Saúde mental enfrenta estigma nas empresas
Entrevista com a médica e diretora da Mercer Marsh Benefícios revela que há urgência em lidar com a questão e em derrubar barreiras com apoio da comunicação.
Antonietta Medeiros, médica e diretora da Mercer Marsh Benefícios
O “papa” da inteligência emocional, Daniel Goleman, disse recentemente em entrevista para o Valor Econômico:
“Existe um certo estado mental que as pessoas precisam atingir para ter um alto desempenho. Em um momento de grande estresse como o de agora, se os patrões ignorarem isso vão acabar comprometendo seus negócios”.
A saúde mental nas organizações nunca recebeu tantos holofotes como na pandemia. Porém, quase 80% das empresas pesquisadas no Brasil não têm nenhuma política ou programa específico para apoiar seus funcionários nessa questão.
É o que revela o Estudo Regional Tendências de Saúde Mental na América Latina e Caribe 2019, realizado pela consultoria de gestão de saúde e de benefícios Mercer Marsh Benefícios (MMB), que se tornou importante referência em tempos de covid-19. Nesse primeiro grande levantamento, foram avaliadas 880 empresas de 11 países da região (versão completa do estudo aqui).
A boa notícia é que no Brasil, das 158 grandes empresas que participaram do estudo, 78% desejam implementar algum programa de saúde mental nos próximos dois anos, e o restante, nos próximos 5 anos. Isso demonstra que o tema está no radar da direção, conforme atesta a médica e diretora de Gestão de Saúde e Qualidade de Vida da MMB, Antonietta Medeiros.
“Sim, há uma preocupação por parte das organizações em melhorar ou manter a saúde mental dos colaboradores”, observa Antonietta. “A pesquisa foi realizada antes da pandemia, mas verificamos que a covid-19 acelerou alguns dos processos nas empresas, e o apoio e desenvolvimento de programas voltados à saúde mental é um deles.”
É sobre esse tema tão crucial nos dias de hoje que a médica concedeu esta entrevista. E o que a comunicação organizacional tem a ver com isso? Leia a seguir e confira:
O Brasil tem a maior taxa de depressão da América Latina, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), e só perde para os Estados Unidos no ranking das Américas. A pandemia piorou a situação da depressão e de outros problemas mentais?
Sem dúvida a pandemia está afetando a saúde mental. A mudança abrupta na rotina das pessoas, o isolamento social, a doença desconhecida e sem tratamento, o medo de contágio e a perda de membros da família são fatores que afetam diretamente as pessoas, podendo comprometer a saúde mental. Esses ainda podem ser agravados pela insegurança financeira, crise econômica do país, perda de renda e, muitas vezes, do emprego.
Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde [OPAS, órgão vinculado à OMS], Brasil, México e Estados Unidos são os países mais fortemente afetados pelos efeitos da pandemia, não somente as afecções mentais como ansiedade estresse e depressão, mas alterações de comportamento, como aumento do consumo de álcool e drogas e casos de violência doméstica também se agravaram. O estudo comparativo feito pela MMB entre a procura de atendimento psicológico virtual, antes do período da pandemia e depois, mostrou um aumento de 130% de busca por esse tipo de tratamento após a pandemia.
Como está o cenário no ambiente de trabalho?
A última pesquisa realizada em julho de 2020 pela MMB, na qual foram avaliados os efeitos da pandemia da covid-19 nos benefícios das empresas, apontou que 99% das organizações alteraram/incluíram benefícios relacionados à saúde mental, tais como sessões de meditação, Mindfulness online, sessões de psicologia, terapia online, além de Programas de Apoio ao Empregado (PAE), que engloba sessões de psicoterapias, orientações financeiras, jurídica, etc. Houve também preocupação com o acesso aos serviços de saúde, no qual 54% das empresas ofereceram serviços de telemedicina para consultas médicas virtuais.
Há forte estigma sobre doenças mentais. Como isso afeta as organizações?
Os impactos do comprometimento da saúde mental refletem em nossa habilidade de trabalhar e sermos produtivos, e também na retenção de talentos, no engajamento e nos desconhecimentos dos fatores organizacionais no adoecimento. Porém, na nossa pesquisa verificamos que apenas 23% das empresas oferecem ações que minimizem esse estigma.
Assim, quebrar o estigma e criar políticas sólidas organizacionais devem andar juntos. Isso passa por processos de conhecimento dos fatores de risco no ambiente de trabalho, processos laborais, avaliação de capacidades e competências dos funcionários e estratégias de comunicação e de práticas de gestão.
Como a comunicação nas empresas contribui na redução do estigma?
Primeiro passo é facilitar a criação de canais para falar sobre o assunto em todas as esferas da organização. Isto facilitará o desenvolvimento das próximas ações, como por exemplo, habilitar os gestores na compreensão do tema, divulgar ações disponibilizadas pela empresa no apoio aos colaboradores e, por fim, propagar políticas e programas de proteção à saúde mental desenvolvidos pela empresa. Sem a redução desse estigma, não se fala abertamente sobre o assunto, dificultando assim a identificação precoce dos casos e a divulgação e a adesão aos programas oferecidos pelas companhias.
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