Menos achismos e mais evidências: precisamos entender os métodos científicos para uma comunicação mais assertiva (Parte 1)
O cotidiano dos executivos de comunicação está cada dia mais repleto de questões complexas. Contudo, raros são os que têm acesso ao arcabouço científico sobre estas temáticas. Para ajudar na construção de estratégias mais assertivas, todo o mês vou trazer as aplicações práticas das evidências descritas na literatura acadêmica. Porém, antes de usar a evidência é extremamente necessário compreender o que é ciência.
Em uma passagem da série de livros Foudation, Isaac Assimov utiliza o seu alter ego, o matemático Hari Seldon, fundador da psicohistória, para sublinhar como ‘homens de negócios’ usam, de forma relevante, a intuição para tomar decisões. Mas pouco compreendem a estrutura do pensamento científico. A metáfora de Assimov não é sem propósito e define bem o que é o ambiente corporativo. Em média, os profissionais – entre os quais os de comunicação corporativa – tendem a ter pensamento mais intuitivo do que científico. E esta característica pode influenciar em decisões enviesadas e menos assertivas para suas estratégias.
Estas questões sintetizam a motivação desta série de ensaios: o estímulo da adoção do uso de inteligência de dados como prática na comunicação corporativa. Por meio do uso de evidências, o propósito aqui é estimular o pensamento crítico no fazer de comunicação nas empresas por conta dos desafios impostos pela complexização do ecossistema de mídias dado pelas mídias digitais e seus impactos no tecido social.
A era da análise de mídia
Há uma quebra de paradigma em relação às mudanças de tecnologias comunicacionais anteriores, como a invenção da imprensa (séc. XVI) ou broadcasting (séc. XX). O impacto do digital não é dado apenas pelas novas possibilidades de criação, publicação e distribuição de conteúdo, mas, principalmente, por trazer uma perspectiva inédita de análise de expressões midiáticas (textos, fotos, vídeos, etc.) da sociedade por meio de técnicas computacionais (MANOVICH, 2018). É interessante que Lev Manovich, o pensador sobre novas mídias e cultura digital mais relevante de acordo com os ratings do Google Scholar, define o atual estágio da comunicação com a era da “análise de mídia” – iniciada em 2004 com a popularização das redes sociais e compartilhamento de mídia pelos seus usuários.
Este nova era descrita por Manovich é facilmente compreendida quando se observa a familiarização cada dia maior do mercado corporativo com o uso de plataformas de monitoramento e análise de mídias. A inevitabilidade da necessidade de compreensão do impacto das tecnologias de informação na opinião e no comportamento do público pelas marcas tornou, na última década, este ferramental obrigatório para as organizações. Neste período, a minha atuação em agências de comunicação e como evangelista da dados me fez ao mesmo tempo agente e testemunha deste fenômeno. E, sem dúvida, o seu resultado mais notável é a inserção dos dados de audiência – e seu impacto para a imagem e reputação das companhias – como um fator de influência na decisão de executivos.
Estatísticas de publicações, alcance e impressões passaram a ser padrão em relatórios de resultados de áreas de marketing e comunicação. Contudo, com base na minha experiência, me sinto confortável em afirmar que os importantes insights retirados a partir destes dados ainda são mais baseados na intuição do profissional e menos no entendimento de sua possível representação sobre o comportamento do público. Por exemplo, é bem comum que executivos se satisfaçam com o resultado quantitativo de uma ação: muitas menções em diversos perfis sociais, mesmo que estes sejam inexpressivos e fora do perfil de seu público-alvo. Porém, raramente se preocupam com indicadores que melhor denotam a prevalência da marca na lembrança da sua audiência.
“Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceito são cegas”
Parte-se aqui da hipótese de que a intuição predomina sobre a racionalidade na maioria das atividades do mercado corporativo. E esta ideia só pode ser sustentada no fato de o modelo educacional das universidades ser voltado para a formação para o mercado e não para a construção de pensamento científico. E, nesta perspectiva, estamos enfrentando um problema de construção de conhecimento – ou seja, uma questão epistemológica. Agora, caro leitor, para convencê-lo a respirar fundo e continuar lendo este texto, vou me sustentar em Immanuel Kant (1724-1804), filósofo fundamental na tradição do pensamento científico moderno.
No livro Crítica da Razão Pura, o Kant afirma que “sem sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado e, sem entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdos são vazios, intuições sem conceitos são cegas.” Neste ponto, Kant reconhece a necessidade da intuição como fator da construção de conhecimento (CAIMI, 2001-2002), sublinhando que, sem os conceitos, o ato de intuir passa a ser “cego”. Traduzindo, tornam-se apenas opiniões ou achismos.
Infelizmente, a má notícia é que não existe uma fórmula mágica, ou frameworks inovadores, para se tornar um profissional que toma decisões baseado em evidências. É necessário, inevitavelmente, compreender como funciona o processo de construção de conhecimento. E, para isto, temos de jogar luz sobre o debate do método científico.
Dada esta introdução, na próxima coluna, vamos avançar na construção histórica do pensamento científico, de Immanuel Kant a Karl Popper, passando pelo empirista David Hume – e o que a estatística e, no fim das contas, o nosso trabalho com análise de dados e com estratégias de mercado têm a ver com tudo isso.
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