11 de janeiro de 2023

Ao Rei, a eternidade

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Nos dias que sucederam a morte de Pelé, em decorrência da grande cobertura da imprensa mundial, aprendi muito sobre a história do Rei. Já conhecia boa parte de suas façanhas futebolísticas, seus recordes de gols, títulos e outros acontecimentos que extrapolam o mundo do esporte, como o fato de um jogo dele com o Santos em 1969 ter sido motivo para um cessar fogo na Nigéria em meio a uma guerra civil no país.

Porém o que mais marcou na passagem de Pelé por aqui foram as histórias simples, contadas por amigos, jornalistas e ex-companheiros de clube. Histórias de humildade, perseverança e consciência. Com inúmeras reportagens, documentários, artigos e crônicas sobre a história de Pelé, parecia que tudo já havia sido dito ou escrito sobre ele. Difícil acreditar nisso. Inalcançável, como ele, parece ser o repertório de alguém que fica para a história como o atleta do século, ou dos “15 séculos”, como disse Andy Wharhol. Só o tempo dirá.

Pelé triunfou em um mundo de adversidades. Brilhou em gramados irregulares, utilizando materiais esportivos de baixa tecnologia, e em patamares financeiros bem diferentes dos dias atuais. Quem hoje recusaria uma proposta do Real Madrid para cumprir seu contrato com um time brasileiro?

Mesmo sem o ativismo político de outros ícones do esporte, como Muhammad Ali, Jesse Owens ou Lewis Hamilton, talvez mascarando o racismo, a desigualdade e a restrição de liberdades que afligia o Brasil na época, Pelé clamou pelos mais pobres, sobretudo as crianças, e celebrou o amor, como retratou Caetano Veloso na canção Love, Love, Love. “O rosto de Pelé se tornou um dos mais marcantes, senão o mais marcante, da mensagem de orgulho e emancipação da raça negra que varreu o planeta a partir dos anos 1960, na esteira da luta pelos direitos civis nos EUA”, lembrou o jornalista Sérgio Rodrigues, autor do livro O drible, romance que tem Pelé como personagem.

Pelé foi um compositor da bola. Criou e ressignificou movimentos sutis, outros acrobáticos, reproduzidos anos mais tarde por craques como Maradona, Cristiano Ronaldo, Messi, Zidane, Mbappé e outros. A perfeição e a velocidade na execução de cada movimento parecia fazê-lo operar em uma frequência diferente dos demais jogadores. Ele criou uma marca, um jeito de jogar bonito. Os demais o seguiram.

Pelé virou sinônimo de excelência ao nos referirmos a pessoas extraordinárias em suas áreas de atuação. Quem foi Oscar Niemeyer se não o “Pelé” da arquitetura? Ou Aretha Franklin se não a “Pelé” do jazz? Usain Bolt foi o “Pelé” do atletismo e Michael Phelps o “Pelé” das piscinas. Todo menino brincando com uma bola velha em um campo de terra batida sonha um dia em ser Pelé.

Mesmo assim, maltratamos o Edson. Demoramos décadas para reconhecer e valorizar seu discurso em prol dos menos favorecidos no dia em que celebrou o milésimo gol no Maracanã. Julgamos implacavelmente seus erros humanos. Perdemos a chance de abrilhantar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 incluindo como protagonista o brasileiro mais conhecido de todos os tempos. Por fim, a esmagadora maioria de seus compatriotas da bola não compareceu ao seu velório, sobretudo os mais famosos e bem pagos jogadores, desta e de gerações passadas. Estes não deixaram de postar uma foto no Instagram. A morte é só mais uma lembrança líquida que se esvai na brevidade de um story. Nossos ídolos ainda são os mesmos, nós é que não somos mais.

Edson e Pelé caminharam próximos, porém separados. O primeiro foi humano, sujeito aos erros e acertos como qualquer um de nós, submetido ao escrutínio feroz que assombra as figuras públicas. Mas ele tinha Pelé para protegê-lo. Como bem definiu o músico, compositor e ensaísta José Miguel Wisnik em artigo para o NYT, “Pelé, no entanto, tinha Edson. Entre os gênios de nosso tempo, ele é resguardado por seu par, que assume as contingências da vida e os dramas pessoais em escala reduzida. Mesmo que as gerações mais jovens nunca tenham tido a chance de presenciar sua aparência magnífica e indescritível em campo, graças ao seu anjo da guarda, Pelé é poupado da ruína, permanecendo imortal em vida”.

Ao Rei, a eternidade. Obrigado Pelé.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Marcos Santos

Marcos Santos é Diretor de Marketing e Demand-Generation da Unisys para América Latina, responsável pelo planejamento e execução das iniciativas de brand awareness e geração de demanda na região. Antes de ingressar na Unisys em 2012, Marcos desempenhou funções seniores em agências de Relações Públicas, como Sing Comunicação, Fundamento Grupo de Comunicação e Andreoli MSL. Graduado em Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo, Marcos possui MBA em Gestão da Comunicação Corporativa pela Aberje, curso de extensão (pós-graduação) em Análise de ROI em Programas de Marketing e Comunicação pela USP e completou o Programa MicroMaster em Digital Leadership pela Universidade de Boston.

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