A galáxia de Marshall McLuhan
Neste ano, Herbert Marshall McLuhan (1911-1980) completaria cem anos. A efeméride será comemorada em São Paulo, no Teatro Vivo, nos dias 2 e 3 de maio, a partir das 9h00, com o seminário ‘O século McLuhan’, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM/ECA/USP), pelo Centro de Pesquisa Atopos e pela Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje). O encontro reunirá professores e comunicadores para debaterem a obra do pensador canadense. Entre eles, Derrick de Kerckhove, ex-diretor do McLuhan Program in Culture & Technology, Décio Pignatari e Maria Immacolata Vassallo de Lopes, coordenadora do PPGCOM/ECA/USP.
Os livros de McLuhan mais conhecidos são a A Galáxia de Gutenberg, de 1962, Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem – Understanding Media, de 1964, traduzido no Brasil pelo poeta Décio Pignatari, e o O Meio é a Massagem, de 1967, que tem como co-autor o artista gráfico Quentin Fiore e que é um manifesto repleto de provocações e um inventário ilustrado dos efeitos da comunicação eletrônica sobre os indivíduos, empresas, instituições e governos.
Em uma de suas páginas, o livro O Meio é a Massagem traz como título, em negrito, a palavra ‘Você’, ilustrado com um redemoinho, ao lado da impactante afirmação de McLuhan de que as formas de pensar, criar, operar, controlar e viver das tecnologias mecânicas de comunicação estavam seriamente ameaçadas pelas tecnologias, pelo modo de criar e fazer, armazenar, criar e armazenar as informações elétricas. McLuhan e Quentin Fiore refletiram, há mais de 50 anos, sobre a gestão do ambiente da comunicação baseada em computadores e o que poderia decorrer disso. Por exemplo, os meios de comunicação como protagonistas importantes de inovações, crises e revoluções – de inúmeras abrangências e impactos – nos campos culturais, econômicos, sociais, ambientais, políticos, educacionais e da psique da sociedade. E, profeticamente, o surgimento das grandes economias asiáticas, como a japonesa e a chinesa (The west shall shake the east awake…while ye have the night for mor…)
‘Todos os meios são extensões de alguma faculdade humana’
Na atualidade, os circuitos, os computadores, as conexões elétricas e instantâneas transformaram situações do cotidiano, quando os jovens urbanos usam e abusam do uso dos celulares e das redes sociais para se tribalizar e questionar o poder do pai, do professor, do padre, do patrão e do pai de santo, ou ainda nos cafundós dos extremos do mundo, nas franjas do Mediterrâneo e no interior da África para expor e derrubar ditaduras tidas como eternas. O WikiLeaks e a indelével memória digital são frutos singulares do que McLuhan denominou era da informação eletrônica. E, também, a criação artística e a pesquisa acadêmica democratizadas, em termos de suas produções e divulgações, pela disponibilização de softwares gratuitos ou de baixo custo e compartilhamento de experiências e informações no âmbito de comunidades de artistas, pesquisadores e interessados, que não dependem mais de financiamentos, museus e curadorias para existirem e se afirmarem. No mundo empresarial, a revolução eletrônica se consolida com o comércio digital, com a e-comunicação empresarial e as ações de educação e treinamento, renovadas com as possibilidades da co-criação, das novas narrativas como o storytelling e a memória institucional, as produções audiovisuais de baixo custo e da educação à distância.
Após 50 anos, as ideias de McLuhan têm uma sintonia com a ideia ecológica de que todos, independentemente de suas posições na hierarquia, tamanho de conta bancária, formação educacional e ideologia, fazem parte de um mesmo mundo, integrados eletricamente, digitalmente, em uma ‘aldeia global’. As nossas ações privadas ou públicas afetam a todos. A comunicação e os seus meios criam uma noosfera, ideia do padre jesuíta francês Teilhard de Chardin (1881-1955), que influenciou McLuhan a pensar a aldeia global tecida por circuitos eletrônicos. Para Chardin, além do mundo natural integrado, convivemos com um mundo ou esfera constituída pela cultura e pelos conhecimentos, a noosfera. Outra ideia mcluhiana, a de que ‘todos os meios são extensões de alguma faculdade psíquica ou física humana’, nos integra também com aquilo que criamos e que constituem as nossas extensões, o pós-humano, as ferramentas, os processos tecnológicos, as máquinas.
Os aforismos de McLuhan
Em O Meio é a Massagem, McLuhan explica didaticamente o seu pensamento sobre as extensões: ‘A roda é uma extensão do pé’; ‘O livro é uma extensão do olho’; ‘A roupa é uma extensão da pele’; ‘O circuito elétrico é uma extensão do sistema nervoso central’.
A obra de McLuhan, aparentemente didática, é coalhada de aforismos. ‘O meio é a mensagem’ é o mais conhecido de seus aforismos. Outros são igualmente provocadores: ‘A nova interdependência eletrônica recria o mundo à imagem de uma aldeia global’; ‘O amanhã é o nosso endereço permanente’; ‘Não há passageiros na espaçonave Terra. Somos todos tripulação’; ‘Todas as extensões de nossos corpos, inclusive as cidades, traduzem-se em sistemas de informação’; ‘Hoje cada um de nós vive centenas de anos em uma década’; ‘É o quadro que muda a cada nova tecnologia, e não apenas a imagem dentro da moldura’; ‘Notícias, mais do que arte, são artefatos’. Todas as mesas temáticas do seminário ‘O século McLuhan’ foram inspiradas pelos aforismos de McLuhan citados, que deverão ser debatidos pelos pesquisadores e profissionais convidados. Um desafio e tanto.
McLuhan parecia saber que o aforismo deve ser escrito para o futuro para ser compreendido, se isso é possível, no longo prazo. É como o fogo pequeno que arde eternamente escondido no interior do vulcão aparentemente extinto. A imprecisão aparente que é essencial nos bons aforismos é defendida por Nietzsche e Karl Kraus (1874-1936), excelentes em conceber este tipo de narrativa. Os criados por McLuhan têm a mesma linhagem dos aforismos desses mestres. E a não compreensão imediata de suas frases abertas como mitos, principalmente pelos acadêmicos de sua época, e a adesão de milhões de leitores, que transformaram algumas de suas obras em best-sellers, geraram um movimento mental que as trouxeram vivas e atuais até os nossos dias. Marshall McLuhan vive.
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