10 de junho de 2008

A ousadia de raiz

É muito difícil fazer a comunicação de empresas de commoditiesCommodities quase nunca produzem imagens bonitas. Minério de ferro, petróleo bruto, celulose, dentre outras, não têm a graça de criança inocente, brincando e sorrindo, ou o charme de mulher jovem e bonita fazendo pose para as câmeras, elementos cênicos que fazem o sucesso de anúncios de revista e televisão.

Diante do quadro apresentado, é jogar dinheiro e tempo pela janela, tentar enganar o próximo, quando a empresa que tem o seu negócio em atividade com grandes impactos ambientais, sociais e econômicos teima em fazer uma comunicação cosmética, bonitinha, baseada em uma narrativa publicitária otimista, juvenil demais, que procura nos vender a idéia de empresa totalmente limpa, sem nenhum impacto.

Um exemplo que vai na contramão dessa comunicação que não faz pensar é a campanha que revela a nova identidade sócio-ambiental da Aracruz Celulose, denominada ‘Bem de Raiz’ e expressa em uma logomarca que lembra o círculo oriental, integrado pelas forças contrárias e complementares, do yin e do yang.

Caules sólidos e boas raízes

Sem dúvida, uma proposta de identidade visual que propõe o diálogo sobre as perspectivas da empresa dentro da sociedade com outros pontos de vista. Aliás, proposta de diálogo reforçada pela pergunta trazida em cada anúncio: ‘Que frutos você pretende deixar?’

Quem pergunta, com certeza, se propõe a ouvir respostas. E outras indagações intrigantes nascem do anúncio ilustrado por pessoas de muita idade. São rostos muito velhos, cheios de belas rugas, mas não rostos cansados. São velhos que não fazem parte da rotulada e mercantilizada terceira idade. Os velhos protagonistas do anúncio da Aracruz nos olham confiantes, altivos e esperançosos por serem bons frutos, terem caules sólidos e estarem nutridos por boas raízes (bens de raiz). As belíssimas e realistas fotos dos rostos idosos, em fundo negro, têm nas alturas de seus pescoços a aplicação de ilustração digital que os assemelha a caules e raízes.

Anúncio quebrou a mesmice

A surpreendente campanha da Aracruz nos faz pensar na relação entre árvore, homem e empresa; a relação entre o tronco e a sustentação do homem e da empresa; a relação entre os frutos e o que se colhe da ação humana e da ação organizacional; a relação entre as folhas, no anúncio inseridas sutilmente nos caules, como fonte de energia essencial para o homem e para a atividade organizacional.

Na semana comemorativa do Meio Ambiente, o anúncio da Aracruz quebrou a mesmice de uma comunicação voltada para a sustentabilidade. E a ousadia veio de uma empresa de commodities.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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