13 de março de 2024

Comunicação e relacionamentos autênticos: pontes na era dos conflitos

Apesar de falarmos tanto em Inteligência Artificial, estamos em meio à discussão sobre a sensação de pertencimento, conexão, olho no olho e escuta ativa para gerar uma comunicação eficiente e verdadeira em qualquer esfera das nossas vidas. Esta reflexão está presente aqui no SXSW-2024. Nestes dias de evento, tive a oportunidade de absorver valiosas lições que conectam os mais diversos aspectos da construção de relacionamento nesta era de hiperconexão e de conflitos.

Ao explorar as nuances da comunicação autêntica, é impossível não reconhecer a inspiração proporcionada por figuras admiráveis, como William Ury, Esther Perel e Noar Travis. Ury, um dos maiores especialistas em negociação no mundo, fundador do Programa de Negociação de Harvard, desvenda os intricados passos necessários para navegar pelos conflitos, demonstrando que a empatia e a compreensão mútua são fundamentais nesse processo.

Esther Perel, psicoterapeuta, escritora best seller e apresentadora do PodCast “Where Should We Begin?”, juntamente com Noar Travis, ator, comediante, escritor e comentarista político, destacam o papel crucial do protagonismo no entendimento do contexto para criar narrativas significativas. Para eles, a comunicação autêntica exige uma compreensão profunda do ambiente em que estamos inseridos.

“Desejo momentos em que estejamos em off. Desejo existir daqui até aqui, em nenhum outro lugar apenas naquele momento. Acho que é assim que construímos a comunicação. É assim que construímos o entendimento. É assim que você constrói o contexto”, afirma Noar Travis.

Para Esther Perel, “escutar não é apenas o que acontece com quem escuta. Escutar é o que molda o que você quer dizer. É o que cria o porta-voz”.

No entanto, nem toda comunicação é simples e direta. Perel introduz o conceito de “perda ambígua”, inicialmente usado para pessoas com Alzheimer, mas que hoje pode ser usado quando as pessoas estão lado a lado sem interagir, cada uma imersa no seu universo hiperconectado, com seus smartphones em mãos. Isso ressoa não apenas em situações de perda física, mas também em interações cotidianas, onde a conexão emocional está ausente, apesar da proximidade física. “É a sensação de que você está com alguém que está ali, mas não está presente. (…) Muitas pessoas em suas interações vivenciam experiências realmente inúteis. Estou falando com vocês sobre algo super importante, como se fosse um tique-taque”, lamenta Esther.

A importância da escuta genuína, alimentada pela curiosidade, foi trazida por Noah. Ele nos lembra que escutar é um engajamento com o desconhecido, uma disposição para receber o que o outro tem a dizer sem preconceitos ou viés de confirmação. É estar completamente disponível para o que está sendo comunicado, permitindo que as histórias dos outros nos transformem e nos enriqueçam. Ter um viés de confirmação para obter evidências daquilo sobre o qual você já se decidiu, significa que você não está realmente ouvindo. Ouvir é um certo tipo de envolvimento com o desconhecido. É curiosidade. É estar completamente disponível para o que o outro coloca”, disse Noar.

Seguindo os passos delineados por Esther e Noar Travis, podemos desbravar o caminho da autenticidade nas relações:

  1. Contexto: Antes de tudo, é essencial compreender o contexto no qual nos encontramos. O entendimento do ambiente, das circunstâncias e das nuances é a base para uma comunicação verdadeira e eficaz.
  2. Escuta: A escuta vai além do simples ato de ouvir palavras. Envolve estar presente com todo o ser, ouvindo não apenas com os ouvidos, mas com os olhos, o sorriso e a postura corporal. A qualidade da escuta molda a profundidade e autenticidade da comunicação.
  3. Curiosidade pelo próximo: A curiosidade é o combustível da escuta genuína. Envolve engajar-se com o desconhecido, estar completamente disponível para receber o que o outro tem a dizer, sem preconceitos ou viés de confirmação.
  4. Gestão de expectativas: Reconhecer a importância das expectativas mútuas é crucial. Dar e receber de forma equilibrada, considerando o que estamos dispostos a oferecer e o que esperamos receber em troca, transforma a dinâmica da comunicação.
  5. Intencionalidade em dar e receber: Em cada interação, é fundamental considerar o que estamos dispostos a oferecer e a receber. A consciência dessa troca cria espaço para compreensão e conexão genuína

Já William Ury trouxe toda a sua bagagem em negociações difíceis e complexas para deixar claro que negociar, com base em uma comunicação verdadeira, é uma arte que exige empatia e compreensão mútuas. Ele evidenciou isso com suas experiências de negociações de alto nível entre líderes mundiais e empresários.

Segundo Ury, ao nos colocarmos no lugar do outro, podemos construir pontes para alcançar entendimentos significativos. Ele trouxe o exemplo de Donald Trump e Kim Jong-un, que apesar de suas diferenças ideológicas, foram capazes de reduzir o risco de guerra nuclear ao encontrarem um terreno comum e buscarem uma saída pacífica para suas disputas. Da mesma forma, brindou a plateia de brasileiros ao relembrar a atuação de Abílio Diniz, que, ao enfrentar uma batalha empresarial complexa, encontrou solução ao compreender as necessidades fundamentais de liberdade do outro lado, mostrando como a verdadeira negociação vai além das posições superficiais.

Ury ensina que se colocar no lugar do outro é uma técnica de negociação eficaz. Mesmo ‘perdendo’ é necessário passar a sensação de vitória ao seu público. “É o que chamo de discurso da vitória. O que você faz é escrever o discurso da vitória do outro lado. É um experimento mental, você imagina que eles aceitaram o que você quer que eles façam e que eles tenham que fazer um discurso para as pessoas de quem gostam: colegas de trabalho, família, conselho de administração, eleitores. Eles têm que explicar por que aceitaram a sua proposta e têm que explicar isso como uma vitória para eles”, disse.

Segundo Ury, o segredo da técnica do discurso de vitória está em começar com o fim em mente e depois trabalhar para trás. “Imaginar o resultado desejado pode nos guiar na jornada para encontrar soluções criativas e construtivas”, disse.

O certo é que neste mundo hiperconectado, complexo e em constantes conflitos de ordem global, a capacidade de ouvir, compreender o contexto e estabelecer relacionamentos autênticos emerge como um diferencial crucial para o sucesso em negociações. A empatia e a busca pelo entendimento mútuo abrem caminho para soluções inovadoras, transformando desafios em oportunidades de crescimento conjunto.

Ao praticarmos a arte da escuta genuína, abrimos portas para uma comunicação mais profunda e significativa, construindo pontes que enriquecem nossas narrativas reciprocamente. Essa abordagem, fundamentada na compreensão do contexto, na presença ao escutar, na curiosidade, na gestão de expectativas e na intencionalidade, configura-se como a chave para transformar a era dos conflitos em um período de construção de entendimento e conexão duradouros. Isso abre espaço para uma comunicação transformadora.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Patricia Marins

Sócia-diretora da Oficina Consultoria de Reputação e Gestão de Relacionamento. É especialista em public affairs, gerenciamento de crises de alta complexidade, programas de relações públicas e treinamentos. É sócia do Grupo In Press, co-fundadora do WOB (Women on Board) e autora do livro Muito além do media training, o porta-voz na era da hiperconexão.

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