13 de outubro de 2020

A hora de gerar, transmitir e distribuir boas histórias

Originalmente publicado na Memória da Eletricidade, em 28 de agosto de 2020

Quando pensamos no dia a dia, e em todas as suas expressões e representações, vemos indefectivelmente a presença da eletricidade, que move, suporta e faz o nosso mundo girar, como um Atlas. O seu fogo – ao lado do ar, da terra e da água – está em nossas casas, nas ruas, nos transportes, nas escolas, nos hospitais, nos laboratórios de pesquisa, em nossos trabalhos, e nos ambientes de convivência e comensalidade.

A presença da eletricidade nos libertou da noite e nos deu novas paisagens, viabilizou novas arquiteturas, perspectivas e comodidades. Máquinas, hardwares, softwares, sistemas, meios de comunicação seriam objetos mortos, sem ela, a eletricidade. É por meio dessa fagulha maravilhosa, ao mesmo tempo presente e mítica – dessa energia extremamente naturalizada em nossas vidas, que infelizmente, na maioria das vezes, é valorizada apenas na sua falta –, que nos movemos, nos integramos socialmente pela fala, pela imagem, pela informação e pela comunicação.

A presença crucial da eletricidade em nossas vidas parece óbvia para a maioria das pessoas, mas não é. O manejo do que gera energia, a sua transformação, a sua transmissão, o conhecimento, as tecnologias e as pessoas de ontem e de hoje envolvidas na chegada de energia até as lâmpadas e as tomadas dos ambientes sociais e do trabalho não estão presentes na consciência da coletividade. Para a sociedade parece que a eletricidade nasce nas tomadas e nas lâmpadas. O desconhecimento, a ignorância, sobre a ciência do gerar, do transmitir e do distribuir a eletricidade é também exponencial quando pensamos em aspectos políticos da atividade, como os ligados à legislação, à políticas públicas e aos princípios que norteiam a ação dos governos sobre a presença segura e permanente da eletricidade em nosso cotidiano.

A maioria das pessoas refletem quase nada sobre a eletricidade, além do uso corriqueiro, em suas relações com temas como a inclusão/exclusão social, a sustentabilidade, a segurança dos espaços domésticos e coletivos, o seu papel como viabilizadora de grandes sistemas de mobilidade urbana e de transporte, e, também, o seu protagonismo de guardiã na conservação de alimentos, dentre outros importantes aspectos. A eletricidade é o coração das megalópoles, das grandes cidades. O mundo que denominamos como moderno não existiria sem a eletricidade.

Imagine sua vida sem eletricidade, regida por um lampião

E, ainda, em uma sociedade que prega e pratica, cada vez mais, a igualdade de gêneros é bom que destaquemos o papel dos eletrodomésticos na liberação de tempo e trabalho para todos, mulheres e homens, envolvidos nas tarefas da cozinha.

O aumento exponencial do conhecimento, da cultura, e do lazer – ampliado pelas tecnologias digitais de informação tem como suporte a eletricidade. Tudo isso é o óbvio que precisa ser dito e amplamente comunicado.

É preciso entender que eletricidade não cai do céu nem nasce na tomada

A partir do século XIX, o mundo que conhecemos só se tornou possível pela eletricidade. É simples assim. No entanto, as pessoas, principalmente as das grandes cidades brasileiras e do mundo, percebem a eletricidade como uma commodity. É incrível que algo tão científico e tecnológico tenha se banalizado em nosso cotidiano. Uma das causas disso é o desconhecimento da história e da memória empreendedora desse segmento, pela sociedade, no Brasil e no mundo.

Na atualidade, os esforços de Thomas Edison, em seu laboratório de Menlo Park, em Nova Jersey, estão esquecidos. Em nossa sociedade, a informação gerada e distribuída permanentemente de maneira torrencial parece nos prender em uma bolha do presente, direcionando parte importante de nossa atenção para a preguiça, para o entretenimento, e até para a praga das fake news, que tanto mal tem feito para a identidade, imagem e reputação de pessoas e organizações.

Em meio a essa disputa por atenção, para separar informações e mensagens importantes de perigosas bobagens, os setores econômicos estruturadores de nossa sociedade – dentre eles, o setor de energia – precisam comunicar as suas razões sociais e econômicas de sua existência. As bases retóricas, oriundas das tradições gregas e romanas, dessa comunicação estão, por meio de boas narrativas, expressas na demonstração da utilidade, da compatibilidade e da transcendência de suas atividades. Nos argumentos que provam a sua utilidade, dizer por que a eletricidade e os seus protagonistas – as suas empresas e as suas pessoas – são úteis para a sociedade e para provar a sua compatibilidade, seu alinhamento com os desejos de progresso da sociedade, comunicar como o setor da eletricidade contribui para o desenvolvimento do país e dos negócios. No atributo da transcendência, expressar como o segmento responde às carências sociais de nosso país, de suas cidades e comunidades. Orientadas por essas categorias retóricas, promover um resgate de memórias e de documentos que possam inspirar e produzir narrativas que descrevam e testemunhem a importância de elementos de sua história, de seus marcos fundadores e de transições, de seus ritos e de seus rituais, de seus heróis brasileiros (tal qual os norte-americanos fazem com Thomas Edison) e de seus demônios.

Hoje, vivemos um tempo em que a sociedade nacional e global está desconfiada das narrativas empresariais. O descompasso entre muitos discursos e práticas de empresas e instituições têm exigido a presença de novas narrativas, assentadas na verdade e avalizadas como credíveis pelas lentes da História e da Memória. Desde os idos dos anos 1880, o setor de eletricidade tem gerado energia para a formação do Brasil moderno. Agora é a hora de gerar, transmitir e distribuir as suas boas histórias.

Confira

A roda de conversa sobre “Memória Empresarial”, realizada durante o Preserva.ME 2019, que contou com a participação do Paulo Nassar, Silvia Fiúza e Ana Paula Goulart.

E também

A live, realizada ao vivo no Instagram, sobre “Comunicação e Memória nas organizações – Novos e grandes desafios”, com Paulo Nassar e Rayssa Dias.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Paulo Nassar

Diretor-presidente da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje); professor titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP); doutor e mestre pela ECA-USP. É coordenador do Grupo de Estudos de Novas Narrativas (GENN), da ECA-USP; pesquisador orientador de mestrado e doutorado (PPGCOM ECA-USP); pesquisador da British Academy (University of Liverpool) – 2016-2017. Entre outras premiações, recebeu o Atlas Award, concedido pela Public Relations Society of America (PRSA, Estados Unidos), por contribuições às práticas de relações públicas, e o prêmio Comunicador do Ano (Trajetória de Vida), concedido pela FundaCom (Espanha). É coautor dos livros: Communicating Causes: Strategic Public Relations for the Non-profit Sector (Routledge, Reino Unido, 2018); The Handbook of Financial Communication and Investor Relation (Wiley-Blackwell, Nova Jersey, 2018); O que É Comunicação Empresarial (Brasiliense, 1995); e Narrativas Mediáticas e Comunicação – Construção da Memória como Processo de Identidade Organizacional (Coimbra University Press, Portugal, 2018).

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