30 de maio de 2011

Miopia pura

O Congresso Mega Brasil de Comunicação 2011 reuniu recentemente, em São Paulo, mais de 500 comunicadores. Em uma das conferências – “A explosão das fronteiras (invisíveis) da comunicação e seu impacto nas estratégias corporativas” – debateram-se as transformações sociais e tecnológicas que atingem a comunicação, o trabalho, o perfil dos comunicadores das empresas e instituições e provocam mudanças em como as empresas e as instituições se relacionam com consumidores, empregados, comunidades e organizações não-governamentais, entre outros públicos.

O desafio proposto pelo Congresso mostrou que a democracia e as novas tecnologias digitais – cada dia mais acessíveis – provocam nas empresas e instituições um questionamento: sobre a validade da separação conceitual da comunicação, aquela feita no âmbito organizacional e aquela feita na sociedade de forma abrangente. Argumenta-se que a circulação informacional, que ocorre na sociedade contemporânea, cria um processo comunicacional compartilhado por todos, dentro ou fora da empresa. E por isso, se a empresa ou instituição quer se comunicar com eficácia, seus processos comunicacionais devem se ajustar aos ambientes técnicos, éticos e estéticos da sociedade.

Neste ambiente, perdem o sentido e a sustentação teórica e prática as denominações comunicação organizacional, empresarial, integrada, mercadológica, corporativa, entre outras conhecidas, que definem territórios e práticas, que tinham algum significado na sociedade industrial, mais lenta nas transformações políticas, econômicas e tecnológicas.

Comunicação sem fronteiras

O trânsito da informação no mundo, o direito de falar e questionar assegurado a empregados e comunidades – antes considerados objetos passivos da comunicação persuasiva da administração – mais o poder das redes sociais integradas por esses públicos, tiraram das empresas, instituições e de seus dirigentes a centralidade e o poder de controlar o processo comunicativo e relacional. Agora, todos se comunicam e tudo o que fazem é comunicação, independentemente da posição que ocupam na hierarquia ou do que produzem. A empresa e a instituição são mais um dos protagonistas sociais em rede.

O ambiente social e produtivo, agora, é um só. E neles todos se relacionam, dialogam em hierarquias atenuadas. O comunicador perdeu o lugar tradicional de trabalho e de fala. A origem de quem é responsável pela comunicação nas empresas e instituições é diversificada e não tradicional. Por isso, diante de novas mídias, novos produtores de conteúdo e do ambiente de mudanças e incertezas, só sobrevive o profissional culto.

Os temas tratados pelos negócios e instituições também ajudam a esfarelar a idéia de comunicação organizacional para um conceito mais abrangente de comunicação em organizações. É um conceito radical que não enquadra mais a comunicação de assuntos importantes, que interessam toda a sociedade e sempre provocam muita controvérsia e inúmeros pontos de vista, a partir do balizamento das linhas de produção e das estratégias administrativas. A comunicação organizacional não explica o mundo de riscos representados pelas regulações de Estado, terrorismo, fome, crimes e desastres ambientais, homofobia, corrupção, medos, aceleração e tirania do presente, identidades e alteridades…

A ciência da comunicação analógica e digital é constituída de um pensamento mais do que suficiente para dar significado para os processos comunicacionais, que acontecem no território que juntou empresa, instituição e sociedade. Comunicação Organizacional não é uma nova ciência autônoma. No máximo, é um metasistema, que tem sua identidade definida em suas relações com a Administração, a Psicologia, as Ciências Sociais, a Antropologia, a Política, a História, a Filosofia. A Comunicação Organizacional tem um arsenal teórico capenga. É uma reciclagem e resignificação pobre das inúmeras teorias da Comunicação. A comunicação organizacional atual é a miopia das relações públicas e do marketing. Caso seja necessário beber em alguma fonte, que seja nas fontes de água pura e de mestiçagem relacional e comunicacional.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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