19 de fevereiro de 2015

A crise hídrica é a gota d´água

Faz um tempão que não tomo um banho tranquilo. Desses de ligar o chuveiro e não me preocupar com a quantidade de água que está caindo. Não vou esconder que alguns de meus banhos chegavam aos 10 e às vezes 15 minutos. Como esse, muitos de meus hábitos pessoais mudaram radicalmente no último ano. E olha que nunca fui um gastão. Sempre escovei os dentes com a torneira fechada, meu carro praticamente só leva água da chuva e as roupas lá de casa só são lavadas com a máquina cheia. Em outubro do ano passado, conversando com um consultor na área de sustentabilidade, discorremos sobre os níveis dos reservatórios que não paravam de cair. Começamos a traçar um roteiro dos possíveis cenários até chegarmos a um eventual “armagedom” por conta da água, ou melhor, em virtude da falta dela. Pensei que antes do “Apocalipse” teríamos algumas chances. O poder público jamais deixaria um negócio desses acontecer, as indústrias mostrariam toda a sua competência e criatividade e encontrariam saídas e, finalmente, as pessoas fariam sua parte. Nunca lemos tanto a respeito e nunca nos preocupamos com a água como agora. Dados da Agência Nacional de Águas do Brasil e das Nações Unidas apontam que a agricultura brasileira é responsável por cerca de 72% do consumo de água no País; a indústria, 20%, e o restante fica com o uso doméstico, o que não deveria eximir as pessoas da responsabilidade de cuidar de sua parte. Esses percentuais passam uma falsa impressão de que o problema não está conosco e levam alguns a questionar a efetividade da economia por parte da população. Engano e risco. Além do fato de desperdiçarmos alimentos, que passam em seu processo de produção pelo uso massivo de recursos hídricos, o volume do consumo doméstico não é nada desprezível. A consciência que precisamos extrair disso é que é possível consumir de maneira mais sustentável e que alguns processos e hábitos podem, e devem, ser atualizados e praticados, até mesmo quando a falta de água for controlada. Passada a discussão com o colega consultor, começamos a debater a importância de se instalar um comitê de crise antes que a crise passasse a nos comandar. Convocamos o pessoal da Engenharia, de Recursos Humanos, da Área de Patrimônio, da Comunicação Interna, de TI, da Sustentabilidade, da Área Comercial e de Operações e passamos a discutir os possíveis cenários que teríamos a partir daquele momento. Decidimos criar três níveis de crise: a controlada, a moderada e a crítica. As classificações nos ajudariam a enfrentar o problema, dependendo da gravidade que se apresentasse. Hoje temos um plano para cada uma delas. A Área de Engenharia, que já há muito vinha trabalhando para evitar desperdícios de água e energia elétrica, principalmente, conseguiu nos últimos meses resultados ainda melhores, e com soluções simples e práticas. Internamente, lançamos uma campanha pela redução do consumo de água, dividindo-a em várias etapas. Em uma delas, a que está neste momento no ar, vários executivos da empresa decidiram colaborar. Eu mesmo fiz questão de participar. Se esse bem tão precioso começar a rarear pra valer, temos ações pontuais a serem adotadas, inclusive com a implantação do home office de maneira escalonada, mantendo a gestão da empresa sob controle. O que me parece relevante aqui é o papel que a área de Comunicação tem tido, não apenas no processo de informar e engajar, mas no sentido de articular e coordenar um assunto tão relevante para o andamento dos negócios e do bem-estar das pessoas. Penso que esse alarme pelo qual a sociedade está passando poderá nos trazer uma visão mais sustentável sobre os recursos no futuro. E não devemos falar apenas da água, mas também da energia elétrica, matéria-prima básica para praticamente tudo o que fazemos hoje e que passa pelo mais grave gargalo de infraestrutura jamais visto em nosso País. Se bem não é o momento de apontar os culpados, é hora de arregaçar as mangas e sensibilizar tantas pessoas quanto possíveis a adotar hábitos melhores. No final das contas, o sacrifício se incorpora e depois nem parece mais um sacrifício. Sinceramente, nunca pensei que poderia tomar banho em menos de dois minutos de maneira eficaz e ainda me perguntar por que lá atrás deixei tanta água ir para o ralo.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Luis Alcubierre

Luis Alcubierre é executivo de Comunicação Corporativa, Relações Institucionais e Governamentais há mais de 25 anos e hoje atua como conselheiro para a América Latina da Atrevia, agência espanhola de PR e Corporate Affairs, além de liderar o escritório Advisor Comm. É também palestrante, mediador e mentor. Formado em Comunicação Social pela FIAM, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e MBA pela FIA-USP, com diversos cursos de gestão de liderança e negociação realizados em instituições como IESE, Berlin School of Creative Leadership, Columbia Business School, Universidad Adolfo Ibañez, Escuela Europea de Coaching, Fundação Dom Cabral, IBMEC e FGV. Foi diretor de Comunicação e Assuntos Corporativos de empresas como Kellogg, Pernambucanas e Samsung, onde teve responsabilidades adicionais pela Comunicação na América Latina. No Grupo Telefônica, assumiu a Direção Global de Marca e Comunicação da Atento em Madrid, na Espanha, sendo responsável pela gestão da área em 17 países. Passou ainda por Dow Química, TNT (adquirida posteriormente pela Fedex) e Rede (antiga Redecard), tendo iniciado sua carreira no rádio, nos sistemas Jornal do Brasil e Grupo Estado. Também foi membro do Conselho de associações ligadas às indústrias de alimentos, varejo, vestuário e mercado financeiro, onde teve importante papel negociador em distintas esferas de governo.

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