O valor da incerteza
Escrever sobre conceitos complexos como o princípio da incerteza de Heisenberg e a Teoria da Informação de Shannon para um público de amplo espectro é não apenas desafiador, mas potencialmente problemático. É necessário compreender conceitos que não são triviais para os não treinados em ciências exatas – e mesmo para estes continua sendo necessário refletir sobre eles para digeri-los e transformá-los em palavras. Junte a esses dois conceitos o da entropia da Termodinâmica e o risco se torna exponencial.
O professor titular da Escola de Comunicações e Artes da USP Eugênio Bucci se deu essa missão em seu livro “Incerteza, um ensaio”. E saiu-se muito bem.
Bucci mostra uma habilidade ímpar para contar como os primeiros nerds da década de 1940 – liderados pelas ideias do matemático, engenheiro e criptógrafo americano Claude Shannon – abriram os caminhos para o que conhecemos hoje como mundo digital com uma simples pergunta: como definir informação tirando-a do campo da retórica e colocando dentro de um conceito matemático. A resposta é, depois de explicada, simples: estimando o volume da sua incerteza. Parece um contrassenso dizer que para saber o tamanho de uma informação é preciso conhecer o tamanho da incerteza. E mais: informação e incerteza devem ser proporcionais entre si. Com um pouco de reflexão ela fica clara. Quanto mais incerteza, mais informação eu necessito para defini-la. Nas brilhantes palavras de Richard Saul Wurman, editor, arquiteto e criador das conferências TED citado por Bucci: “informação é aquilo que reduz a incerteza”. Mas para chegar a esse conceito, os pioneiros da teoria da informação tiveram de perceber que a incerteza estava intimamente relacionada – de forma metafórica – ao conceito de entropia da Termodinâmica. Parece que uma (entropia) não ter nada a ver com a outra (informação), mas, no final, tem tudo.
Na termodinâmica, a entropia fala da aleatoriedade do movimento das partículas em um sistema que pode ser qualquer coisa. Vale para um planeta, para uma xícara de café para um cubo de gelo e para qualquer outro sistema. Escolha do freguês. Agora quanto mais aleatório, menos previsível, e, portanto, mais incerto. “Quanto maior a entropia, mais difícil prever a direção em que cada molécula vai se deslocar dentro do sistema. Tudo fica mais incerto, não dá para saber com antecedência o que vai acontecer.”, nas palavras de Bucci. Em síntese, quanto maior a entropia, maior a incerteza.
Essa relação deu um estalo na cabeça dos pioneiros da teoria da informação que viram que podiam fazer uma analogia entre a imprevisibilidade do movimento das partículas e o grau da imprevisibilidade da informação que vai de um computador (emissor) para outro computador (receptor). Bingo, nascia a base da teoria da informação.
Consolidada por um grupo reunido sob o nome de Macy Conferences, a Teoria contou com a presença de figuras icônicas de diferentes campos do conhecimento, entre eles os matemáticos Norbert Wiener e John Von Neumann, o psicólogo Kurt Lewin, a antropóloga Margaret Mead, o físico Max Delbrück, entre outros.
A fluidez com que Bucci expõe essas relações enquanto nos conduz pela criação e evolução da teoria de Shannon é ímpar não apenas pelo fato em si, mas por fazê-lo suavemente, sem solavancos. Até quando avança para a assimetria da informação do mundo digital e as questões que ela levanta a prosa é absolutamente clara. Bucci coloca: “A nossa vida caiu numa assimetria sem paralelos. Do lado de lá, o centro nervoso do ‘mundo digital’, monopolizado pelos conglomerados de tecnologia, é fonte de incertezas para a imensa maioria da humanidade. Os algoritmos controlados pelas gigantes de tecnologia, já equacionaram quase todas as indefinições que poderiam restar sobre o comportamento das pessoas. Do lado de cá, a gente olha para os conglomerados e não enxerga o que eles guardam. Eles têm paredes opacas”.
Os riscos econômicos inerentes a esse tipo de assimetria capitaneado pelas Big Techs são muitos e Bucci os expõe de forma implacável embora talvez pudesse dedicar mais tempo às soluções do que ao problema em si. Resolver o fato de que “os conglomerados monopolistas globais dominam as redes sociais com suas ferramentas de exploração do olhar e de extrativismo de dados pessoais” passa muito mais pela “adoção de marcos regulatórios mais efetivos no plano nacional e no plano internacional (por acordos multilaterais)” do que por qualquer outro tipo de mudança.
Bucci não acredita muito que isso vá acontecer chamando a possibilidade de “exígua”. A história recente do capitalismo, porém, mostra alguns momentos em que conglomerados foram repartidos para o domínio de um conglomerado fosse diluído. Caso da gigante do petróleo Standard Oil, quebrada em várias empresas em 1915, e mais recentemente a AT&T em 1982 – que, aliás, se parece em escala, significância e influência as Big Techs atuais. É certo, no entanto, que precisamos agir e o livro de Bucci faz um chamado a essa ação tão necessária à nossa sobrevivência.
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