04 de março de 2020

Sobre imagem e coerência

O pai pede para o filho largar o celular. Esqueça esses joguinhos digitais e curta uma brincadeira de verdade, como andar de bicicleta. Esqueça esses canais chatos do Youtube e sente-se à mesa para um jantar em família. Mas o pai vive concentrado em e-mails de trabalho, curtidas em redes sociais e seus próprios canais chatos do Youtube.

Quando o filho perdeu o jogo de futebol na escola, o pai, com a mais nobre das intenções, explicou ao menino que falhar faz parte da vida, que a gente é bom em algumas coisas e não tão bom em outras. Mas a lógica, mais uma vez, não se aplica ao pai, sempre se culpando por uma perfeição nunca alcançada. Autoflagelo aos olhos do filho.

Onde está a coerência? O discurso não condiz com a prática. A imagem que este pai quer passar para seu filho será bastante distorcida ou distinta da imagem construída a partir da percepção da criança.

A coerência é base firme para a confiabilidade. Se o que falo e o que pratico estão em sintonia, o outro vai confiar em mim. A dissonância gera dúvida e insegurança. A imagem – uma percepção do outro em relação a nós – se sustenta por meio desta confiança depositada pelo outro.

Subvertendo o imperador romano Júlio César, “a um político não basta parecer honesto, é preciso ser honesto“ a uma empresa não basta parecer preocupada com os impactos de seu negócio no meio ambiente, é urgente ela cuidar do meio ambiente.

O livro “A imagem revelada – do que é feito e como construir o nosso patrimônio mais valioso” (e-galáxia, 2016), da jornalista e consultora Olga Curado, ensina que valores, entregas e comportamentos precisam estar alinhados. A partir da consciência do que se é. Algumas empresas fazem hoje profunda reflexão acerca de seus propósitos antes de definir suas frases motivacionais para os colaboradores ou um discurso comercial para o mercado.

Se o objetivo de uma distribuidora de energia elétrica é ser reconhecida com uma empresa que tem a segurança como seu valor primordial, de vidas humanas à confiabilidade do fornecimento desta energia, os públicos – clientes, regulador, entre outros – terão uma natural expectativa quanto ao cumprimento deste objetivo. Se o número de acidentes na rede elétrica está aumentando ou se a entrega da energia é falha, faltam elementos que atendam às expectativas criadas.

Cabe à distribuidora de energia fazer uma reflexão e um alinhamento entre o que foi prometido e o que está, de fato, sendo entregue. Quais processos precisam ser revistos? Quais ações precisam ser tomadas? Se a empresa quer ser percebida como zeladora da segurança, deve sustentar esta imagem com coerência. Quando comunicamos a partir de valores e somos coerentes com a prática destes valores, a conexão com o outro é mais consistente.

O pai decidiu, então, também deixar de lado o seu celular nos momentos familiares. Resolveu ainda dar menos importância a suas próprias falhas. Coerente, recuperou a confiança de seu filho.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Emerson Couto

Emerson Couto é jornalista, escritor e consultor da Curado & Associados, empresa responsável pelo índice Valor, Gestão e Relacionamento (iVGR), ferramenta de mensuração de imagem e reputação que combina tecnologia e inteligência humana.

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