26 de novembro de 2020

A floresta e o zoológico

Um pouco antes de 2010 estava em São Paulo acompanhando mais um daqueles grandes encontros de marketing que traziam referências internacionais do assunto e reuniam milhares de pessoas. Foi nessa oportunidade que pude ter uma rápida conversa com Kevin Roberts, na época CEO Global da agência de publicidade Saatchi&Saatch – consegui aproveitar o ato de assinatura do livro para fazer três perguntas.

Eu havia me inspirado muito em um dos livros dele, o Lovermarks: Futuro Além das Marcas, com discursos ainda muito atuais e que ajudava a provocar o pensamento sobres os caminhos de uma grande ferramenta da época que era a publicidade e a propaganda. A palestra dele trazia muitos insights, apresentava diversos cases de sucesso em ações de marketing que ele conduzia demonstrando, por exemplo, como uma loja de artigos para surf teve sucesso na revenda de pranchas em uma grande metrópole que não tinha praia.

Mas o que chamou a atenção era a visão dele sobre a necessidade aparentemente sistemática e constante de usar a observação como fundamento para ajudar a decidir os caminhos e o posicionamento das marcas e produtos. A pesquisa para mim sempre foi um objeto de grande preocupação metodológica, em especial pela proeminência da realização em ambientes controlados e eventualmente tendenciosos.

Uma frase de Roberts me marcou naquela época conforme minhas questões: “nós temos que sair do zoológico e ir à floresta“. O que sempre martelou na minha cabeça. Uma alavanca de direcionamento para um ponto de provocação na minha inquietude, em especial sobre qual seria a contribuição para o caminho que leva à inovação nos processos organizacionais.

Eu já me considerava um peregrino da floresta (mercado, clientes, tendências e concorrência), quase que abandonando o zoológico (empresa). Lógico que isso promoveu diversos conflitos positivos nos meus espaços profissionais e me fez carregar o árduo fardo do selo da provocação.

Já citei nesse espaço que as pessoas fazem o que sentem e dizem o que pensam, conforme Jaime Troiano. E isso é comprovado na floresta. Ambiente de liberdade, onde as identidades se materializam sem demagogia e as ações e reações ignoram o ambiente de controle, mesmo respeitando as fortes marcas socioeconômicas de cada espaço.

Contudo, vou confessar para vocês a tribulação de pensamento que eu estou passando em regime total ou parcial de home office desde março desse ano, com a experiência de ter vivido na pele pelo menos o primeiro ciclo de contaminação do vírus: onde está o zoológico e onde está a floresta considerando que as plataformas de reuniões, diálogos e conversas viraram bar, sala de deliberações, espaço de estudo, ambientes de pesquisas e de relacionamento?

Eu sinceramente não sei, mas me parece que nós, a humanidade, fomos tirados da floresta e vivemos mais intensamente no espaço do zoológico. O resultado disso eu não sei qual vai ser, mas confesso que temo por esse denominador. Rogo que a vacina seja um instrumento de uma cura dupla: nos proteja do contágio, mas também dos ambientes de controles e dos eminentes vícios da estagnação.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Leonardo Mosimann Estrella

Contribui com a comunicação da SCGÁS. Administrador pela UFSC (CRA/SC 10.868) e Jornalista Profissional (6684/SC), se especializou em marketing e gestão empresarial (UFSC), comunicação pública (Tuiuti), gerenciamento de crises (Unylea) e gestão estratégica de pessoas (HSM). Cursa mestrado em planejamento territorial e desenvolvimento socioambiental pela UDESC. Lidera área de comunicação corporativa. Apaixonado pela área de sociologia, atua no terceiro setor e acredita que por meio da pesquisa e do diálogo é possível construir uma sociedade melhor.

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