais um desafio, porque todo mundo parte do pressuposto que sabe como a comunicação funciona, porque ela é parte do ser humano, nós falamos, ouvimos, entendemos… A nós cabe um trabalho importante de moderar esse processo dentro da empresa, de olhar para a cadeia de stakeholders, fazer com que a narrativa esteja colada à estratégia da companhia.
Como foi chegar na Latam em um momento fundamental para a comunicação da empresa?
G.R.: Depois de 18 anos na BASF, queria me testar. Sempre trabalhei no B2B, nunca tinha tido experiência com cliente e sentia essa curiosidade de ir para uma empresa que respira serviço 24 horas por dia. É muito diferente. Queria novos desafios, mas tinha que valer a pena. E aí surgiu a proposta da Tam, quando a empresa estava se associando à Lan para construir a Latam, uma companhia de aviação da América Latina, com milhões de passageiros, que precisava conquistar e informar os formadores de opinião sobre as mudanças. Foi um processo bem complexo, muito diferente. Saí totalmente da minha zona de confronto e caí no meio de uma transformação.
Mas tive o privilégio de ser recebida por pessoas muito abertas para me ensinar. Eu só conhecia produtos químicos, era a Gislaine da BASF, então passei por um processo de desapego com a marca, precisei me reposicionar. E a equipe me recebeu de braços abertos para me ensinar como funciona o mercado da aviação, quais são as questões, as contingências.
Nesse setor, as coisas acontecem na velocidade do avião, não dá tempo de planejar muito antes de entregar, tem que planejar e executar continuamente. Eu sou agitada, não tive problema com isso, mas viver na pele é bem diferente. Cheguei em dezembro, na alta temporada, nas férias, no meio do furacão, tive que entrar em um ritmo alucinante, preparar equipe, reposicionamento, ajudar a empresa a se comunicar sobre assuntos importantes no momento em que havia uma série de questões.
E a comunicação interna também precisava de atenção nesse momento de união das empresas, não?
G.R.: Com certeza, mas a comunicação interna não se separa da externa, elas estão integradas, principalmente para os funcionários. O mais importante para se posicionar para fora é fazer antes um trabalho de engajamento dentro. O colaborador, ainda mais numa empresa de serviços, tem que saber onde a empresa está e para onde ela vai, tem que ser o agente transformador.
Nosso negócio acontece no aeroporto, então fui conhecer pessoalmente os gerentes dos aeroportos, que são os primeiros a ser acionados por qualquer stakeholder. Precisava contar a eles qual era a premissa da empresa, o que estávamos fazendo. Tinha também que alinhar a comunicação para eles entenderem quais os grandes temas da companhia, como falar sobre eles, como agir se eles fossem questionados por um jornalista no aeroporto, por exemplo. Antigamente, eles diziam que não eram porta-vozes da empresa. Mas, num primeiro momento, eles são sim, são a cara da empresa. Então, conheci as bases e os funcionários e passei toda essa informação para as lideranças dos aeroportos. Isso é um processo de comunicação interna.
Ao mesmo tempo, começamos a envolver outras pessoas para contar o que significava a união da Lan com a Tam. Porque a gente já estava fazendo a preparação, a implementação e o lançamento da marca Latam, e tinha todo um trabalho envolvendo as áreas de marketing, serviços e inovação para envolver esses colaboradores na conversa.
Como é o seu trabalho na Latam? O que mudou desde que você entrou?
G.R.: Eu uso a linguagem da aviação, somos um hub de conteúdo. Minha área comporta três disciplinas: imprensa, sustentabilidade com foco em responsabilidade social, e governo, que é a parte institucional. Eu entendo a comunicação como um processo de entrega de produto, então comecei a olhar a dinâmica daqui desse jeito. Eu caí aqui de paraquedas e vivi o primeiro mês em um ritmo alucinante, foram cinco meses em um mês. Meu primeiro ano pareceu cinco anos. Produzimos muita coisa, foi muito intenso, em um setor que já é intenso. No primeiro ano, meus amigos e família tiveram que me esquecer, eu precisei mergulhar para entender o negócio, preparar esse hub de conteúdo, de narrativas, alinhar, moderar o diálogo. Tudo era novo. As pessoas entendiam a comunicação como assessoria de imprensa. Sempre reativo: “Se alguém ligar a gente fala”. Mas aquele era um momento de mudança da empresa.
Além disso, tudo tem a ver com a cultura da empresa. O CEO é quem determina o tom, se ele entende que a comunicação é importante, tem que trazer alguém para tocar a área. Mas essa pessoa não faz sozinha, é um trabalho em conjunto. E aí o resultado é mais sólido e pode ser perene. Esse é um ponto do contrato que tenho aqui. Eu vim ajudar a empresa a se reposicionar dentro de uma dinâmica totalmente nova. E não questiono o que era, a empresa está vivendo um novo momento que começou faz três anos, mas ainda não terminou, temos uma entrega para ser feita em cinco anos. O passageiro ainda não compra Latam, ele compra as marcas separadas. A promessa de marca não é para agora, tem um percurso para acontecer e eu quis embarcar nesse processo.
Esse foi o desafio fantástico que me deram lá atrás. Acho que aprendi muito mais do que entreguei. E as conquistas de reposicionamento, o trabalho de ter uma pauta estratégica e contribuir para uma narrativa equânime, que faz com que a empresa reflita sobre o que ela quer dizer e como ela quer ser percebida.
Outro desafio, além de ajudar a empresa nessa transformação, é nos reciclarmos sempre, porque todos os dias temos que resolver questões diferentes. E não dá para achar que uma coisa não é da área de comunicação, é um problema do call center ou de um ponto do aeroporto. Temos que ver como a comunicação pode ajudar a resolver todos os problemas. A comunicação nunca foi tão requerida, tão necessária. Quando olhamos para dentro e para fora da empresa, para as regras, as questões de compliance, de como nos posicionamos e como nos relacionamos, tudo parece novo, todo dia há novas exigências.
Como vocês lidam com as questões específicas do setor?
G.R.: A gente atende milhões de passageiros, são 800 voos diários só no Brasil. Imagine a quantidade de questões, de fatores contingenciais. Então, temos que ter posicionamentos preparados.
Nosso processo comunicacional é único e depois dissipamos para os diferentes alvos de acordo com o foco. Mas não dá para desassociar o interno e o externo. Por exemplo, no passado, às vezes aparecia uma notícia difícil, um passageiro que reclamava, uma matéria ruim, e o colaborador ficava sabendo pela imprensa. Ele queria defender a empresa, mas não sabia como e ficava com vergonha. Tudo porque não era informado. Agora, revertemos esse processo. Hoje, quando ele vê a reportagem, já sabe do que se trata. Com isso, ele também passa a confiar mais na empresa.
Por exemplo, uma questão chata: transportamos milhares pets, e claro que não estamos aqui para perder ninguém, mas, apesar de ser muito raro, um cachorro pode escapar da caixa de transporte. O passageiro vai ficar imensamente chateado e pode acionar a imprensa. Como é que você lida com a questão, com o passageiro, com a opinião pública, com o colaborador? Começamos a fazer um trabalho de contingenciamento desses temas difíceis, que podem acontecer e que, quando acontecem, temos que ser transparentes, consistentes e ágeis. Principalmente para resolver o problema do cliente. Já para o colaborador, temos que reforçar que isso é uma contingência que jamais deveria acontecer. E todo mundo tem que estudar o caso para que nunca mais aconteça. Transformar isso em um eterno processo de aprendizado.
Em uma empresa de serviços, temos muitos riscos. Como mitigamos esses riscos? Falar sobre eles é importante porque as pessoas ficam mais atentas. Em todas as áreas. Gerenciamento de crise não é lidar com a questão quando ela acontece. É esse trabalho interno: processo em cima de processo, aprendizado, simulação, alinhamento, levantamento de questões, de interfaces com as áreas, que eu chamo de moderação de diálogo, e de articulação dos processos. Cada área tem a sua competência, mas tenho que ficar atenta ao que fazemos dentro da minha matriz de questões, de influências, de stakeholders, de impactos. Como é que essas questões são trabalhadas, quais treinamentos damos, que informação passamos, como lidamos com elas. Precisamos assegurar que a narrativa da companhia está sempre no lugar. Quando eu tiver que me posicionar, tem que ser verdade. Esse é o trabalho.
Mas, para quem lida com clientes, as contingências também se renovam.
G.R.: Nossos tripulantes têm capacitação técnica e de comunicação. Eles possuem uma resiliência incrível porque, dependendo do cliente, podem ser massacrados. E aumentou demais os casos de passageiros indisciplinados. Entendemos que algumas vezes a experiência que damos para os clientes não é a que gostaríamos, quando o voo atrasa, quando existem questões meteorológicas ou técnicas, mas nada justifica a agressão. Nos casos extremos, temos que chamar a polícia, é parte do protocolo. Mas os tripulantes resolvem muitos casos no dia a dia. E, quando o passageiro fica agressivo, mesmo estando certo, ele perde a razão.
Começamos o dia olhando para o céu, para ver se vai fechar algum aeroporto, se teremos atrasos ou filas. Somos proativos com os jornalistas, não esperamos que nos liguem. Colocamos a rede e o call center para monitorar problemas. A gente trabalha 24 por sete, e temos que ver qual o impacto para o passageiro e ajudar todos os colaboradores a se posicionar quando algo acontece. Precisamos ter muito foco para conseguirmos ser rápidos e consistentes na nossa informação.
Como vocês lidam com as redes sociais em que as coisas tomam proporções absurdas e saem de controle?
G.R.: Eu acho que não existe mais controle sobre as notícias, então, a empresa precisa desestressar. Temos que ter calma e aproveitar os processos de comunicação. Se eles estiverem bem delineados, a rede passa a ser uma aliada. Eu olho muito mais para dentro do que para fora. Fizemos um trabalho para ajudar o nosso colaborador a se cuidar na rede. Temos 44 mil colaboradores na América Latina, 26 mil só no Brasil. Todos eles contam histórias sobre a Latam, então temos que dizer, sem cercear sua liberdade, até onde eles podem ir e quais são os riscos.
Agora, do público externo, se sair na rede um tema que mexe com a gente, temos que perguntar quem está falando, quão relevante é a influência dessa pessoa, como é que vamos conversar com ela. Mas mantemos uma equipe de redes sociais para conversar com todo mundo da mesma maneira, independentemente da relevância e da influência. Fazemos análises diárias do tom, do que está sendo dito. Recebemos monitoramentos. Sem termos a pretensão de que nossas questões serão controladas. Se vou lançar um produto, fazer uma ação de marketing, tudo bem. Se não, temos que conversar. Se o cliente está bravo, deixamos ele desabafar; se tem um problema, ele quer uma resposta.
Esse tema da rede passa por duas coisas que são muito importantes, uma análise comportamental, que tem a ver com a parte sociológica, e outra antropológica, dos meios. Esse tema já está mudando a comunicação e temos que estar preparados.
Qual a estrutura da sua equipe?
G.R.: Minha equipe é muito enxuta. Tenho dez pessoas no total. Tenho dois gerentes, um de imprensa e um de relações institucionais e sustentabilidade, seis pessoas na equipe de imprensa, três na parte de sustentabilidade e governo e eu. Para a assessoria de imprensa, temos ajuda da Llorente & Cuenca, que operacionaliza todo o contato diário com as redações, já que possuímos muitas demandas, de tudo o que é possível imaginar.
E como são as relações da sua área com a diretoria da empresa?
G.R.: A área de comunicação responde diretamente ao CEO, e ele entende que a comunicação é parte do negócio, da estratégia. Eu participo do comitê executivo, das tomadas de decisão do grupo, sou ouvida e os planos de comunicação passam pela minha diretoria. Tenho também uma linha matricial com a head de Corporate Affairs do Chile, que é geral para o grupo.
Também coordeno uma mesa de políticas públicas, na parte institucional da minha responsabilidade, que envolve questões regulatórias. E trabalho com a área de sustentabilidade, que aqui é bastante focada no meio ambiente. Decidimos questões de índice Down Jones, com foco na aviação, economia de combustível, programas específicos e responsabilidade social. Fazemos um trabalho forte com 21 ONGs com contrapartida de passagens para projetos na área de meio ambiente e educação e fazemos projetos dentro da empresa com esses parceiros. Eles nos ajudam, por exemplo, no trabalho de ampliar a noção de diversidade como valor, dando treinamento, palestras e instrumentalização para nossos colaboradores. Dessa forma, abrimos uma janela com os nossos parceiros.
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