COlabora #15 – A história que nos une
*Publicado originalmente no LinkedIn em 02 de junho de 2022
* escrito em parceria com Augusto Rodrigues, presidente do Centro da Memória da Eletricidade no Brasil
Na complexa teia de relações em torno da qual, atualmente, orbita a comunicação empresarial, uma condição essencial para o sucesso de nossos empreendimentos é a colocação das pessoas no centro de nossas ações, iniciativas e estratégias. O alinhamento de propósitos e a construção da identidade empresarial com base nos valores compartilhados, com os colaboradores e com os demais stakeholders, é a missão principal de uma área de Comunicação que se pretenda estratégica.
Esses aspectos estão evidenciados no Global PR & Communication Model 2021, da Global Alliance, confederação que reúne as principais instituições de Comunicação e Relações Públicas do mundo. Estruturado em cinco blocos, o modelo tem por objetivo capacitar os executivos de Comunicação a melhorarem o seu estilo de liderança e o seu processo de tomada de decisão, nas suas respectivas áreas de negócios, promovendo uma conexão real e autêntica com os stakeholders de sua organização.
Os cinco blocos desse modelo refletem uma construção alinhada, e reforçam a ideia de que a diferenciação, o engajamento e a legitimidade social, objetivos buscados pelas áreas de Comunicação de nossas empresas, são consequência de um longo e consistente trabalho, no qual o que chamamos comumente de Comunicação é apenas um elemento, entre outros objetivos, que devemos buscar insistentemente. Esse modelo, construído em alguns eventos internacionais, com a participação de centenas de profissionais do mundo inteiro, busca articular a criação e a gestão de uma marca forte com o desenvolvimento de uma Cultura Organizacional coesa, associando esses objetivos à Gestão da Reputação empresarial.
Assim, as pessoas, e as relações que elas estabelecem entre si, estão no centro de tudo, no coração dos programas de Comunicação. Disso resulta que, cada vez mais, é necessário conectar valores e trajetórias organizacionais a valores e trajetórias pessoais, mudando a forma como nós, dirigentes de Comunicação, temos lidado com as ideias de motivação e de engajamento dos profissionais. Já não basta ter fortes valores e fortes propósitos, se eles não se conectam com os anseios, com as necessidades e com as expectativas dos nossos diferentes públicos de relacionamento. Já não basta comunicar o que a empresa é, por melhor que ela seja. O que os stakeholders esperam é poder participar da construção dos valores da empresa. Eles querem conhecer os valores da organização. Eles querem gostar deles. E perceber que compartilham também desses valores. Isso vale ainda mais para os stakeholders internos.
Nesse sentido, as conexões entre a Comunicação e a Memória Organizacional tornam-se ainda mais importantes, e mais potentes. Já não é novidade que esses dois temas caminham juntos, compreendendo-se a Comunicação como um dos instrumentos da Memória Organizacional, e esta, como uma ferramenta para fortalecer a identidade e o senso de pertencimento dos públicos internos da organização.
Se olharmos essa realidade, no entanto, pelo prisma dos laços entre a história da empresa e as histórias pessoais dos públicos que com ela mantêm estreitos vínculos, as oportunidades de fortalecimento dessa frutífera relação se aprofundam exponencialmente. De um lado, temos vivenciado a bem-vinda valorização da diversidade, daquilo que cada um de nós traz de único – sua contribuição singular, a marca que uma pessoa quer deixar por onde passar. De outro, temos visto a importância do solo comum, aquele espaço que possibilita o encontro e a construção conjunta de uma realidade. O individual e o coletivo se alimentando, se fortalecendo e potencializando o cenário que está se desenvolvendo.
Isso é o que pode acontecer, também, com a relação entre a Comunicação Empresarial e a Memória Organizacional, quando parte de um trabalho estratégico, organizado em objetivos específicos de longo prazo. A Comunicação entendida não mais, apenas, como um instrumento de difusão da Memória da empresa, e esta, não apenas como uma ferramenta de Comunicação. Mas, antes disso, as duas como interfaces que, trabalhadas de modo integrado, podem estruturar a experiência coletiva, com muito mais eficiência e sucesso, baseando-se nos valores e nas memórias pessoais.
Essas referências às experiências pessoais dos profissionais fortalecerão o relacionamento entre as pessoas, intensificando, ainda mais, os seus vínculos com a organização. E isso sobretudo, neste mundo contemporâneo, quando as relações são cada vez mais fluidas e efêmeras, e as empresas enfrentam o desafio da reter os talentos de uma geração que precisa de muito mais do que o valor de sua remuneração ou de seus benefícios para construir uma carreira sólida dentro de uma organização.
No artigo ‘Memória e Comunicação Organizacional no Brasil – Interfaces’, de Lúcia Santa Cruz, publicado em 2014, a autora elenca cinco chaves conceituais, relacionando comunicação e memória, em nosso país:
1. Memória como estratégia de Comunicação – A memória como ingrediente da Comunicação, fortalecendo a disseminação dos valores empresariais e a imagem da organização;
2. Memória como cultura organizacional – A memória como instrumento de Gestão de Pessoas, fortalecendo a identidade empresarial, e o senso de pertencimento profissional;
3. Memória como gestão do conhecimento – Preservação, compartilhamento e transferência do capital intelectual das organizações;
4. Memória como trajetória institucional – Percurso histórico da organização;
5. Memória como saber coletivo – Conjunto de valores, crenças e símbolos de uma coletividade.
Ainda que a autora aponte a baixa incidência desses estudos, ressaltando o campo fértil para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre esse tema, o texto traz pistas importantes sobre as múltiplas interfaces e as suas possibilidades estratégicas, chamando a atenção, também, para o amplo espaço ainda a ser explorado dentro das organizações.
Esse entendimento é corroborado pela pesquisa ‘História e Memória Empresarial no Brasil’, realizada em 2020, numa parceria do Centro da Memória da Eletricidade (CME) com a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE), na qual apenas 18% das empresas respondentes afirmaram possuir um programa estruturado de memória empresarial, enquanto 29% desenvolvem ações eventuais nessa área, e 48% não têm qualquer iniciativa neste campo. Os 5% restantes afirmaram já ter desenvolvido programas, hoje desativados.
Seja por meio de ações pontuais, mas trabalhadas de modo estratégico, em conexão com as datas comemorativas e fortalecendo rituais coletivos, seja por meio de um programa consistente e contínuo, a interface entre Comunicação e Memória traz, para o cenário empresarial, a necessária conexão entre as trajetórias pessoais e a trajetória da organização, estruturando a experiência coletiva em torno de valores, emoções, sentimentos e ritos de passagem, que enchem de significado o tempo e o trabalho compartilhados.
Seremos, sempre, seres em relação e, onde quer que estejamos, sempre haverá uma história que nos une.
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