A linguagem é um vírus

Em 1986, a cantora e multiartista Laurie Anderson lançou a provocativa Language is a Virus, uma música que desafiava nossa percepção da linguagem como algo além de um mero instrumento de comunicação. Com a frase marcante “Paradise is exactly like where you are right now… only much, much better” (O paraíso é exatamente onde você está agora… só que muito, muito melhor), ela nos convidava a refletir sobre os limites e os perigos das palavras.
A inspiração da música vinha de uma ideia ainda mais antiga: “Language is a virus from outer space” (a linguagem é um vírus do espaço sideral), de William Burroughs, escritor e figura central da geração beat, conhecido por sua visão crítica e ácida da sociedade. Para ele, a linguagem não era apenas um código, mas uma entidade viva, com poder de contaminação e dominação.
Quase quatro décadas depois do alerta de Anderson, a metáfora se renova. Somos privilegiados de acompanhar ao vivo e em cores o tempo e o espaço onde a linguagem não apenas se transmite, mas se espalha, se adapta e se reproduz com a velocidade de um organismo infeccioso. Redes sociais como X, Facebook, Instagram e TikTok tornaram-se o habitat ideal para a proliferação de ideias, frases de efeito e polarizações. A forma como um meme nasce e se espalha lembra o ciclo de vida de um vírus: mutável, veloz e, muitas vezes, imune ao controle.
Nesse ecossistema digital, a linguagem já não é apenas humana, mas amplificada por algoritmos. Plataformas escolhem o que vemos e lemos, destacam certas palavras e ocultam outras. Isso cria bolhas, fortalece vieses, limita o contraditório. Já escrevi artigos densos e reflexivos que mal chegaram a dez curtidas, e postagens banais que, em poucas horas, bateram 80 mil impressões. É como se os algoritmos fossem vetores de contágio, decidindo o que merece se espalhar, não com base em profundidade, mas em viralidade.
A ascensão da inteligência artificial levou o análogo, a retórica e o simbolismo a outro nível. Modelos de linguagem como GPT, Gemini ou DeepSeek, em suas imensas capacidades, são capazes de produzir textos inteiros de maneira autônoma. Eles geram linguagem, sim, mas uma linguagem descolada da intenção humana, que pode moldar debates, manipular opiniões, propagar ideais. Por sua vez, os bots, com todos os benefícios conhecidos, também já são capazes de conversar, atender, confundir e influenciar – às vezes sem que percebamos.
Laurie Anderson estava certa: a linguagem pode ser uma ferramenta de controle. Hoje, governos e empresas analisam nossos padrões de fala e escrita para prever comportamentos. Palavras são rastreadas, indexadas, censuradas. Em regimes autoritários, certas expressões desaparecem, sufocadas pelo medo, apagadas pelos filtros. A linguagem virou campo de batalha.
Mas nem tudo está perdido. A linguagem também pode ser resistência. Movimentos como #MeToo, #NãoÉNão e #VidasNegrasImportam provaram que, quando bem usada, a palavra tem força para romper estruturas, mobilizar milhões, e mudar o mundo. É aí que o vírus revela sua outra face: ele também pode ser antídoto.
A metáfora permanece viva. A linguagem é um vírus, mas pode ser um vírus inteligente, sensível, criativo. Pode infectar com ideias, com empatia, com liberdade. Cabe a nós decidir: seremos hospedeiros passivos ou agentes da transformação?
Em um futuro no qual a tendência indica que as máquinas é que definirão os moldes, a missão será garantir que a linguagem siga servindo aos interesses da humanidade. A blindagem contra a manipulação dependerá, em grande parte, do quanto as famílias estarão dispostas a educar os seus filhos com esses valores; e as escolas, empresas, autoridades e instituições, a ensiná-los a desviar de todas as armadilhas.
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