O capital já vê o termômetro
Risco do aquecimento global começa a mudar o fluxo do dinheiro
Demorou, mas parece que a gravidade das mudanças climáticas entrou definitivamente na pauta de prioridades do poder econômico global, apesar dos sinais de alerta que o planeta vem dando há tempos. No recente encontro do Fórum Econômico Mundial (WEF), em Davos, as evidências de que o mundo e as populações correm perigo iminente foram novamente expostas.
Pela primeira vez nos dez anos do Relatório Global de Riscos, os cinco principais riscos mundiais em termos de probabilidade apontados pela edição 2020 são todos ambientais. São eles: eventos climáticos extremos, falha na mitigação e adaptação às mudanças, ocorrência de desastres naturais, grande perda de biodiversidade e danos ambientais causados pelo homem. Temos tido exemplos de tragédias em todos os quesitos. Na amostra de 2019, os três primeiros já encabeçavam a lista.
Não chega a ser surpreendente que um volume tão denso de informações, referendadas não só por acadêmicos, mas por grandes corporações de seguradoras, venha a público pela voz de uma entidade que reúne a elite do capitalismo global. Banqueiros experientes costumam dizer, em tom de piada, que o capital é covarde. Gosta de ser bem tratado e, diante de qualquer ameaça, sai em fuga. É o que está acontecendo. Diante de tantas ameaças, o dinheiro pede proteção.
Não por coincidência, a maior gestora de recursos financeiros do mundo, a BlackRock, com quase US$ 7 trilhões em ativos, assumiu que a sustentabilidade será determinante para suas decisões de investimento. A famosa e influente carta anual da gestora aos CEOs de empresas investidas, divulgada na véspera do estudo do WEF, foi incisiva. “Até o final de 2020, todos os portfólios ativos e estratégias de consultoria estarão totalmente integradas a critérios ESG (as dimensões ambientais, sociais e de governança, na sigla em inglês)”, escreveu Larry Fink, o presidente do fundo.
Pouco antes, no dia 20, o Banco para Compensações Internacionais (BIS), conhecido como o banco central dos bancos centrais, já havia alertado os mercados que eventos climáticos extremos “podem desencadear uma crise financeira sistêmica, se os governos não agirem para evitar tais riscos”.
As mensagens repercutiram até no Brasil. Em entrevista ao Valor Econômico, publicada na edição de 24/01/2020, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, admitiu que a questão climática começou a influenciar a produção de energia e a agricultura e, agora, está causando impacto no fluxo financeiro mundial, de forma “muito mais intensa”. Segundo ele, o investimento externo vai olhar os critérios ambientais e “precisamos estar em conformidade”.
E qual a nossa responsabilidade, como comunicadores, diante de tantas projeções catastróficas, lastreadas por diversas tragédias reais, como os desastres da Samarco, em Mariana, e o da Vale, em Brumadinho, além do misterioso vazamento de petróleo ao longo do litoral brasileiro?
Mais que porta-vozes, somos os olhos e ouvidos da organização, e devemos fazer a leitura permanente do clima e do ambiente, sem trocadilhos, dentro e fora da empresa. A emergência climática global serve de alerta para todos – governos, empresas e cidadãos – e pode ser também uma oportunidade, para que comecemos a fazer diferente. Adotar modelos de negócios mais sustentáveis, que promovam a economia de baixa emissão de carbono, é uma grande contribuição para o planeta, mas, antes disso, é também um passaporte para a perenidade do empreendimento. Consumidores e clientes estão cada vez mais conscientes e exigentes, e querem saber mais não só da qualidade do produto ou do serviço que estão comprando, mas também se a empresa está comprometida com a sociedade e o futuro do planeta.
Novamente, não estamos falando de poesia, embora seja preciso ter a coragem e a franqueza que vemos na ativista sueca Greta Thunberg. Algumas transformações históricas parecem seguir um mesmo enredo: primeiro, os grandes problemas afetam as pessoas, nas comunidades. Depois, eles se transformam em crise econômica, em prejuízo para as famílias, empresas e governos. Por fim, a política é chamada para lidar com a dura realidade, quando muitas vezes o leite já está derramado. É quando se torna urgente a adoção de políticas públicas que, espontaneamente, não seriam facilmente adotadas, por mudar radicalmente o paradigma econômico e o status quo hegemônico.
Algumas dessas medidas já estão na pauta dos governos, principalmente europeus: precificação do carbono, banimento de motores movidos a derivados do petróleo, restrição ao carvão, redução do uso de plástico etc. Do outro lado, também precisam de estímulos as políticas de incentivo à reciclagem, a educação básica sobre consumo consciente e as ciências da Terra, o saneamento básico, a despoluição de rios e oceanos etc.
O que é importante para nós, defensores da boa reputação e da governança corporativa, é saber que as empresas que se anteciparem na adoção de estratégias sustentáveis – e já é tarde para isso – estarão dando passos maiores que a concorrência na busca da fidelidade dos clientes e da perenidade de seus negócios.
Ainda que o Fórum Econômico Mundial possa ser criticado por sua atuação mais glamourosa do que pragmática, não podemos desconsiderar o peso de suas posições. Klaus Schwab, o fundador da entidade, tem insistido em novas métricas para o “capitalismo de stakeholders”: “Líderes empresariais têm agora uma incrível oportunidade. Ao dar um significado concreto ao ‘capitalismo de stakeholders’, eles podem ir além de suas obrigações legais e cumprir o seu dever com a sociedade. Eles podem ajudar o mundo a alcançar metas compartilhadas, como as definidas no Acordo Climático de Paris e na agenda de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Se eles querem realmente deixar sua marca no mundo, não há alternativa”.
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