COlabora #1 – De volta às origens: comunicar e colaborar
Publicado originalmente no LinkedIn em 16 de março de 2021
* escrito com Andrea Iorio, escritor e palestrante sobre transformação digital, professor de MBA na Fundação Dom Cabral e criador do podcast Metanoia Lab
A comunicação está na base das transformações cada vez mais aceleradas dos tempos que vivemos. A evolução tecnológica revolucionou as formas de nos comunicarmos, a velocidade na disseminação das informações vem aumentando de maneira exponencial e o resultado se reflete não apenas nos modos de produção e aprendizado, mas, também, na essência do que é ser humano – como nos relacionamos, o que nos inspira, com o que sonhamos, o que buscamos. Com tal intensidade somos transformados por esta realidade que se descortina em tantas possibilidades que já começamos a nos deparar com alguns dilemas éticos envolvendo escolhas que precisaremos enfrentar num tempo não muito distante do agora. Escolhas que poderão nos aproximar, nos afastar ou mudar por completo aquilo que, hoje, entendemos como humano.
Uma das mais bem-vindas consequências deste cenário talvez seja ter trazido de volta para o centro de nossa arena a colaboração, reaproximando-nos de nossas origens, marcadas tão fortemente pela interdependência. Deter o conhecimento, antes signo de poder e importância, não faz mais tanto sentido. O foco agora é compartilhá-lo. Modelos de negócios assentam-se na construção colaborativa e boa parte das mais bem-sucedidas empresas da atualidade entenderam antes das demais que o compartilhamento é o grande valor do momento.
Pesquisas demonstram que a colaboração gera valor para a empresa. Em um estudo de 2015 do Google, mais da metade (56%) dos executivos entrevistados classificou medidas relacionadas à colaboração como o fator número 1 de impacto na lucratividade geral da organização. Outra pesquisa da Nielsen mostra que ideias desenvolvidas por equipes de três ou mais pessoas têm um apelo 156% maior junto aos consumidores do que aquelas desenvolvidas por equipes nas quais apenas uma ou duas pessoas exerceram um papel prático: fica claro que colaboração leva a um maior sucesso no processo de inovação. Ao mesmo tempo, uma pesquisa acadêmica da Universidade de Stanford mostrou que o trabalho colaborativo alimenta a motivação dos times, que têm maior engajamento, menor estresse e maiores taxas de sucesso em comparação com os que trabalham de forma isolada.
Mesmo que a colaboração em larga escala tenha sido o fator mais importante para nossa evolução como espécie no passado, como argumenta o historiador Yuval Harari, hoje é mais importante que nunca, em um mundo digital que está hiperconectado, onde o digital permite à informação fluir, e onde, seja o processo de ideação, seja o de implementação de projetos inovadores nas empresas, se beneficiam pela colaboração rápida e transparente.
Mas colaborar não é simples. Para que exista colaboração, precisam existir pressupostos que permitem que ela aconteça, e o mais importante deles é a comunicação.
Não há colaboração sem comunicação. Construir junto requer compartilhamento de propósitos, e o assentamento desta base comum tem início na comunicação. Antes de angariar parceiros para um projeto, uma causa, uma atividade ou empresa, o primeiro passo é construir e compartilhar a narrativa que dá sentido à missão. Por isso a fundamental importância dos porquês no sucesso das empresas, destacada por Simon Sinek em seu livro “Start with Why”. Na essência da comunicação, por outro lado, está a colaboração. Afinal, não há comunicação entre dois seres, cada qual um infinito universo particular, se não houver um profundo senso de colaboração, desde o estabelecimento de uma linguagem comum na qual possam trocar informações, até o esforço para compreender e se fazer compreendido. Colaboração e comunicação andam sempre juntas.
Embora na base de nossa própria evolução como seres humanos, a colaboração veio sendo preterida ao longo de séculos de uma cultura que estabeleceu a competição como caminho para o sucesso, moldando não apenas as relações profissionais, como também o sistema educacional, determinando o modo como fomos criados e criamos as novas gerações. Um cenário onde o importante era ter as melhores notas, chegar em primeiro lugar, ter todas as respostas e não demonstrar dúvidas, vistas como sinal de fraqueza e vulnerabilidade – cenário ideal para um roteiro em que o outro é sinônimo de ameaça, e não de necessária complementaridade.
Habituados a repetir esse script, revestimo-lo do material invisível de que são recobertas nossas certezas incontestáveis, aquelas que nem sabemos mais de onde vêm, mas não questionamos, de tão naturais se apresentam. Os tempos, no entanto, são outros, e exigem atitudes renovadas. Questionar as aparentes certezas é atitude de sobrevivência. No recém-lançado “Think Again”, o psicólogo organizacional Adam Grant estuda a importância de questionar as próprias certezas como caminho para o aprendizado e o crescimento, lição que se torna ainda mais essencial num mundo em constante transformação, no qual, mais do que aprender, precisamos reaprender de maneira contínua. O primeiro capítulo é aberto com uma citação do dramaturgo irlandês George Bernard Shaw que dá o tom da obra inteira: “O progresso é impossível sem mudança. E aqueles que não conseguem mudar suas mentes, não conseguem mudar nada”.
Num mundo que não cessa de mudar, ou mudamos junto ou perdemos o bonde da história. E essa mudança está duplamente associada à colaboração. De um lado, porque se trata de reaprendermos a atuar colaborativamente, deixando para trás séculos de condicionamento no sentido oposto. E, de outro, está o que Grant aborda em sua obra: abandonar as próprias certezas é abrir-se ao outro, reconhecer o diferente como potência criadora – ouvir, questionar, entender, repensar e, em última instância, evoluir. Colaborar para progredir.
Essa habilidade de desafiar as próprias crenças constantemente através de uma confrontação colaborativa é certamente uma das principais habilidades do líder do futuro. O paradoxo é que ainda acreditamos que seja exatamente o oposto: quanto mais conhecimento, melhor o líder vai ser. Atenção: conhecimento é importante, mas quando é compartilhado, pois se acreditarmos que o conhecimento que temos acumulado em nós mesmos seja uma vantagem competitiva, é só olhar para as máquinas e a Inteligência Artificial, que já tem armazenadas muito mais informações do que nós. O que vira nossa vantagem competitiva é, por meio de um processo colaborativo, desafiar constantemente nossas crenças, nossos preconceitos, nossas camadas de educação, e sempre perguntarmos: “Minha visão do mundo está mudando na rapidez em que o mundo está mudando? Em que a tecnologia está mudando? Em que o meu cliente está mudando?”. Porque se a resposta for não, precisamos acelerar essa transformação ainda mais.
Mas como líderes temos um duplo papel: além de desafiar nosso próprio conhecimento, precisamos fazer com que os colaboradores de nossa organização, e os membros de nossos times, façam o mesmo através da colaboração e a confrontação de ideias. Isso é válido ainda mais após a crise do Covid-19, quando percebemos que a colaboração é mais importante que nunca para reagir com rapidez a esse cenário imprevisível: uma pesquisa de 2020 da consultoria McKinsey, chamada “Meet your new Leaders”, ou seja “Conheça seus novos líderes”, demonstra que, entre os traços dos líderes mais bem-sucedidos ao responder à crise, estava o de “promover um ambiente aberto e transparente”, ou seja, um ambiente onde a comunicação clara e rápida fomenta a colaboração entre as áreas.
Estabelecer conexões fortes e valorosas é a grande habilidade que se requer de nós na atualidade. De volta às nossas origens, onde dependíamos fundamentalmente dos laços com a comunidade, estamos novamente numa era de interdependência, ainda que hoje ela se manifeste de modos distintos, muito mais intangíveis. Conexões fortes e valorosas se constroem no compartilhamento – de informações, de ideias, de propósitos. Por isso o papel da Comunicação é de tal modo reforçado neste cenário. Em suas práticas, o fortalecimento da colaboração veio no próprio cerne das transformações tecnológicas, alterando fundamentalmente o papel dos comunicadores e suas formas de atuação. A lógica do “furo”, da exclusividade, já não tem mais espaço em um mundo completamente interconectado, onde a informação viaja em velocidade estonteante. Em seu lugar, entra o desafio de compartilhar valor que seja reconhecido pelo outro, que desperte desejo, interesse, conexão. Se antes o poder estava no controle, agora está na capacidade de gerar engajamento.
A mudança de paradigma traduz, também, o desafio de empresas, instituições, do sistema educacional e de cada ser humano em sua busca de se fazer relevante num mundo novo e ainda desconhecido em todas as suas possibilidades. Nas organizações, a Comunicação pode e deve ser uma catalisadora dessa nova forma de pensar e agir, carregando a bandeira da colaboração não apenas no discurso, mas, sobretudo, na prática. Seja pela conscientização dos múltiplos atores envolvidos no dia a dia das instituições, seja pela construção de espaços de escuta entre colaboradores e líderes, seja pela valorização da diversidade como fonte de conhecimento e riqueza, fomentar a colaboração é base da sua própria sobrevivência como elemento estratégico nas organizações.
No mesmo “Think Again”, Adam Grant diz que “se conhecimento é poder, saber o que você não sabe é sabedoria”. Saber o que não sabemos é o primeiro passo para abrirmo-nos ao outro, buscarmos o entendimento daquilo que nos falta, estabelecermos conexões em prol de resultados que não seríamos capazes de alcançar sozinhos. Desnudar-se das próprias certezas, confrontar-se com o diferente, repensar, trilhar novos caminhos, evoluir. A evolução tecnológica e as mudanças que ela não para de provocar em nossos modos de vida nos mostram o valor e a necessidade da colaboração. Cabe-nos estar atentos àquilo que não sabemos. Comunicarmo-nos. Colaborarmos. Uma boa parceria é o início de tudo. Até mesmo da própria vida.
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