Navegando entre os diferentes níveis de governo no cenário pós-pandemia no Brasil
Thyago Mathias e Adriana Prado*
As estratégias descoordenadas das autoridades federais, regionais e locais contra a disseminação da COVID-19 levantaram incertezas em relação à forma pela qual as empresas podem se relacionar com o poder público em meio a movimentos que parecem indicar mudanças no modelo de federalismo do país. O Brasil que emergirá desta crise não permitirá mais uma abordagem única. Até agora, as organizações que precisavam se relacionar com a esfera pública normalmente concentravam seus esforços na administração federal, onde o poder costumava ser concentrado. No entanto, com a pandemia, estados e municípios passaram a ter muito mais influência sobre assuntos que impactam as empresas, da infraestrutura de telecomunicações e do gerenciamento de serviços de saúde à aprovação de impostos e regulações ambientais. Além disso, é provável que haja mudanças constitucionais e regulatórias que poderão não apenas trazer novas oportunidades para empresas que operam em setores altamente regulamentados, mas também desafios.
Antes conhecido por centralizar poder regulatório e controle orçamentário nas mãos do presidente, o Brasil vem testemunhando desde o ano passado uma ascensão do Congresso a uma posição de cada vez mais assertiva. E, com a COVID-19, os 27 governadores do Brasil também ganharam um novo papel de liderança. Desde que a Organização Mundial da Saúde anunciou a pandemia, o Distrito Federal, os 26 estados e até os principais municípios, como São Paulo e Rio de Janeiro, agiram mais rapidamente do que o governo federal e muitas vezes se uniram para determinar o distanciamento social, regular o transporte, o comércio e os principais serviços e montar novas UTIs. Enquanto isso, o presidente e seu gabinete continuaram enviando sinais contraditórios e erráticos, demorando a apresentar as medidas necessárias para combater os impactos sociais e macroeconômicos da epidemia. Depois de o governo federal ficar muito aquém das expectativas do público em relação à resposta à COVID-19, governadores e prefeitos, encorajados, provavelmente terão um papel enorme na formulação de políticas por anos além da atual epidemia.
Embora a turbulência atual não signifique necessariamente que o Brasil enfrentará uma ruptura política radical em um futuro próximo, a COVID-19 já provocou mudanças em como é percebido a prática do modelo federalista do país. Historicamente, as decisões derivavam de Brasília para os estados, mas, agora, o Brasil parece estar se aproximando mais do modelo dos Estados Unidos, onde os governadores têm mais flexibilidade para desenvolver suas próprias agendas, independentemente de Washington. A pandemia tem permitido que os governadores do Brasil tomem posição e contradigam diretamente o presidente, cuja resposta á doença tem sido, na melhor das hipóteses, sem brilho. Fortalecidos e focados em suas próprias ambições políticas, vários líderes regionais estabeleceram um precedente regulatório que não será facilmente esquecido ou superado, mesmo quando a pandemia terminar. As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal em resposta a pedidos estaduais para intervir em dívidas e orçamentos federais, bem como a histórica decisão que garantiu o poder de decisão sobre políticas de isolamento social a estados e municípios, são um exemplo de como a COVID-19 está mudando o pacto federalista do Brasil.
Diante desse novo cenário, ampliar a capacidade de relacionamento com os diversos níveis de poder será essencial para as empresas daqui para frente. O primeiro passo para se adequar a esse novo contexto é identificar corretamente os novos stakeholders. Isso vai além do mapeamento tradicional e da classificação das partes interessadas como “detratoras” ou “aliadas”. A lógica do poder nos níveis regional e local nem sempre reflete a da administração federal. O próximo passo é trabalhar com cautela para fazer ajustes finos nas mensagens para os diferentes interlocutores, com base em seus interesses, motivações e geografias – mas sempre mantendo um discurso unificada.
Em muitos casos, expandir a atuação no exterior pode ajudar a influenciar questões locais. Quando divergências em relação a políticas doméstica podem afetar negativamente direitos ou atividades fundamentais, atores multinacionais podem estar prontos para apelar aos reguladores nacionais ou multilaterais. Eles poderiam oferecer apoio às contrapartes locais no Brasil para incentivar a discussão e fornecer visões mais amplas e unificadas de questões domésticas que podem afetar os negócios de todas as entidades nacionais. Em um mundo em que as empresas também contam com novas rodadas de investimento de atores internacionais, isso pode ser útil para identificar e destacar novas oportunidades de recuperação em todos os níveis.
*Thyago Mathias é diretor sênior e líder para o Brasil do segmento de Comunicação Estratégica da FTI Consulting. Formado em Jornalismo pela PUC-Rio e em Direito pela UniRio, acumula 18 anos de experiência em comunicação, gestão da reputação e de crises, assuntos governamentais e advocacy para indústrias e mercados altamente regulados. Com o reconhecimento de cerca de 20 premiações brasileiras e internacionais, atuou na Alerj, na área de consultoria da Fundação Getúlio Vargas, no portal UOL, na TV Globo e na LLYC, onde participou da abertura da operação em São Paulo e liderou projetos multipaís.
*Adriana Prado é diretora no segmento de Comunicação Estratégica da FTI Consulting. Formada em Jornalista pela PUC-Rio, tem mais de 15 de experiência e passagens por alguns dos principais veículos de imprensa e agências de comunicação do Brasil. Mais recentemente, foi diretora na Brunswick Group, onde atuou em grandes crises, fusões, aquisições, litígios e projetos de (re)posicionamento corporativo. Foi colíder da prática de Cybersecurity, Proteção de Dados e Privacidade da Brunswick no Brasil. Também já trabalhou para os jornais O Globo e Extra e a revista ISTOÉ, além de ter integrado uma premiada equipe de mídias sociais da FSB.
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