The Crown é uma aula de comunicação
Elaborar discursos para grandes líderes, gerenciar crises e trabalhar pela reputação. São alguns dos ensinamentos que essa bela série nos proporciona.
Este artigo contém (leves) spoilers sobre a 2ª temporada da série The Crown.
Eis uma situação comum no cotidiano de profissionais de comunicação: elaborar um discurso a ser proferido por um porta-voz da empresa, tê-lo aprovado – muitas vezes sem que o speaker tenha lido atentamente – e, depois, ser repreendido porque algo dito prejudicou a imagem ou a reputação da organização.
Isso é maestralmente encenado na série “The Crown”, exibida pela Netflix, que retrata, nas duas temporadas disponíveis, os primeiros anos de reinado de Elizabeth II.
No episódio cinco, da segunda temporada, em uma visita a uma fábrica de automóveis Jaguar, o discurso da rainha é mal recebido pelos presentes e pela população em geral, por seu tom antiquado e distante da realidade dos trabalhadores. Antes do momento do pronunciamento, a série mostra um embate ideológico entre os dois secretários de Elizabeth: Michael Adeane e seu assistente, Martin Chartis. Este alerta aquele sobre o tom descontextualizado adotado no discurso, mas Michael, auxiliado por Tommy Lascelles (seu mentor e secretário aposentado), não altera o texto. Ele leva o discurso à Elizabeth, que diz confiar no que o secretário redigiu. Depois das críticas que recebe da imprensa, a rainha fica claramente irritada com Michael.
As duras críticas são encabeçadas por Lorde Altrincham, que ressalta o ostracismo da monarquia britânica e ridiculariza até mesmo o modo de falar da rainha. Para responder a esse ataque, Elizabeth conta com Martin Chartis, assistente de seu secretário pessoal à época, para conversar diretamente com Lorde Altrincham e ouvir suas sugestões. Algumas delas são implantadas, em uma tentativa de modernizar a coroa, sem perder as tradições da realeza.
Claro que, por se tratar de uma série, há forte tom de dramaticidade e a sequência de fatos encenada não coincide com a realidade, mas os fatos aconteceram. E nos ensinam muito sobre a prática do profissional de comunicação, que lida diretamente com a alta liderança.
Primeiro, o comunicador tem a dura missão de transpor, em palavras, valores defendidos pela organização e que gerem, ao mesmo tempo, adesão dos colaboradores e preservem a reputação da empresa.
Segundo, os líderes, diante das suas responsabilidades profissionais, podem considerar os discursos fáceis de serem produzidos, o que está longe da realidade. A tarefa é artesanal, requer cuidado aos efeitos de sentido e revelam a posição da organização sobre os temas tratados. Os que sabem da complexidade da produção dos textos oficiais podem confiar tanto no trabalho dos comunicadores que mal revisam ou se atentam a detalhes relevantes.
Terceiro, o mesmo comunicador que elabora o discurso a ser proferido num importante evento, por exemplo, é quem produz notas, marca entrevistas, planeja e realiza eventos em momentos de gestão de crise ou de trabalho de resgate da reputação. Isso pode ser visto também nos inúmeros episódios da série, em que Elizabeth precisa lidar com crises, desde as familiares (com seu marido e sua irmã ) até as políticas e diplomáticas. São os secretários pessoais que redigem, agem e lidam com a imprensa nesses diferentes momentos delicados à coroa, não apenas o porta-voz ou líder.
A série, portanto, é uma aula e tanto para profissionais de comunicação, ainda que se passe em um tempo em que nem se sonhava com os inúmeros canais de comunicação existentes na sociedade atual e os desafios por eles impostos.
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