Envelhecimento deve ser pauta da Comunicação
Entrevista com a antropóloga Mirian Goldenberg denuncia “velhofobia” no país, mas aponta para crescente interesse das empresas sobre a questão
Em junho, não faltaram ações online que marcaram o mês do Orgulho LGBTQI+ entre funcionários das empresas. O que é muito louvável. As corporações estão cada vez mais atentas à questão da diversidade. Além de ser uma demanda da sociedade, pesquisas mostram que um universo diversificado traz também vantagens financeiras. Segundo dados da McKinsey & Company e da Forbes, companhias com maior diversidade têm 33% de probabilidade de obterem mais lucros e 85% das empresas globais acreditam que a diversidade promove inovação no trabalho. Mas onde entram os “velhos” nas organizações?
O tema envelhecimento tem ganhado espaço nas discussões sociais, alavancado principalmente pela pandemia da covid-19, que colocou essa faixa etária como a mais vulnerável aos riscos da doença. Com isso, o preconceito contra os mais velhos aumentou, conforme vem denunciando em entrevistas, artigos e webinars a antropóloga Mirian Goldenberg, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É o que ela está chamando de “velhofobia”. “Uso essa expressão por ser fácil de compreender o conceito dessa problemática no país, que infelizmente ficou mais explícita, perversa e cruel”, constata a especialista.
Recente artigo publicado no Financial Times aponta para um possível agravamento do preconceito contra os mais velhos no trabalho como resquício da pandemia. Porém, em meio a um mercado de trabalho em crise, tornando-o ainda mais restrito a profissionais seniores, Mirian Goldenberg conta que tem sido muito procurada para falar sobre envelhecimento nas empresas. “Elas desejam entender esse universo e poder contribuir”, conta a autora de “A Bela Velhice”, “Velho é Lindo”, “Corpo, Envelhecimento e Felicidade” e “Coroas”.
Para a pesquisadora, a velhofobia está em todos nós, jovens, velhos e até entre aqueles que não se dizem preconceituosos: “Nos mais jovens diria que está mais presente, pois eles não se reconhecem como os velhos que serão amanhã”. Levar essa questão para dentro das empresas deve ser um dos grandes movimentos de diversidade daqui em diante. Razão pela qual Mirian concedeu esta entrevista à coluna da Aberje. Confira a seguir.
Nestes tempos de pandemia, você tem falado que a “velhofobia” no país está mais “explícita, perversa e cruel”. Por quê?
Estamos deixando rapidamente para trás a característica de sermos um país “jovem”, à medida que a faixa etária da população mais velha é a que mais cresce, e as mulheres têm menos filhos. Estima-se que em pouco mais de uma década, o Brasil será formado por mais velhos do que crianças e jovens. E neste cenário de covid-19, no qual as pessoas mais velhas estão mais vulneráveis aos riscos, acirrou-se o discurso velhofóbico de que os idosos são inúteis e um peso social. O que não é verdade: na minha pesquisa sobre envelhecimento e felicidade no Brasil, que realizo há mais de 20 anos, muitos deles cuidam e ajudam financeiramente os filhos adultos e até os netos. Portanto, a velhofobia vai além do preconceito, do medo de envelhecer, da violência, mas também do fato de não reconhecer que os velhos mudaram muito. Porém, a evolução de valores é um processo lento e não acontece na mesma rapidez dessa transformação populacional.
Assim como as mudanças de valores culturais, o mercado de trabalho também vai demorar para valorizar profissionais mais velhos?
A questão da desigualdade das mulheres, por exemplo, é grave desde o século passado, por isso é mais visível. Já a questão geracional é nova para o brasileiro, e consequentemente para as corporações, pois não se imaginava um envelhecimento tão rápido da nossa sociedade. Nem mesmo os velhos absorveram profundamente a própria transformação na sociedade e que não são mais os mesmos do século passado. Por outro lado, como essas pessoas permanecem ativas, produtivas e criativas, acompanho inúmeras iniciativas, inclusive de mulheres, que criam cada vez mais espaços no mercado de trabalho abrindo seus próprios negócios.
Como você avalia a “velhofobia” nas corporações?
Tenho sido convidada para falar desse tema em empresas, além de prestar consultoria e fazer pesquisas em corporações nacionais e internacionais, que querem compreender melhor essa realidade para contribuírem de alguma forma. Mas, os graves problemas econômicos, políticos e sociais são tão mais profundos, que falar da incorporação dos velhos no mercado de trabalho tem se mostrado ainda mais difícil em um momento em que o índice de desemprego em todas as faixas etárias vem aumentando. Portanto, em uma sociedade como a nossa, com tantas mazelas a serem resolvidas, a questão dos mais velhos é mais uma dentro dessa triste realidade brasileira.
Além do preconceito, qual outro desafio do envelhecimento?
Desde que publiquei meu primeiro livro sobre envelhecimento, “Coroas”, há mais de 10 anos, tenho sido muito chamada para falar desse tema. Contudo, a procura explodiu por causa da reforma da previdência. Agora, com a pandemia, ficou ainda mais evidente a necessidade de compreender esse universo, que é enormemente diversificado. E esse é o desafio: compreender como atuar em uma realidade de envelhecimento do Brasil muito complexa. O que é prioritário? O que cada um de nós e as corporações devem ficar atentas? Trata-se, portanto, de um assunto urgente e delicado.
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