Como criar narrativas na era da desinformação: principais insights da conferência global em Relações Públicas
Tema foi abordado pela Aberje durante IPRRC 2020. Outros trabalhos focaram em gestão de crise e ativismo social, marketing digital e humanização da comunicação interna e da liderança
A 23ª International Public Relations Research Conference (IPRRC) realizada em Orlando de 5 a 7 de março, reuniu profissionais e pesquisadores de Relações Públicas de 14 países, inclusive do Brasil e da América Latina. A Aberje esteve presente, representada pela gerente executiva da Escola Aberje de Comunicação, Emiliana Pomarico Ribeiro, doutora em Ciências da Comunicação pela USP, e pelo economista Leonardo Paes Müller, que atua no núcleo de pesquisas da associação e é doutor em Filosofia, também pela USP.
Uma das patrocinadoras do IPRRC, a Aberje entrega, a cada edição da conferência o International Aberje Award, prêmio que reconhece estudos acadêmicos de Comunicação em Organizações centrados na América do Sul. O trabalho vencedor desse ano foi para estudo da Virginia Commonwealth University, que analisou o modo como o departamento de saúde de 12 países, inclusive do Brasil, utilizam o Twitter.
Em três dias de conferência, mais de 100 trabalhos foram apresentados e discutidos entre os profissionais, revelando tópicos em Relações Públicas que têm atraído a atenção de pesquisadores mundo afora. Aqui, trazemos alguns destaques sobre o que foi apresentado, organizado em quatro principais eixos temáticos:
Reputação e gestão de crise
Na história da humanidade, nunca houve tanta informação sendo coletada, analisada e disponibilizada como hoje e, no entanto, vive-se a chamada “era da desinformação”. Esse fenômeno não deve ser confundido com uma informação incorreta ou com uma percepção equivocada (misinformation), a desinformação é mais grave, envolvendo a apresentação deliberada de informações incorretas.
É o caso, por exemplo, das fake news. O potencial efeito disruptivo delas sobre a reputação das organizações continua sendo um tema bastante trabalhado pelos pesquisadores que buscam delinear estratégias para prevenir crises potenciais e, caso elas ocorram, como gerenciá-las. Contudo, elas são apenas uma das ameaças à reputação das empresas. Um risco digital não é uma crise de rede social, mas uma ameaça de crise, ou seja, uma ‘paracrise’. Diante desse cenário, uma personagem ganha destaque: a influenciadora e uma organização que se associa a uma deve estar ciente dos potenciais riscos de paracrise.
Comunicação e Marketing Digital
O papel dos influenciadores e os efeitos de sua atuação no mercado da comunicação também vêm sendo estudados pelos pesquisadores. O paper liderado por Shannon Gallagher, por exemplo, focou no “marketing dos influenciadores”. Como qualquer novidade, as balizas desse tipo de relação ainda não estão bem estabelecidas: “Trabalhar com influenciadores é um conceito relativamente novo na comunicação. E adivinhe… Muitas empresas não têm a menor ideia de como fazê-lo, quem deveria fazê-lo e o que é necessário para fazê-lo corretamente”. Segundo seu estudo, a administração das relações entre empresas e influenciadores não deveriam estar a cargo do setor de marketing, mas sim de relações públicas.
Os potenciais benefícios dessa associação foram analisadas de modo bastante interessante pela equipe liderada por Kevin Stoker a partir da ideia de autoridade epistêmica e de sua transferência. O influenciador é alguém visto como uma autoridade em determinado assunto ou tema por conta de seu conhecimento ou habilidades excepcionais. Daí o alto valor atribuído à informação gerada por ele. As organizações buscam se associar a eles tendo em vista obter um pouco dessa autoridade, que seria de algum modo transferida para elas.
Comunicação interna
O engajamento, a humanização, a ética e a afetividade foram as principais bases dos trabalhos apresentados também sobre comunicação interna e liderança. O trabalho de Emiliana Pomarico, gerente executiva da Escola Aberje de Comunicação, entrevistou cerca de 200 comunicadores que, no ambiente de trabalho, alegaram estar: 97% cansados, 94% angustiados, 93% pressionados, 92% estressados, 89% sobrecarregados, 86% ansiosos e 78% frustrados.
Os comunicadores se sentem assim por questões como: a hiperconexão (que proporciona ansiedade, sentido de urgência, bombardeio de informações e necessidade de estar conectado 24 horas por dia); falta de reconhecimento (não há espaço nem tempo para sentimentos no ambiente de trabalho); equipes pequenas e multifuncionais; falta de orçamento para campanhas; falta de tempo; falta de foco (pela grande demanda diária); pressão e auto-pressão para atingir resultados.
Emiliana explica a reflexão principal do estudo: “se nós, comunicadores, estamos sentindo todas essas ‘dores’ no ambiente de trabalho, de forma semelhante sentem também os públicos para os quais criamos as comunicações. Como então criar novas narrativas para essas pessoas que estão estressadas e já sobrecarregadas de tantas informações é a grande questão”.
Seus estudos demonstram que comunicações focadas na escuta, na compaixão, na empatia, na abertura para o diálogo e interação – que proporcionam um real relacionamento pessoal em pequenos grupos e o mais individual possível (micronarrativas) – têm mais efetividade que comunicações de massa, protocolares, informacionais, cheias de detalhes excessivos e disparadas em diversos canais.
As pesquisadoras Linjuan Rita Men e Marlene S. Neill estudaram quais canais de comunicação seriam mais efetivos para o comprometimento afetivo do funcionário com a mudança: os canais mediados em massa (televisão, vídeos, publicações, e-mail, mural e intranet) ou os canais interpessoais (comunicação face a face, reuniões, relacionamento com a comunidade, com a prefeitura, visitas locais).
Assim como o trabalho de Emiliana, os resultados são semelhantes. O estudo demonstrou que as comunicações nos canais mediados em massa, possuem menos apelo já que são mais “frias” e não há muito das “pistas não-verbais” que existem no relacionamento humano. Apesar de atingirem um grande público, falta imediatismo e sincronicidade. Já os canais interpessoais tiveram mais eficácia e transparência; trazem imediatismo, fluxo bidirecional de informações, feedbacks instantâneos e o fator humano como o mais adequado para esclarecimentos.
Ativismo social corporativo
Para finalizar, o tema com o maior número de trabalhos a ele dedicados: o ativismo social corporativo. Cada vez mais, a responsabilidade social das empresas tem sido entendida em termos de posicionamentos públicos e práticas sociais. Não apenas as gerações mais novas (millenials e Zs), mas o público em geral e mesmo os empregados de diversas organizações acreditam que os CEOs deveriam assumir publicamente um posicionamento em questões sensíveis à opinião pública. Direitos LGBTQ, mudança climática, porte de armas, imigração e vacinação são alguns dos tópicos analisados através dos mais diversos métodos e paradigmas teóricos.
Antes de defender publicamente uma pauta nas redes sociais, é necessário buscar um enfoque mais estratégico e considerar algumas questões: relevância e urgência do assunto; quão controverso é o assunto; como a empresa pode agir; qual é o custo de não fazer nada e se a decisão for pela não ação, haverá reação interna. A partir dessas questões, o estudo liderado por Shari Veil apresenta as seguintes recomendações como: conhecer seu público; ser coerente; não apenas falar, agir;. associar-se com organizações que pensem parecido e preparar-se para as reações, pois elas virão, independentemente do lado que a organização assumir.
Todos os papers e estudos do 23º IPRRC estão disponíveis nos anais do congresso no site da organização.
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