Aberje e TV Cultura debatem Comunicação Pública em meio à pandemia
Por Aurora Ayres
Os governos, em termos globais, ocupam a última colocação como fonte confiável, por serem vistos como antiéticos e incompetentes. Esta é uma das conclusões da pesquisa Edelman Trust Barometer 2020 – que anualmente analisa o nível de confiança da sociedade em relação às instituições – citada ontem (29 de abril) na abertura do encontro virtual “Comunicação Pública em Tempos de Coronavírus”, promovido pela Aberje em parceria com a TV Cultura. A discussão, transmitida no Youtube da Aberje, contou com a participação de profissionais dos setores público e privado, jornalistas e comunicadores.
Ao destacar a importância desta iniciativa, o diretor geral da Aberje, Hamilton Santos, foi enfático ao cobrar uma comunicação pública mais republicana. “Trazendo para dentro do Brasil, essa pesquisa revela que em tempos de crise, o Governo Federal é a quarta fonte mais procurada para informação, perdendo para mídias sociais, grande imprensa e Organização Mundial de Saúde. Em termos de comparativo, estamos abaixo da média mundial, que é a segunda mais consultada. É necessário uma comunicação pública mais de Estado e menos de Governo”, enfatizou.
Segundo a pesquisa da Edelman, para 74% dos brasileiros, os CEOs devem liderar movimentos de mudança em vez de esperar que o Governo as imponha. “Quando o poder público faz parceria com empresas para enfrentar o coronavírus, a sociedade vê maior eficiência. Além disso, os colaboradores confiam mais nas informações vindas das organizações, do que em outros meios de comunicação”, complementou o diretor da Aberje, quanto ao compromisso social das empresas neste período de pandemia.
Para Gislaine Rossetti, presidente do Conselho Deliberativo da Aberje e Diretora de Relações Institucionais da LATAM Airlines Brasil, o grande aprendizado nessa crise é o trabalho em conjunto da sociedade – governo, empresas e mídia -, mesmo com as peculiaridades de cada setor. “Nunca uma agenda da Comunicação Pública foi tão relevante quanto agora, pois todos estamos vivenciando as mesmas questões. É preciso que essa comunicação seja clara e consistente com todos os stakeholders, O governo, as empresas, os colaboradores e as entidades devem fazer juntos o trabalho. Isso é um grande desafio. Diante de tanta informação vinda de tantas fontes, como saber quais são as verdadeiras e o que é relevante?”, indagou.
E como se trabalha essa comunicação de forma consistente e uniforme? Gislaine reforça que isso se consegue a partir de uma agenda construída com o envolvimento de todos os atores. “O Brasil vive hoje uma polarização que não precisava. Devemos ajudar o nosso país e as nossas organizações a se comunicarem melhor. Isso não é algo simples, precisamos ter líderes preparados”, acentuou.
“O desafio é inédito e não há experiência sobre como fazer comunicação pública e quais estímulos utilizar para sensibilizarmos as pessoas do ponto de vista do que o Governo entende como adequado”, completa Marcus Vinícius Sinval, secretário de Comunicação da Prefeitura de São Paulo.
Para Sinval, não é uma questão de certo ou errado. “Hoje nós temos pensamentos diferentes nos diversos níveis do Executivo. No governo estadual, na prefeitura da capital e na maioria dos governos os pensamentos são diferentes do governo federal. Isso cria uma confusão na cabeça das pessoas, que estão em casa e querem sua liberdade. No começo deste trabalho, eu pedi para que toda a linha de comunicação da prefeitura fosse feita baseada na informação de interesse e utilidade pública”, revelou. “Embora angustiante, esse desafio traz muito aprendizado: a doença se desenvolve de uma maneira que não é lógica, a curva de contágio, de manifestação dos sintomas, não é linear e isso causa motivo para as pessoas duvidarem de que a situação já está séria”, completou o secretário.
Sérgio Fausto, superintendente da Fundação FHC considera que o tema Comunicação Pública ganha uma exigência especial num momento da pandemia em que vidas estão em risco. “A comunicação pública tem o requisito de responsabilidade e no diálogo público, a responsabilidade é diretamente proporcional à importância do bem-comum que se procura produzir na comunicação pública, que é informação de qualidade. Essa informação deve estar lastreada nos fatos; como os fatos permitem interpretações diversas, é necessário que a informação também reflita interpretações diferentes sobre esses fatos”, analisou.
Fausto explicou que em circunstâncias normais, vale o princípio de que todos os lados da questão são legítimos e a informação deve procurar apresentar, na sua pluralidade, as opiniões a respeito de determinado fato. “Neste momento, o princípio dos vários lados da informação me parece que encontra o seu limite, porque não é possível tratar como equivalente a informação baseada no melhor conhecimento científico disponível e a informação que é produto da ignorância ou da intenção deliberada de manipulação dos dados para atingimento de algum fim específico de quem a emite”, argumentou.
Diante de um quadro nunca antes vivido pela sociedade contemporânea, o professor de Estudos Brasileiros no Brazil Institute, da King’s College London, Vinicius Mariano de Carvalho observa alguns pontos que tem desorientado o debate público sobre a questão. O primeiro ponto diz respeito ao que considera uma pergunta equivocada: quando vamos sair da crise. “Ao invés de perguntarmos quando vamos sair dessa crise, deveríamos perguntar quando será seguro sair dessa crise?”. Ele enfatiza que os atores políticos e os comunicadores estratégicos não devem ficar preocupados com o desejo do retorno à normalidade, mas sim com o plano para alcançar este objetivo. A segunda pergunta equivocada é “quando vamos voltar à normalidade”. “Essa pergunta está olhando para o passado, não para o futuro. Nós não vamos voltar, vamos iniciar algo novo”, afirmou.
O professor também reflete que é inútil procurar culpados para a crise ou dar ouvidos à teorias conspiratórias. “Quando nós procuramos culpados, deixamos de encontrar os responsáveis, que, etimologicamente falando, são aqueles que têm a capacidade de dar as respostas”, afirma. Nesse sentido, os responsáveis pelo atendimento à saúde ou aos planos de contingência e de diminuição dos impactos econômicos, por exemplo, são os governos, em suas diversas esferas. Porém, em relação à propagação da doença, os responsáveis são todos os cidadãos. Quando se coloca nessa perspectiva, todas as pessoas passam a ser atores públicos, ao invés de meras vítimas ou espectadoras das ações governamentais. Todos são capazes de influenciar a realidade com suas ações.
Carvalho comenta sobre uma metáfora que também considera equivocada: a metáfora de guerra para se referir como responder à pandemia com uma guerra. “Do ponto de vista de comunicação estratégica, é um erro narrar e entender a situação desta forma. Nem tudo que demanda esforço coletivo, sacrifício, ação coordenada é guerra. Não há uma guerra contra o vírus, pois o vírus não está em guerra com os humanos. Ele é só uma realidade natural, não é uma ação política deliberada”, afirma. E complementa: “Em guerras, mortes são justificáveis. Os mortos na pandemia não são guerreiros lutando contra o vírus. O que temos no caso do coronavírus são questões de saúde pública, investimento público, e a capacidade ou incapacidade da liderança em implementá-las”.
Assista o encontro completo no Youtube
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