05 de abril de 2022

COlabora #13 – Admirável humano novo

Foto: Renata Paes

*Publicado originalmente no LinkedIn em 31 de março de 2022

Escrito em parceria com Daniel Spinelli, consultor e palestrante de Liderança e Saúde Emocional

Quanto mais o tempo passa, mais nos aproximamos de alguns cenários em que Aldous Huxley nos faz mergulhar em seu livro “Admirável Mundo Novo”. O mais incrível é ele ter escrito essa obra em 1932. Entre outras situações, no mundo que Huxley descreve, os humanos passam por um pré-condicionamento psicológico para atender a determinados padrões socialmente aceitáveis. Todo tipo de desvio ou questionamento a esse padrão é visto como problemático. Na realidade distópica criada pelo autor, tal padronização serve ao ideal de uma sociedade tecnológica, apoiada em um sistema de castas biologicamente definidas e na estabilidade advinda de identidades talhadas em laboratório para as funções sociais que cada indivíduo deveria exercer. Um universo no qual o ídolo é a ciência, a arte só é aceita com a função de solidificar o conformismo e a experiência do indivíduo perde todo o sentido diante da padronização corrente. Parece angustiante? Não para os adaptados habitantes dessa estranha sociedade, que tinham ao seu dispor uma droga que provocava felicidade, garantindo que nunca ficassem tristes.

Por que “Admirável Mundo Novo”? 

Com trajetórias e ambientes de atuação distintos, nós, coautores deste artigo, temos visões de mundo que vibram em sintonia. De um lado, um consultor com uma longa história, circulando por diversas organizações mundo afora. De outro, uma profissional de Comunicação com consistente carreira corporativa, hoje atuando em posição de liderança. Em comum, a crença na importância do autoconhecimento e da busca contínua por mais consciência e lucidez diante desse mundo, também admirável, em que vivemos hoje. Fruto dessa crença, um olhar cada vez mais atento às nossas práticas cotidianas, à forma como nos relacionamos, trabalhamos e nos comunicamos, ao modo como reagimos diante das evoluções tecnológicas e das mudanças cada vez mais profundas de nossa época. Para este artigo, nos inspiramos no universo criado por Huxley, uma sociedade distópica que hoje, quase 100 anos depois, nos provoca inquietantes reflexões sobre os dilemas que os impactos da evolução tecnológica colocam diante de nós.

O que o afastamento do que comumente chamamos de “realidade” pode nos ensinar? 

São inegáveis as infinitas melhorias em nossa qualidade de vida, advindas da evolução de nossas formas de viver, conviver e trabalhar. Mas são inegáveis também, embora não tão frequentemente trazidos à consciência, os profundos impactos em nosso ambiente e em nossos modos de ser e existir. Nossa pergunta aqui é: o que pode melhorar, e como? De que modo podemos assumir a responsabilidade sobre as mudanças que dizemos tanto desejar? Ambos temos nossas práticas de pausa e afastamento do cotidiano, o que normalmente nos faz perceber coisas que antes nos passavam despercebidas.

O exemplo atualmente mais evidente é o da sustentabilidade ambiental. Apesar do aprofundamento da consciência a esse respeito nas últimas décadas, com ações por parte de governos, empresas e cidadãos, nossa vida moderna ainda é insustentável. Se todas as pessoas do mundo tivessem o que a maioria de nós considera uma qualidade de vida de sonho, faltaria planeta para nos sustentar. A desigualdade social ainda é grande e, recentemente, a curva que vinha caindo voltou a subir. Paradoxalmente, as tão almejadas e cada vez maiores comodidades – que talvez Huxley olhasse hoje e chamasse de Soma (o tal remédio da felicidade) – parecem estar entregando cada vez menos a prometida e esperada satisfação: os índices relacionados a depressão, ansiedade e distúrbios mentais estão batendo recordes em vários lugares do mudo. Esses fatos poderiam trazer mais nossa atenção para uma oportunidade de revisão da nossa visão de mundo e das nossas prioridades.

E o mundo corporativo? 

No início de 2022, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu oficialmente a síndrome de burnout na lista de doenças relacionadas ao trabalho. No Brasil, pesquisa global do Instituto Ipsos aponta que 53% dos entrevistados relataram alguma deterioração na saúde mental em 2020, representando a quinta maior alta entre 30 países pesquisados. Já em pesquisa da Oracle, realizada também em 2020, os brasileiros relatam importantes fatores estressores diários no local de trabalho, como pressão para atender aos padrões de desempenho (44%), tarefas rotineiras e tediosas (46%) e cargas de trabalho imprevisíveis (39%). Deveria causar espanto o fato de vermos tanta disponibilidade de evoluções tecnológicas no mundo do trabalho, mas em tão poucas situações verdadeiramente a serviço de algo que não seja o aumento da eficiência organizacional.

Muito fácil seria responsabilizar as organizações, que têm sim, sua inegável cota de responsabilidade. Mas a ideia aqui é conscientizar profissionais, especialmente líderes, sobre o fato de que a transformação que desejamos depende de cada um de nós. Não acreditamos que haja um culpado, a questão é que temos nos permitido arrastar pela inércia de uma cultura fortemente apoiada em aspectos materialistas, sem fazer evoluir conjuntamente a consciência necessária para usufruir das tecnologias que desenvolvemos.

Lições de casa

Podemos ser mais ágeis e assertivos em implementar as tecnologias a nosso favor, em prol de uma qualidade de vida e de trabalho mais sustentáveis. Podemos questionar os modelos que nos são impostos tão eficientemente apenas porque, no afã de estarmos conectados, integrados e identificados, não nos perguntamos sobre o que verdadeiramente nos importa.

“O ser diferente condena a uma fatal solidão”, disse Huxley em sua obra. Temos medo da solidão, então, como os personagens de Huxley, vivemos em busca da identificação com a imensa tribo conectada da nossa era. E acabamos por recorrer às diversas fórmulas que o mundo contemporâneo tem a oferecer e que nos levariam, supostamente, à felicidade. Nesse movimento, temos nos esquecido de que a verdadeira felicidade está apoiada, entre outras coisas, num mergulho para dentro, no silêncio e na capacidade de estar no simples e na solitude. Nada externo parece fazer algum sentido mais profundo, nem funcionará como fonte de paz e bem-estar se nós não estivermos em conexão com nós próprios e com nossa essência.

Em resumo, nosso convite é: pausar mais e olhar mais para dentro antes de olhar tanto para fora. É possível que encontremos formas bem mais significativas, saudáveis e sustentáveis de se viver e trabalhar.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Renata Petrocelli Bezerra Paes

Superintendente de Comunicação da Eletrobras, Renata Petrocelli é jornalista e publicitária, com mestrado em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente, cursa o Global Business Management do IBMEC. Atuando há mais de 10 anos na comunicação corporativa da Eletrobras, também coordena o Comitê de Comunicação Integrada das Empresas Eletrobras, que congrega todas as subsidiárias do grupo, e representa a empresa na Plataforma Ação para Comunicar e Engajar da Rede Brasil do Pacto Global. É membro do Conselho Editorial da revista "Comunicação e Memória", publicação da Memória da Eletricidade.

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