09 de dezembro de 2008

Não fale em crise, trabalhe

Uma crise financeira pode, muitas vezes, revelar a pior linhagem de um comunicador, especialmente quando ela tem ramificações sociais sensíveis, além de econômicas. É aquele que, a surfar na incerteza, transforma medo em terror ao retransmitir – sem interpretação e com muita opinião – informações que alcançam a sociedade por meio das redes de relacionamento, os empregados, fornecedores, e se amplifica pela mídia. É um ambiente em que pouco se fala sobre construir, mas, a cada dia, comunicadores se reúnem para contar os mortos e projetar o que será ceifado.

Este terrorismo oriundo do ambiente empresarial e da mídia de massa sobre a crise lembra-nos o mito da Caverna de Platão: pessoas aprisionadas no fundo da caverna, sem nenhum contato com o exterior, percebiam o mundo apenas por meio das sombras, que vinham de fora e eram falsamente entendidas como monstros.

Nesta crise, comunicadores e veículos de comunicação têm criado ambientes cavernosos e de ampliações falsas de percepção. Dados reais de uma pesquisa internacional sobre os efeitos da crise financeira sobre as políticas, planos e ações comunicacionais, foram divulgados em seguida a uma reunião da Aberje, Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, e da International Association of Business Communicators, IABC, maior entidade norte-americana de comunicação de empresas.

A pesquisa ‘Communication and Communicators in the Financial Crisis’, mostra que felizmente a maioria dos comunicadores empresariais observa a crise sem se transformar em objeto dela. O trabalho realizado pela IABC, em parceria com a Mercer, foi aplicado em 1.442 membros da IABC, entre 29 de outubro e 12 de novembro de 2008. Entre os respondentes, 59% estavam nos EUA e 26% em empresas no Canadá. O complemento da amostra veio de países como Brasil, Austrália, China, entre outros.

Plano de comunicação

O estudo do IABC foi feito com o objetivo de saber como os comunicadores estão envolvidos na crise e como isso afeta suas funções. A maioria dos comunicadores consultados tinha cargo de diretores ou gerentes de corporações. Questionados sobre o impacto da crise em suas organizações, alguns disseram que não havia crise. Canadenses e australianos relataram que suas empresas não sofreram muito impacto; 40% avaliam que os impactos da crise são significantes, drásticos ou consideráveis e 36% consideram esses impactos moderados.

Em outro item, 8% têm muito medo de perder seus empregos devido à crise, 34% um pouco e 51% não têm medo algum. Dentre os que responderam ‘drásticos e consideráveis’ estão aqueles que trabalham em áreas financeiras e os norte-americanos, áreas consideradas geradoras da grande crise. Sobre se a crise afeta a motivação e confiança dos funcionários, a resposta de 37% foi que não afeta de maneira nenhuma, enquanto 34% disseram que afeta moderadamente.

A percepção dos funcionários em relação aos gerentes é de 46% de credibilidade e 33% de alguma confiança, sendo que os gerentes que não tinham a confiança de sua equipe, já não eram considerados confiáveis antes da crise. Por fim, questionados se suas organizações tinham pedido por um plano de comunicação devido à crise, a maioria respondeu que não (70%).

Medidas duras

A pesquisa do IABC mostra que a maioria dos comunicadores sabe que, pelo menos no curto prazo, o mundo não vai acabar. E que o melhor para os negócios – e para a alma – é trabalhar na consolidação da comunicação junto aos empresários e à sociedade como campo de conhecimento e estratégia para a sustentabilidade das atividades produtivas.

Além disso, esta crise financeira global é um momento de reconhecer os comunicadores que, além de selecionar aquilo que informam, interpretam e opinam de forma tranqüila e qualificada. Os ‘educomunicadores’, com certeza, contribuem para diminuir, as incertezas geradas pela crise, a dureza das medidas tomadas pelas empresas e a tristeza desse tempo de pouca esperança.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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