18 de julho de 2006

De volta aos idos da Inquisição?

A comunicação empresarial brasileira emprega aproximadamente 200 mil profissionais, que trabalham nas corporações, instituições e agências de comunicação. Segundo o Instituto de Pesquisas da Aberje, em 2002 e 2005, os trabalhadores da comunicação empresarial têm um perfil profissional mestiço, isto é, são produto da saudável mistura de relações-públicas, jornalistas, publicitários, administradores, economistas, historiadores, psicólogos, fonoaudiólogos, entre outros.

Esta democrática área de trabalho, inclusiva e moderna, foi construída nos últimos quarenta anos principalmente pelo protagonismo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), representada por seus associados e por dirigentes que souberam entender e estimular a mestiçagem como uma riqueza, essencial dentro de um cotidiano profissional que enfrenta e tem que resolver questões complexas advindas daquilo que autores como Anthony Giddens denominam ‘sociedade de riscos’. Ou também com suas raízes nos imperativos da legitimidade das organizações diante de seus públicos – como acionistas, trabalhadores, comunidades, consumidores, autoridades, imprensa, organizações não-governamentais, entre outros.

É notório para os gestores organizacionais que o pensamento funcionalista que trata as demandas de comunicação empresarial a partir de funções específicas (jornalismo, relações públicas e publicidade, como exemplos) faz com que as empresas e instituições sejam percebidas como verdadeiras torres de Babel, acéfalas de um pensamento muito além do comunicacional, rico em contribuições das ciências sociais aplicadas. Felizmente, é uma realidade que se impõe a cada dia, favorecendo a convergência de talentos, linguagens e experiências.

Lembre-se, como emblema da evidência em foco, das vitoriosas ações de comunicação e de relações públicas que empresas brasileiras como a Vale do Rio Doce, Petrobras, Natura, Gerdau, Odebrecht, Votorantim, Embraer e Aracruz estão promovendo em países da América do Norte, América do Sul, África, Europa e da Ásia. Ações que atualmente são referências internacionais de padrão superior no campo da comunicação e relacionamento intercultural. Tudo isso é produção de mestiços profissionais brasileiros, que evoluíram para os postos de comunicadores profissionais a partir de uma visão culta, a enfatizar a comunicação empresarial como uma nova e democrática profissão. Em outras palavras, aberta e avessa às exclusões corporativistas, que de maneira antidemocrática em vários momentos tentaram camuflar a camisa-de-força totalitária sob a miragem de uma suposta defesa do mercado de trabalho para alguns segmentos profissionais. Puro engodo, puro facismo corporativista.

Vasos comunicantes

A nova ameaça à liberdade de trabalho e de expressão na área de comunicação empresarial, nesse contexto onde contracenam tentações totalitárias e atitudes inquisitoriais contra a mestiçagem, é o projeto de lei apresentado pelo deputado Pastor Amarildo (PSC-TO) e aprovado pelo Senado enquanto a sociedade brasileira estava entretida com a Copa do Mundo e aterrorizada pela falta de segurança pública.

O projeto amplia a exigência de diploma superior de jornalismo para funções hoje exercidas livremente (e de maneira competente) em comunicação empresarial e legalmente em relações públicas. Como destacou com notável precisão o jornal O Estado de S.Paulo (11/7/2006), o projeto elimina a transmissão de informação especializada, atributo que caracteriza a maior parte dos conteúdos de comunicação das organizações com os seus públicos estratégicos.

O projeto, vale repetir, que transpira corporativismo e ranço inquisiorial, caso não seja vetado pelo presidente Lula deve provocar desemprego com a eliminação dos postos de trabalho de milhares de comunicadores mestiços. Eles que são os verdadeiros construtores da comunicação empresarial brasileira. Pior: soa como uma sentença de morte para aqueles que buscam os caminhos da criatividade e da integração, fazendo da soma, e não da exclusão, o caminho seguro para construir o diálogo, a valorização da cidadania, dos mercados e, sobretudo, da construtiva relação de vasos comunicantes entre a evolução da democracia, o progresso econômico e o fortalecimento das empresas.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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