22 de agosto de 2023

Lacração e os comentários da ignorância

Publicado originalmente no LinkedIn, em 22 de agosto de 2023

Com exceção do Facebook, que até hoje é liderado por Mark Zuckerberg; e do Tik Tok, criado por Zhang Yiming, as mídias sociais de maior relevância no Brasil mudaram de dono desde a fundação. O LinkedIn foi parar nas mãos da Microsoft; o X (antigo Twitter) virou obsessão para o magnata Elon Musk, que gastou a fábula de US$ 44 bilhões para incluir o microblog em seu portfólio; e o Instagram passou para o controle da Meta, também de Zuckerberg. Por que estas marcas se tornaram tão relevantes no mercado? Por que tanto dinheiro jorrou nessas aquisições?

Na perspectiva de negócios, foram inúmeros os motivos: acesso a milhões de consumidores, ao controle de dados desses usuários; o potencial de monetização por meio da publicidade, mas sobretudo a capacidade de influência, as estratégias de expansão via poder econômico e o contato permanente com laboratórios de tecnologia para suas ambições futuras em todas as frentes de negócio que possuem. Já para pessoas comuns como nós, as mídias sociais se transformaram em um fenômeno global devido a uma combinação de fatores que deram vazão a necessidades básicas como conexão, comunicação, expressão e pertencimento.

A era da instantaneidade e da conectividade global fez com que a sociedade testemunhasse uma mudança profunda na forma como as opiniões são expressas e como os debates se desenrolam. No centro desse fenômeno emergiu a chamada “lacração”, termo que reflete a busca por expressar pontos de vista contundentes e muitas vezes polêmicos nas redes sociais e outros espaços online, até mesmo os profissionais, naqueles dedicados a seus colunistas. No Brasil, terceiro país onde mais se usam redes sociais no mundo, atrás de Índia e Indonésia, a lacração é diária para qualquer lugar que você olhe. No entanto, essa tendência apresenta um risco considerável: a ignorância dos comentários e a proliferação de julgamentos precipitados.

A ascensão da lacração reflete o desejo humano de pertencer a comunidades virtuais onde ideias semelhantes são compartilhadas e fortalecidas. O impulso de se alinhar a um grupo que acredita ter uma “verdade” pode ser poderoso, mas também abre a porta para a disseminação de informações distorcidas e respostas emocionais. À medida que a linha entre a expressão apaixonada e o ataque pessoal se torna tênue, a tendência de transformar o espaço online em um tribunal de opiniões ganha força.

Essa dinâmica desencadeou um cenário em que a sociedade assumiu um papel dual: o de polícia e o de juiz de veredictos. Cancelamentos públicos e condenações virtuais tornaram-se rotineiros, muitas vezes baseados em informações superficiais e às vezes imprecisas. A busca por justiça social e o desejo de retificar erros muitas vezes levam a ações impulsivas e desproporcionais. A noção de uma verdade complexa e multifacetada frequentemente cede espaço a um preto e branco simplificado, onde a compreensão das nuances é deixada de lado. A lacração é uma face da moeda, mas a outra é a propensão das pessoas a comentarem sem causa, sem conhecimento e sem um mínimo de cultura. As redes sociais abriram uma arena em que todos podem ser ouvidos, mas essa oportunidade também trouxe consigo responsabilidades.

Comentários feitos de forma impulsiva ou baseados em preconceitos podem perpetuar desinformação e difundir discursos de ódio. A sociedade de hoje caracteriza-se por uma rica diversidade de perspectivas. No entanto, a busca pela verdade e pela justiça exige um esforço consciente para se afastar da lacração e da ignorância dos comentários. Promover um diálogo construtivo e informado requer ouvir, questionar e pesquisar antes de tirar conclusões precipitadas. Já dizia um ótimo chefe que tive: “a verdade certamente poderá ser encontrada entre a minha e a sua”.

À medida que nos movemos em direção a um futuro cada vez mais interconectado, é imperativo que a sociedade abrace a responsabilidade de construir um ambiente de discussão que valorize a troca de ideias significativas. Somente ao fazer isso podemos evitar os perigos nos quais estamos submersos e trabalhar em direção a um entendimento mais profundo e uma coexistência mais harmoniosa, porque cá entre nós: lacradores e comentaristas de assuntos aleatórios, além de disseminar a discórdia, cansam pra chuchu.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luis Alcubierre

Luis Alcubierre é executivo de Comunicação Corporativa, Relações Institucionais e Governamentais há mais de 25 anos e hoje atua como conselheiro para a América Latina da Atrevia, agência espanhola de PR e Corporate Affairs, além de liderar o escritório Advisor Comm. É também palestrante, mediador e mentor. Formado em Comunicação Social pela FIAM, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e MBA pela FIA-USP, com diversos cursos de gestão de liderança e negociação realizados em instituições como IESE, Berlin School of Creative Leadership, Columbia Business School, Universidad Adolfo Ibañez, Escuela Europea de Coaching, Fundação Dom Cabral, IBMEC e FGV. Foi diretor de Comunicação e Assuntos Corporativos de empresas como Kellogg, Pernambucanas e Samsung, onde teve responsabilidades adicionais pela Comunicação na América Latina. No Grupo Telefônica, assumiu a Direção Global de Marca e Comunicação da Atento em Madrid, na Espanha, sendo responsável pela gestão da área em 17 países. Passou ainda por Dow Química, TNT (adquirida posteriormente pela Fedex) e Rede (antiga Redecard), tendo iniciado sua carreira no rádio, nos sistemas Jornal do Brasil e Grupo Estado. Também foi membro do Conselho de associações ligadas às indústrias de alimentos, varejo, vestuário e mercado financeiro, onde teve importante papel negociador em distintas esferas de governo.

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