29 de outubro de 2020

Uma narrativa para 2021

O ano de 2020 começou sob o impulso do movimento ESG – ambiental, social e de governança – como diretriz para a estratégia dos investidores e dos negócios comprometidos com o futuro e conscientes do presente. Fomos todos atropelados pela pandemia da Covid-19 e nossa realidade tornou-se ainda mais volátil, incerta, complexa e ambígua.

O movimento que se viu em seguida ainda não está bem compreendido pela análise socioeconômica: portas de escritórios, lojas e oficinas fechando; trabalho remoto e online de um lado, desemprego e auxílios emergenciais de outro; demanda por novas profissões, habilidades e conhecimentos, obsolescência de outros tantos. No campo psíquico, estresse, desalento e alguma esperança de um “novo normal” em bases construtivas.

No afã de tentar antever possibilidades no cenário obscuro da pandemia, webinars, lives e chats tornaram-se frequentes e também repetitivos, como se a comunicação fosse em si um ato esclarecedor, com respostas prontas e pacificadoras.

Só que não, utilizando uma expressão do dicionário informal da moçada. Na comunicação digital multiplataforma, pessoas e empresas tornaram-se mídias, terabytes de mensagens são produzidos e difundidos simultaneamente. Essa Torre de Babel virtual exige de cada um de nós uma nova “edição” do conteúdo que criamos e consumimos. Se antes da pandemia isso já era uma tarefa difícil, agora tornou-se muito mais. Mesmo que superemos o ápice da crise em 2021, o próximo ano ainda nos dará muito trabalho. Será o momento de refundação dos negócios, de reposicionamento das marcas, de recuperação em todos os sentidos, entre outras revisões que seremos obrigados a fazer.

Como gestores da comunicação, portanto, temos desde já uma contribuição muito maior a dar. Sabemos que a história é feita de ciclos espirais, que o acaso é dialético e definidor de novas realidades. Os gráficos futuros mostrarão se teremos um passado recente em V, U, L ou W. Provavelmente, todos esses cenários acontecerão em ambientes e mercados diferentes. Nosso papel não é só contextualizar o passado recente, mas também apresentar uma narrativa propositiva, na qual os conceitos ESG não sejam apenas adereços, mas componham o próprio enredo. Esta proposta vai muito além da diferenciação e da apropriação de falsas virtudes (o greenwashing), desde que o discurso esteja alinhado à prática, ou seja, um novo caminho incutido no cerne da estratégia e da ação.

A pandemia que estamos atravessando fez emergir temas que, se já eram importantes, tornaram-se inevitáveis e urgentes, como o amplo acesso à tecnologia e aos recursos da saúde. Mas temos que tratar também, de forma igualmente aguerrida, questões como a mobilidade, a habitação, a educação, a logística, o abastecimento, a energia e o clima, entre tantos outros. Se não bastasse a profusão de problemas, há o desafio dos muitos stakeholders, a necessidade de novos aprendizados e o aguçamento das desigualdades. O conceito ESG permeia cada um desses temas. Um “prato cheio” para as narrativas que deverão orientar o entendimento coletivo do tempo em que vivemos.

Concluo esse artigo depois de ter assistido ao excelente debate no fórum realizado pela Aberje e pelo jornal Valor Econômico, na manhã de 21 de outubro. Longe da mesmice de muitos webinars, o encontro discutiu a “comunicação da solidariedade”. Entre tantos insights interessantes, destaco a fala do presidente do Itaú-Unibanco, Cândido Bracher, ao mencionar a parceria que o banco formou com o Bradesco e o Santander para a iniciativa do fundo de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Um dos principais responsáveis pelo movimento “Todos pela Saúde”, que reuniu considerável soma de recursos para o combate ao coronavírus, Bracher afirmou que a pandemia passará, mas a questão ambiental persistirá, como um desafio ainda maior.

Mais uma evidência de que os pilares ESG precisam ter tratamento diferenciado na narrativa das empresas, dos agentes políticos e das lideranças sociais, sob o risco de termos que enfrentar novos “acasos” erráticos da natureza, que possam tornar mais difícil a nossa história. É por isso que devemos defender e praticar a comunicação bem feita, autêntica e comprometida com o interesse público, como uma força catalisadora da transformação do nosso tempo em benefício de todos.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Guilherme Pena

Jornalista, graduado pela UFMG e pós-graduado em Gestão de Negócios pela Fundação Dom Cabral, trabalhou no “Diário da Tarde”, “Estado de Minas” e “Gazeta Mercantil” e fez carreira executiva nas áreas de Comunicação e Relações Institucionais de empresas como Acesita, Fiat e Copersucar, entre 1990 e 2019. É certificado pelo Curso Internacional Aberje – Syracuse University de Comunicação Corporativa, turma de 2010. Em 2020, fundou a consultoria de comunicação Infossíntese e associou-se à agência Stella Comunicação, como gerente de contas.

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