Maratona da vida
Quem acorda um dia e decide correr uma maratona só pode ser louco ou obstinado, ou um pouco dos dois. Não é à toa que os maratonistas representam apenas menos de 0,5% da população mundial, ou cerca de 30 milhões de pessoas. Pratico corrida há quase 15 anos e até então a maior distância percorrida por mim havia sido 21km, a tradicional meia-maratona, disputada algumas vezes ao longo desse período dedicado ao esporte. E não estava em meus planos de vida correr o dobro dessa distância.
Percorrer os 42.195 metros exige muito, seja do ponto de vista físico, nutricional e mental. Fisicamente é preciso programar uma rotina de exercícios que contemple treinos com diferentes intensidades e distâncias, além do fortalecimento muscular que quase todo corredor odeia. A dieta é outro cuidado especial, com a maior ingestão de frutas, verduras, legumes, proteínas e carboidratos “bons” (cerveja e outros alcoólicos estão fora da lista). Mas talvez a parte mais difícil seja mesmo a preparação mental.
Nesse aspecto, a maratona assemelha-se muito à nossa rotina, seja no campo profissional ou pessoal. Primeiro, precisamos acreditar que é possível e trabalhar no planejamento, o que significa muitas vezes abrir mão de coisas em prol de um objetivo maior a ser alcançado. Estabelecemos metas e planejamos cuidadosamente uma estratégia que contemple táticas e ações para alcançá-las, sempre com o apoio de pessoas próximas, sejam membros da equipe de trabalho, amigos e familiares. Depois, partimos para a execução, driblando os obstáculos que vão surgindo pelo caminho, mantendo a resiliência, o foco e uma atitude positiva.
Outro aspecto importante a ser considerado é o exercício da paciência. Na vida e no esporte, não devemos ir em um ritmo rápido demais para não esgotar nossa energia e recursos, nem tão devagar a ponto de se acomodar e ser ultrapassado pela concorrência. O mesmo acontece na maratona. Treinamos para executar na prova tudo o que praticamos, mas existem variáveis que não podemos controlar, tais como condições climáticas, imperfeições na pista, lesões, reação do organismo à ingestão de alimentos, comportamento dos demais atletas, entre outras.
Para preparar nosso corpo e mente, também contamos com o apoio de profissionais especializados, sejam educadores físicos, médicos, nutricionistas e psicólogos. Por fim, especialmente depois do dramático “km 32”, onde muitos corredores tendem a desistir, é preciso muito foco e determinação para seguir em frente. Nesse momento, o corpo está cansado e ainda restam 10km a serem percorridos.
Então por que acordar um dia e resolver correr uma maratona? Disse que não estava em meus planos de vida correr essa distância, pelo menos não sozinho. Em meu caso, aceitei o desafio por uma causa, para apoiar o Alexandre, um colega com deficiência visual que conheci em um projeto que promove programas esportivos e conexões sociais liderado pela ONG Achilles International Brazil.
Essa experiência no Rio de Janeiro foi diferente de tudo que já vivi. Já participei de dezenas de corridas guiando atletas com deficiência, mas esta foi diferente. Em primeiro lugar, foi diferente pela complexidade que uma maratona possui e pela relevância da Maratona Internacional do Rio no cenário esportivo e toda a expectativa criada em torno do evento, transmitido ao vivo e com milhares de pessoas incentivando os corredores pelas ruas e passarelas da Cidade Maravilhosa. Também foi diferente pelo clima de amizade e parceria dos demais guias e atletas da Achilles que estavam lá torcendo por nós. Mas diria que foi diferente mesmo por causa do Alexandre.
Também meio louco e obstinado, o Alexandre estava indo para sua sétima maratona, sendo uma delas feita em 2021, no ápice da pandemia, na qual percorreu centenas de vezes um trecho de 200 metros nas imediações da região onde mora na Grande São Paulo. Para ele, essa prova do Rio em 2024 seria um desafio especial, pois além dos 42km, ele somou outros 21km a serem disputados no dia anterior à maratona.
Nos dias em que convivemos no Rio, pude perceber o carinho do Alexandre pela família, preocupando-se em levar uma pequena lembrança do Rio para a esposa e cada um de seus filhos. Um cara que, apesar de ter perdido a visão, não perdeu a esperança nem a coragem de ultrapassar os obstáculos mentais e físicos para alcançar tudo que se propõe a fazer. Um cara não privilegiado financeiramente, cujo bairro onde mora não circulam ônibus e os carros por aplicativo demoram a aceitar passageiros, mas que apesar disso, conta com uma rede de apoio incrível para executar seus treinos e corridas. Um cara que vive a vida como uma dádiva, sempre com um sorriso no rosto e uma vontade imensa de realizar coisas boas. Um cara de sucesso.
Por isso topei ser louco e obstinado junto com o Alexandre e o guia Claudio e foi uma das coisas mais legais que já fiz. Não pensei que aprenderia tanto sobre estratégia, planejamento, espírito de equipe e mentalidade vencedora, não apenas para cruzar a linha de chegada, mas para a maratona que cada um de nós desempenha na vida. Por tudo isso, muito obrigado Alexandre!
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