Sobre limites, decisões e inspiração: dois livros em tempos de Olimpíadas
Publicado originalmente no LinkedIn, em 09 de agosto de 2024
Nestes tempos olímpicos, vieram-me à mente dois livros escritos recentemente por amigos próximos. Cada um deles enfrentou a sua própria Olimpíada particular.
O primeiro é “Rotina de Ferro”, de David Grinberg. Ou melhor: do David. É assim que eu o chamo e foi assim que pensei nele enquanto relia, agora em espanhol, as páginas emocionantes do seu livro, lançado pela Editora Planeta no Brasil em 2021 e este ano no Uruguai. É, aliás, uma honra pensar que fui um dos responsáveis pela sua gênese, ao incentivar o David a escrever essas memórias instantâneas.
Pois, como todos sabem, ele é mais do que um executivo. É um super executivo. Um dos melhores. E é também, por uma dessas coincidências da vida, um grande atleta. Além de correr, ele pedala sua bicicleta com uma perícia invejável e também nada como um peixe numa correnteza furiosa.
Nos termos do esporte, David é um ironman, capaz de correr, pedalar e nadar. É um triatleta completo, assim como é um executivo competitivo e centrado, capaz de realizar três funções simultâneas, se o trabalho exigir – e ele exige, da mesma forma que o esporte e a família, o terceiro pilar da sua fortaleza.
Porém, os verdadeiros atletas se confirmam diante da ferocidade dos obstáculos. E o David enfrentou um dos mais terríveis obstáculos que alguém pode combater: o câncer, logo aos 39 anos de idade. Um linfoma, e dos mais agressivos.
“Rotina de Ferro” não é apenas o título do livro do David. É também o resumo do seu manifesto pela vida. Com a mesma disciplina que ele aplicou ao trabalho e às relações pessoais, com o mesmo rigor que ele se dedicou como ironman, o David decidiu que iria vencer a doença. E venceu.
No seu livro, acompanhamos a rotina excruciante do tratamento de quimioterapia, da sua angústia pela incerteza do futuro, da sua tristeza pelo presente. Mas também sentimos sua alegria a cada boa novidade dada pelos médicos, a sua emoção ao redescobrir seu contato com a religião judaica, as conversas lúcidas com a esposa, os filhos e os pais, além do seu jeito brincalhão de conviver com a equipe médica.
Li “Rotina de Ferro” como se fosse um romance. O suspense é arrepiante. E, para alguém que também acompanha o cotidiano de um atleta (claro, não com a mesma paixão do David), percebi que ele narrava sua travessia pelos corredores dos hospitais como antes descrevia seus treinos de ironman.
A lição que encontrei nessas páginas é a mesma que, acredito, o David aplicou à vida profissional e pessoal: precisamos ter uma vontade de ferro – e transformá-la em disciplina e coragem – para superarmos qualquer barreira que nos impeça ir adiante.
Jogando de Terno
Esta sensação também permeou a leitura do segundo livro que me ocorreu durante essa temporada olímpica: “Jogando de Terno” (Onze Cultural), de Fábio Mello, que, assim como o David, é um amigo – e, por isso, também tomarei a liberdade de chamá-lo de “o Fábio”. Vale lembrar que a expressão “jogando de terno” significa jogar com elegância e eficiência, o que costuma caracterizar um jogador excepcionalmente técnico.
O Fábio jogou no São Paulo, no Atlético Mineiro, no Fluminense. Foi treinado pelos melhores dos melhores: Muricy, Telê, Parreira. Teve uma carreira exemplar nos campos; e teve uma carreira única no mercado de esporte, ao agenciar atletas por meio de uma estratégia bem elaborada e feita numa perspectiva a longo prazo.
Na cabeça de muita gente, isso significa apenas uma coisa: usar o atleta como uma mercadoria que vale dinheiro. Muito dinheiro. Porém, o Fábio pensa e vive o esporte como um negócio lucrativo, mas também como um terreno fértil para aperfeiçoar o potencial humano. Testemunhou jogadores indo para o fundo do poço porque foram transformados em objetos, em meros contratos. E resolveu – perdoem-me pelo clichê – “mudar o jogo”.
Ao perceber que a vida nos estádios já se aproximava do limite físico habitual de qualquer jogador competente, o Fábio resolveu sair dos gramados e fazer a transição de carreira para agente. Ele então passou a contribuir com a indústria do futebol não apenas “jogando de terno” (como Agente FIFA), e sim jogando de corpo e alma com o seu cliente, tratando-o como a pessoa completa que qualquer atleta precisa ser para ficar no campo.
Não à toa este é também o tema do curso de Gestão e Marketing do Esporte que ele idealizou na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) como um complemento formidável ao relato que lançou este ano.
Eu, que sou pai de um jovem candidato a atleta das chuteiras, fiquei comovido ao ler como o Fábio afirma que, independentemente de ser jogador ou agente, ele nunca abandonou dois princípios que foram fundamentais na sua biografia: ter uma “força mental” e sempre “manter a palavra” em qualquer tipo de negociação.
Meu autor de cabeceira, David Hume, não concordaria com as expressões “força mental” ou em particular “força de vontade”, mas eu entendi o que o Fábio quis dizer: todos nós devemos ter uma vontade de ferro para superarmos as adversidades, seja com a bola nos pés ou com ela fora do gramado. E “manter a palavra” é a regra básica que qualquer executivo, em qualquer empresa, precisa cumprir para que os negócios ajudem cada vez mais o progresso da nossa sociedade.
O Fábio tem tudo a ver com o David porque ambos têm uma “força mental” espantosa e sempre cumpriram a sua palavra, seja para os outros, seja para si mesmos. A trajetória deles comprova que, nesta Olimpíada particular que nós enfrentamos no nosso cotidiano, o importante é ter uma vontade de ferro.
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