Ensinamentos de Michael Jordan, em “The Last Dance”.
Na década de 90, quando Michael Jordan brilhava nas quadras da NBA pelo Chicago Bulls, reinava na imprensa esportiva e no mundo do marketing, meu olhar e meus interesses estavam em outros lugares. Lembro apenas do termo “Dream Team” para se referir ao time dos EUA nas Olimpíadas e de assistir ao filme “Space Jam”, estrelado por ele e toda a turma do Looney Tunes.
Nos anos 2000, me encantei pelo universo do basquete graças ao meu marido, numa época em que reinava Kobe Bryant do Los Angeles Lakers e em que LeBron James era alçado ao posto de novo astro da NBA. Enquanto me maravilhava com jogadas dos dois, ouvia sempre “mas não há ninguém como Jordan”, frase dita não só pelo meu marido, como por amigos dele e por todos os comentaristas de basquete.
Só fui entender a magnitude do Jordan 24 anos depois do filme “Space Jam”, ao assistir à série documental “The Last Dance”, que estreou em abril de 2020, três meses depois da morte de Kobe Bryant e durante a pandemia, quando os jogos da NBA foram paralisados.
A série, que estreou como um afago aos fãs de basquete nesse momento do ano tão difícil, tem inúmeras lições sobre comunicação. Sei que é quase um lugar comum se valer de ícones do esporte para nos ensinar algo sobre a vida, mas os paralelos da série “The Last Dance” extrapolam o ambiente das quadras e podem nos ajudar a refletir sobre esse mundo ultraconectado.
Rei das quadras e das propagandas
Segundo Sonny Vacaro, executivo da Nike, foi Michael Jordan quem abriu todos os dólares de marketing do mundo para os futuros atletas: dos tênis Air Jordan que, depois de 35 anos do lançamento do primeiro modelo, ainda permanecem entre os 10 calçados esportivos mais vendidos no mundo, ao jingle “Be like Mike” de Gatorade, uma das propagandas mais emblemáticas da história. Se hoje assumimos como um dado da natureza que atletas são astros das propagandas e embaixadores de marcas, isso se deve muito a Michael. O curioso é que, mesmo com uma super exposição na época em que atuava nas quadras, ele foi extremamente criterioso para fechar contratos e manteve seus patrocinadores por mais de 30 anos. Em tempos de “posts publi” nas redes sociais e inúmeros influenciadores de uma mesma marca, vale a reflexão de quem é a “cara” da marca e por quanto tempo. Em um mundo de impermanência, dá até um sentimento de nostalgia essa permanência de Jordan…
Preço da ultraexposição
A cobertura intensiva e massiva da vida de Michael Jordan e a comoção que ele causava nos fãs a cada aparição (e eram muitas, a cada novo jogo, a cada nova coletiva de imprensa) talvez justifiquem a atual postura do ex-jogador de conceder raras entrevistas e aparecer menos, se comparado a outros ex-jogadores de sua época. Nos tempos áureos, tudo que envolvia Jordan era notícia, algo retratado na série em tom de humanização, não de simples louvor. Temas delicados como sua prática de apostas, a teoria de que suas dívidas de jogo teriam relação com o assassinato de seu pai, em 1993, e sua postura quase obsessiva por ganhar são mostrados e comentados pelo próprio Jordan. E aqui pontuo duas complexas questões, para as quais não há respostas.
Primeiro: a mesma mídia que te alça a herói, te aponta como anti-herói; os mesmos seguidores que curtem hoje, são os que te cancelam amanhã. Como lidar com essa volatilidade, seja “você” uma personalidade ou uma marca? Como administrar o que e o quanto expor em um mundo em que os limites da vida particular e pública quase não existem mais?
Segundo: como é lidar com os altos e baixos da vida com uma cobrança incessante por se manter no topo? Como administrar o sumiço dos holofotes depois de sair do papel de protagonista ou, como se diz no mundo do esporte, pendurar as chuteiras (no caso de Michael, os Air Jordan)?
Reputação como uma construção
Estatísticas dentro e fora das quadras comprovam a magnitude de Michael Jordan. Mas a vida não é feita só de números. A mentalidade vencedora de Jordan era expressada em palavras, atitudes, broncas em colegas, rixas com adversários, que criaram inimizades. No sétimo episódio da série, o jogador declara que “Vencer tem um preço. E liderança tem um preço. Eu puxei pessoas quando elas não queriam ser puxadas, eu desafiei pessoas quando elas não queriam ser desafiadas. Podem falar: ‘Ele não era um cara legal, talvez fosse um tirano’. Bom, isso é o que diz você. Porque você nunca ganhou nada”. Pode parecer uma declaração dura, lendo fora de contexto, mas extremamente relevante para pensar sobre o papel do líder em tempos tão complexos. Por isso, te convido a assistir a série e a refletir sobre como comunicação e realizações caminham juntas, como a reputação é resultado de uma construção contínua, fruto de inúmeras pequenas ações e da seleção dessas ações na construção da narrativa, seja sobre uma personalidade do esporte como Jordan, ou de uma marca, de uma empresa.
Aliás, a série em si é uma construção. Como escrevi no início do texto, eu não entendia a grandiosidade do jogador, até vê-lo falar abertamente sobre temas espinhosos, se emocionar, atuar nos bastidores dos jogos e na quadra, na sequência de 10 episódios de “The Last Dance” e ler diversos textos sobre ele depois que terminei a série.
E esse é o grande aprendizado que te convido nesses textos que publico por aqui: ao assistir séries, filmes, documentários, abra-se para esse mundo retratado na tela, reflita sobre ele, busque mais informações, elabore argumentos, trace os paralelos para sua vida. Uma forma lúdica e útil de desenvolver senso crítico e capacidade interpretativa.
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