04 de março de 2010

O estado de ânimo dos PIGS

De Madrid

Tomada 1: Espanha

Antes de seguir adiante com este artigo, entre em estosololoarreglamosentretodos.org/ e veja a campanha de comunicação que as principais empresas espanholas acabam de lançar como tentativa para afastar a crise econômica pela qual o país passa há dois anos – a pior desde a retomada de sua democracia. Entre os problemas, mais de quatro milhões de desempregados, inadimplência recorde, brutal queda no crédito, uma xenofobia latente e um dos piores males que uma Nação nessa situação pode sentir: a baixa autoestima e a desesperança de sua população.

Tomada 2. Grécia

O mais recente foco de crise na Europa, no entanto, vem do berço da civilização ocidental e da democracia. Incapaz de reduzir o déficit público, o país não consegue reagir pela falta de competitividade de sua economia. Hoje, os gregos vivem entre o medo de não saber como enfrentar o amanhã e a vergonha de não ter feito nada para evitar o mal maior produzido pelos excessos cometidos nos primeiros anos de bonança de sua entrada na zona do Euro. Como quase sempre acontece, o governo decidiu lançar um pacote de medidas que aperta os cintos, mas as reações foram imediatas e as manifestações contra a política de arrocho foram convocadas pelos sindicatos e pelos jovens via SMS, blogs e redes sociais.

Tomada 3. Irlanda

Sim, é o país da Guinness, dos pubs, do U2, do Saint Patrick’s Day e de um monte de coisas boas. Aparentemente festa todo o dia, mas o chope azedou. A Irlanda foi o primeiro país europeu que sentiu a crise do subprime norte-americano. Entrou em recessão em 2008 e até agora não conseguiu sair do lugar, apesar de remar contra a correnteza desde então com o aumento de impostos e a redução dos gastos públicos. Uma lição ao menos ficou clara: o sucesso econômico continua sendo a chave para o êxito político. Digamos que os homens que comandam o país perderam a chance de explicar antes o que estava para acontecer e, para piorar, não convenceram ninguém de nada depois que o problema se instalou.

Tomada 4. Itália

Não é de hoje que a economia italiana vem sofrendo com o endividamento público. Este supera todo o seu PIB. Por mais que o país tenha uma indústria criativa, ela não tem sido suficiente para compensar a administração que vem sendo feita por lá. É um tanto paradoxal que um especialista em meios de comunicação como Silvio Berlusconi não tenha utilizado suas habilidades frente às câmaras e microfones para resolver o que precisava ser resolvido nos bastidores. Ao contrário, foi protagonista de escândalos e negou frequentemente verdades escancaradas.

Tomada 5. Portugal

Assim como os demais, Portugal acostumou-se com uma dívida pública crescente e encontrou dificuldades para enfrentar as oscilações do mercado internacional. Também como acontece em sua vizinhança, especula-se que o problema maior resida na questão da autoestima. Ao menor sinal de crise econômica ou de algum problema social, se pode ouvir no café da esquina, em uma rua do Porto ou de Lisboa, “isto só mesmo em Portugal” ou “somos a cauda da Europa”. “Facto” é que otimismo não é atributo dos mais fáceis de encontrar ali, segundo os próprios portugueses. Tendo motivos ou não para serem assim, verdade é que o fado não é samba e tudo isto existe, tudo isto é triste.

Tomada 6. Epílogo

PIGS são as iniciais em inglês dadas por especialistas e acadêmicos ao conjunto de países formado por Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, que hoje estão entalados em um lamaçal e desfrutam de um entorno econômico mal cheiroso. Ao contrário dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), ganharam um apelido que fez parlamentares da União Européia apresentar queixas a bancos, universidades e meios de comunicação. Sem sucesso, evidentemente.

Porém, é preciso deixar claro que focinho de porco não é tomada. Por isso, mais do que falar de problemas econômicos, é preciso aprofundar-se na crise de identidade pela qual esses países passam. Assim como acontece com muitas empresas, tiveram a oportunidade de se preparar para o pior, mas esqueceram o plano na gaveta. Não falaram a verdade, não usaram os canais mais apropriados, não alinharam o discurso e pior: não utilizaram a linguagem da população.

Nunca é tarde para mudar isso. Mas lembre-se da última frase que encontramos no vídeo espanhol dita pelo chef do El Bulli, Ferran Adriá: “não esperemos que as soluções sejam apresentadas por um guru. As soluções estão em nós”.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luis Alcubierre

Luis Alcubierre é executivo de Comunicação Corporativa, Relações Institucionais e Governamentais há mais de 25 anos e hoje atua como conselheiro para a América Latina da Atrevia, agência espanhola de PR e Corporate Affairs, além de liderar o escritório Advisor Comm. É também palestrante, mediador e mentor. Formado em Comunicação Social pela FIAM, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e MBA pela FIA-USP, com diversos cursos de gestão de liderança e negociação realizados em instituições como IESE, Berlin School of Creative Leadership, Columbia Business School, Universidad Adolfo Ibañez, Escuela Europea de Coaching, Fundação Dom Cabral, IBMEC e FGV. Foi diretor de Comunicação e Assuntos Corporativos de empresas como Kellogg, Pernambucanas e Samsung, onde teve responsabilidades adicionais pela Comunicação na América Latina. No Grupo Telefônica, assumiu a Direção Global de Marca e Comunicação da Atento em Madrid, na Espanha, sendo responsável pela gestão da área em 17 países. Passou ainda por Dow Química, TNT (adquirida posteriormente pela Fedex) e Rede (antiga Redecard), tendo iniciado sua carreira no rádio, nos sistemas Jornal do Brasil e Grupo Estado. Também foi membro do Conselho de associações ligadas às indústrias de alimentos, varejo, vestuário e mercado financeiro, onde teve importante papel negociador em distintas esferas de governo.

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