30 de setembro de 2022

Insights da conferência anual da Page Society, a maior organização de comunicação corporativa dos Estados Unidos

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*Publicado originalmente no LinkedIn em 21 de setembro de 2022

Nos três últimos dias (18, 19 e 20 de setembro) estive presente na conferência anual da Page Society, em Chicago, nos Estados Unidos. O evento é fechado – exclusivo para seus membros – e pela primeira vez participei como integrante efetivo da organização. Dos eventos que a Page Society realiza, este é certamente o mais importante, o segundo sendo o Spring Seminar, que acontece em Nova York.

A Page Society, como se sabe, é uma das maiores associações de comunicadores do mundo, sendo a mais importante dos Estados Unidos. Ela reúne os CCOs, os chefes de comunicação empresarial, de algumas das maiores corporações globais. É, de fato, um clube bem fechado: existe, por exemplo, um faturamento mínimo que a empresa precisa ter para que seu CCO pleiteie uma vaga. Atualmente, a Page é composta de cerca de mil associados, dos quais aproximadamente trezentos ainda estão galgando a posição de CCO e, por isso, participam da Page Up, enquanto os demais setecentos compõem efetivamente a Sociedade.

A Page se caracterizou, no passado, por ser uma entidade bastante restrita aos norteamericanos. Agora, porém, acompanhando as tendências dos negócios, ela está se internacionalizando. Dos seus setecentos membros efetivos, cerca de 80% são norteamericanos e os outros 20% já são de outras regiões do mundo.

Eu, por exemplo, sou um dos cinco membros latinoamericanos – isto é, sou Country Chair da Page Society na América Latina, atuando a partir do Brasil. Também são membros o Paulo Nassar, que é presidente da Aberje e participa como o único membro acadêmico da América do Sul, David Grinberg, do McDonalds, e Nelson Silveira, da GM (ambos associados da Aberje), além de Adriano Stringhini, ex-diretor corporativo da Sabesp e atualmente membro do Conselho da Companhia Docas São Sebastião e da EMAE. Temos, inclusive, a missão de expandir a comunidade Page na região e, evidentemente, trazer novos integrantes para ela.

A meu ver, o que mais caracterizou a conferência deste ano foi um esforço intenso de promover a interação entre os participantes – eram cerca de duzentos presenciais e cinquenta online. A participação no coletivo precisava ser enérgica. O exemplo que talvez melhor expresse esse contato foi o painel chamado Dialogue Project, desenvolvido em cooperação com a Duke University. O painel consiste em um exercício de simulação no qual os participantes atuam como funcionários de uma empresa diante de uma crise. Cabe notar que, nessa simulação, o CCO é apenas uma das personagens em ação – deve haver representantes de todos os setores empresariais e de todo o C-Level (CEOs, CFOs, CMOs, Recursos Humanos, Relações Governamentais…), e mesmo alguns representantes estatais. Esse ano, o Dialogue Project apresentou a situação de uma empresa multinacional enfrentando uma crise que envolvia dilemas ligados à saúde pública e à continuidade do negócio na emergência de uma nova pandemia. Sabemos que, em boa parte, o surto intenso da Covid-19 já é tomado como superado, mas os grandes empresários reconhecem que novas pandemias podem surgir e ninguém quer ser pego de surpresa – existe um grande esforço de preparação para essa eventualidade.

Um efeito não só dessa interação intensa entre os membros da conferência, como também da própria formação da Page Society, é a promoção do networking entre pares. Espera-se que os CCOs aprendam uns com os outros. E não só, pois esta conferência, especificamente, também acentuou a necessidade de um complemento a esse networking peer-to-peer: o contato próximo dos CCOs com os outros profissionais corporativos – isto é, a importância da conexão entre o chefe de comunicações e outras áreas da empresa.

Uma das indicações mais importantes que resultou desse contato, nesta ocasião, foi a necessidade de se considerar questões geopolíticas na hora de fazer o planejamento estratégico da corporação. O destaque dado ali, claro, foi para questões envolvendo a crise econômica e a crise da guerra na Ucrânia, as quais acometeram muitas marcas que tiveram que sair da região, sofrendo perturbações em sua reputação. O assunto foi abordado por Ivo Daalder, do Chicago Council of Global Affairs. Destacou-se a importância de o CCO estar bem informado acerca de questões geopolíticas para poder trabalhá-las junto ao C-Level da corporação. A tomada de ação e responsabilidade por parte das corporações exige um engajamento ativo do seu setor de comunicação.

O que leva a outra indicação fundamental da conferência, confirmando o que há algum tempo já venho asseverando em meus textos e apresentações: a estratégia do silêncio não é boa para nenhuma organização, esteja ela gerindo uma crise ou não. Existe certo consenso em compreender que se abster das questões e problemas é sempre a pior das opções para uma empresa. Como se costuma dizer nas salas de gestão de crise (“war room”), quando a empresa não se pronuncia, alguém acaba falando por ela.

Essa ideia foi ainda reforçada por Randall S. Kroszner, da The University of Chicago Booth School of Business, em entrevista a Shona Sabnis, da Tyson Foods: o professor mostrou que existe certo consenso de que as empresas vão precisar cada vez mais assumir a coragem de se pronunciar sobre assuntos difíceis, engajando-se em questões delicadas – o que exige sempre um esforço enorme dos CCOs e comunicadores em geral. Como foi ainda reforçado pela revisão geral da conferência, levada a cabo em um painel com a participação de Damon Jones (Procter & Gamble), Michael Gonda (McDonalds) e Maril MacDonald (Gagen MacDonald), moderados por Jon Berghoff (XCHANGE Approach), o conjunto de temas reunido nesse encontro da Page Society – crise econômica, pandemias, guerra, conflitos geopolíticos, crise ambiental, agravamento da fome – já é um indicativo da dimensão e complexidade das questões a respeito das quais as empresas precisam se informar e as quais enfrentar proativamente.

Considero que um ponto alto da conferência foi a palestra de Christine Duffy, presidente da Carnival Cruise Line. O setor de turismo foi um dos mais afetados pela pandemia, mas Duffy nos deu o exemplo da importância que o humor pode ter no momento de gerir uma crise. Há uma sensação mais ou menos unânime de que o mundo anda bastante tenso, o que nos afeta pessoalmente, enquanto o estresse atrapalha as relações e o raciocínio. Porém, como liderança, ser capaz de trazer leveza e bom humor para as mesas de negociação é um diferencial importante – com efeitos benéficos e sensíveis para as relações corporativas.

Duffy também abordou com profundidade a questão do ESG. Esse é um assunto que normalmente é tratado como uma exigência da sociedade em relação às empresas. Mas ela destacou o exemplo da Carnival Cruise Line, que tem excelência em cuidados com ESG sem, no entanto, considerar que tais providências estejam entre os cinco fatores que mais atraem seu público. Isso acusa o descompasso que existe entre as exigências do público enquanto sociedade civil e enquanto grupo consumidor, bem como a diferença entre responsabilidade empresarial e interesse comercial – divergências importantes de serem incluídas no debate sobre ESG.

Ontem (20/09), a conferência terminou com um painel sobre relações com a imprensa. Abordou-se a importância da comunicação focada nas mídias locais, ainda que não se queira perder de vista as mídias mais amplas, globais. Construir um bom relacionamento do comunicador com as mídias foi considerado um trabalho de longuíssimo prazo – anos, às vezes até mesmo décadas de dedicação. Um painel com três jornalistas – Annie Gasparro, do The Wall Street Journal; Jim Kirk, do Crain’s Chicago; e Bob Sirott, da WGN Radio; entrevistados por Jon Harris, da Conangra Brands – quis deixar bem claro a todos os presentes: a melhor hora para estabelecer uma boa relação com a imprensa não é durante uma crise. Assim como nas amizades, não é apenas quando se precisa que se deve estar presente; a relação saudável depende de confiança e isso só se constrói com o tempo. Depende, portanto, de uma aplicação constante do CCO, exercida sempre, claro, de forma ética, coerente e a mais transparente possível.

Muito mais foi dito e muito mais aconteceu do que seria possível relatar aqui. A questão da coerência ética, por exemplo, junto às dificuldades em comunicar decisões delicadas, foi abordada por uma mesa composta por Anna Maria de Salva, da Hill+Knowlton Strategies, Josep Catlla, da Sanofi, e Franz Paache, da Paypal, com moderação de Seema Kathuria, da Russell Reynolds Associates. A questão da responsabilidade social do setor econômico, para além do ESG, foi abordada também por Russell Dyer, da Mondelēz International, e por Vince Macciocchi, da ADM (sob mediação de Perry Yeatman, da Save the Children), que trataram do problema da fome: hoje, uma pessoa morre de fome no mundo a cada dois segundos, e a tendência desse quadro é se agravar com as próximas dificuldades ambientais, pandêmicas e de conflitos geopolíticos por vir. As empresas, como destacado anteriormente, vão precisar tomar partido e agir diante das dificuldades, tanto por responsabilidade social quanto simplesmente para poderem elas mesmas prosperarem nesse cenário. E muitos insights e informações foram elaborados sobre a importância do storytelling, instrumento crucial para que o comunicador trabalhe, na prática, os temas, situações e problemas de que estamos falando. Dr. Thomas Caulfield, por exemplo, CEO da Global Foundries, destacou a diferença entre o storytelling e a simples comunicação de ideias e posicionamentos. Foram homenageados ainda Madan Bahal, co-fundador e diretor da maior firma de relações públicas da Índia, a Adfactors PR, e Shelley Spector, fundadora do Museu de Relações Públicas, que está situado em Nova York (você pode conhecer mais sobre ele no site: https://www.prmuseum.org/) – dentre ainda outros encontros e discussões.

Por fim, houve um belo jantar de gala no Museu de Ciência e Indústria de Chicago – ambiente propício para nos lembrar de como as leis da natureza são usadas para o desenvolvimento da indústria humana: perspectiva simbolicamente profunda do sentido do trabalho empreendedor.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Hamilton dos Santos

Jornalista, mestre e doutor em Filosofia, ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Também é formado em Administração de Empresas pela Stanford Global Business School. Tem experiência em diversas redações dos principais veículos de comunicação do Brasil e como diretor de Recursos Humanos da Editora Abril, onde trabalhou por 20 anos. Atualmente é diretor executivo da Aberje – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, representa a instituição na Global Alliance For Public Relations and Communication Management e é membro da Page Society, do Conselho da Poiésis e um dos líderes do movimento “Tem Mais Gente Lendo”.

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