19 de junho de 2024

Sair da sua barraca e olhar estupefato o mundo

Charles Bukowski (1920-1994), era um rebelde. Foi poeta, contista e romancista. Dizia que “a raça humana exagera tudo: seus heróis, seus inimigos, sua importância”.

E podemos ver alguns destes exageros com certa facilidade, inclusive no âmbito corporativo, no mundo das empresas com seu intenso desejo de encantar seus clientes, fazê-los consumir, de preferência cada vez mais.

Em abril, mês retrasado, o boletim “RH pra Você” trouxe uma matéria sobre uma entrevista que Hein Schumacher, CEO da Unilever, concedeu ao Bloomberg: “A obsessão ESG afunda a economia europeia”. A pergunta matadora foi “Você está lá para salvar o mundo ou para obter lucro?”

O dirigente da gigante global de bens de consumo diz ser questionado por seus acionistas não satisfeitos com os resultados de 118 bilhões de dólares e na sua entrevista ao Bloomberg, com duração de 44 minutos, usou a palavra “desempenho”, referindo-se a aspectos econômico-financeiros, 15 vezes. Um a cada 3 minutos, segundo o boletim brasileiro.

A Unilever tem uma estratégia e fortes compromissos relacionados aos fatores ESG há mais de uma década e agora Schumacher recuou no conjunto de objetivos que não os econômico-financeiros. Tudo foi reduzido e claro, o que sempre esteve: investidores só querem lucros.

Outro caso de contestação de fatores ESG foi no setor bancário europeu, a Federação Bancária Europeia (EBF) – que reúne 33 associações bancárias nacionais e representa 3.500 bancos —, atacou os excessos regulatórios ligados a fatores ESG. Já em Wall Street, ninguém quer ouvir falar de ESG. O presidente do Fed, Jerome Powell, disse “o Fed não se preocupa com política climática”.

Atenção: ambos exemplos trazem um ponto de vista; que devemos respeitar, cientes de que é importante conhecê-los, mas relativizá-los ante uma série de óticas, sobretudo porque matérias dessa natureza têm sido estimuladas cada vez mais pelos antiESG, cujo lobby é fortíssimo. Afinal, tem muitos interesses por trás e gente graúda que não quer deixar de lucrar fortemente com madeiras ilegais, garimpo ilegal, agropecuária sem cuidados etc.

E toda vez que me vejo diante de notícias como estas, da equação natureza X lucros no nosso país, eu me lembro de um velho professor, homem sábio, não apenas pela quantidade de livros e estudos realizados, mas pela sabedoria que lhe era inerente à alma. Ele deu aula na Bahia. Foram seus alunos, por exemplo, João Ubaldo Ribeiro, Glauber Rocha, Gilberto Gil, entre outros… Foi crítico de literatura e meu pai. Nas nossas conversas no fim de tarde, na varanda da casa de Guarajuba, comentando sobre alguma “solução” sacada por nossos gloriosos dirigentes, meu pai me olhava com olhos irônicos e dizia: “o Brasil é um grande acampamento!”.

Fiquei anos sem entender ao certo a dimensão dessa expressão. E, com a recente catástrofe em curso no Rio Grande do Sul, finalmente ficou clara. O modelo de governança de “acampamento” infelizmente permanece desde 1500, quando Cabral chegou por aqui. Tudo permanece muito efêmero, feito no afogadilho, às vezes irresponsável ou interesseiramente; às vezes ensaiando seriedade na gestão, mas não resiste a uma análise com mais profundidade: observa-se que os pinos/estacas, que sustentam nossa grande “barraca” no solo, estão fincados no ar…

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Carlos Parente

Graduado em Administração de Empresas pela UFBA, com MBA em Marketing pela FEA USP, possui um sólido histórico de experiência em Relações Institucionais & Governamentais, Comunicação Corporativa e Advocacy, com participações e lideranças em processos de comunicação estratégica, inclusive internacionais. Carlos Parente é sócio-diretor da Midfield Consulting.

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