19 de novembro de 2024

A comunicação precisa de um olhar menos vazio

É inegável a revolução produzida pelo desenvolvimento vertiginoso da tecnologia na vida do homem, a contar dos derradeiros 50 anos. Uma revolução silenciosa correndo entre as raízes das coisas, dos hábitos, nos modos de vida, nos modos de fazer as coisas, no jeito de viver. Se nossos avós ressuscitassem hoje, não saberiam o que fazer. Não saberiam dar um telefonema.

Essa tal revolução silenciosa, profunda e assustadoramente rápida, modificou a estrutura de poder nas nações, nas riquezas, nas empresas, na sociedade. Alterou a noção de espaço-tempo, e transformou o trabalho e o trabalhador. Perdemos um tanto da noção das coisas, experimentando uma velocidade incrível de troca de informações em um volume nunca imaginado. Vivemos soterrados por informações do mundo todo a cada momento, com mensagens, conteúdos e imagens em tempo real. Várias delas sem a menor importância. Acabamos nos perdendo nesse mar de informações, com dificuldade em selecionar o que presta. Tornamo-nos massa disponível e estimulável para o consumo de muita porcaria. Compramos a crença de que possuir mais é ser feliz e compramos insatisfeitos com o que temos. Como disse Sócrates: “Cuidado com o vazio de uma vida ocupada”.

“Tornou-se aparentemente óbvio que nossa tecnologia excedeu nossa humanidade”: Albert Einstein

Hoje, carregamos o mundo no aparelhinho que está em grande parte do tempo nas nossas mãos e tem toda a nossa atenção, porque aprendemos a acreditar que ele é a nossa ligação com o mundo, com as nossas redes de pessoas conhecidas, amigas, até com aquele colega de primário que encontramos recentemente em uma das redes, mas nunca mais o vimos pessoalmente ou falamos com ele.

Por esse aparelhinho, em geral caro, às vezes caríssimo (a aquisição do celular de maior valor atualmente, no Brasil, equivale a mais de 2 mil horas de trabalho de alguém que ganha salário-mínimo), entram normalmente, também, coisas inúteis, desimportantes, travestidas em urgências e que sequestram o nosso tempo. Acontece com todo mundo. As tais redes sociais têm produzido uma multidão de narcisistas, de gente que precisa de aprovação para a sua mediocridade, que mostra uma vida de faz de conta, só alegria, fantasia e nenhum significado.

E como ficar fora desse mundo? E como não ceder ao espírito de urgência que esse mundo impinge em cada um de nós? Tudo é rápido, instantâneo, pra já, anda logo, você está atrasado. A inoculação desse sentimento de pressa pode ser o resultado de uma malandragem para fazer você produzir mais, trabalhar mais, fora das horas diárias contratadas.

A pressa, inerente aos jovens, costumava gerar uma fala conselheira dos mais velhos: “calma, a pressa é inimiga da perfeição e você terá tempo de fazer essas coisas todas…”. Mas hoje, nesse mundo tão remexido, com expectativa de vida espichada, maior qualidade de vida e a necessidade de os veteranos enfrentarem o etarismo reinante, temos escutado: “a pressa é amiga da realização”. E é verdade. Por exemplo, um gênio como David Gilmour lançou um disco recentemente, aos 78 anos, com novo produtor, aceitando mudanças e renovação que um jovem propôs, quebrando paradigmas. O disco é maravilhoso. Cazuza, à beira da morte, escreveu “o tempo não para”. Andamos com o reloginho de aferir tempo-espaço meio confuso… Mas aí está nosso soberano Gilberto Gil com “Tempo Rei”.

“Justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”, disse Ruy Barbosa em Oração aos Moços, em 1921

É recomendável, ao pensar na nossa sociedade nos dias atuais, observar nossa delicada democracia, porque somos uma sociedade dividida, segmentada por preconceitos, autoritária,  hierárquica e discriminadora. No geral, não somos nada fáceis de lidar.

Vivemos também um tempo em que a violência está aflorada, parece que o acanhamento em relação a revelar os ódios perdeu-se e hoje odeia-se aberta e livremente, escalando nas redes sociais, cooptando outros “odiadores”. Tudo parece maior nesse frenesi de informações desabando o tempo todo sobre nós. Desde sempre odiar é mais fácil do que amar; é mais fácil apontar as diferenças do que as igualdades, é mais cômodo tripudiar o outro, apontando um dedo indicador bobo, do que buscar um diálogo qualificado. A comunicação agressiva por vezes beira a brutalidade. A civilidade rebaixada tem sido a tônica. O culto à desinteligência permite, por exemplo, potencializar o risco para o Estado de Direito brasileiro.

Então, parece que o volume de notícias sobre violência que nos alcança não é apenas consequência da velocidade dos meios, mas do crescimento desinibido do caráter violento de muitas pessoas versus um sistema jurídico que ainda tem muito a melhorar, para dizer o mínimo.

“Corre para encontrar o caminho do céu, antes que o diabo descubra que você morreu!”, do filme “Estrada para Perdição” (2002), dirigido por Sam Mendes

O tempo atual é muito complexo. Despeja na nossa frente, cotidianamente, vários desafios difíceis de decifrar, entender, comunicar, estabelecer conexões, quase todos sobre comportamento, como vaticinou o grupo musical Titãs, num álbum lançado no longínquo ano de 1991 e com um título premonitório: tudo ao mesmo tempo agora!

Nesse ambiente, reaprendermos a nos comunicar e a viver em sociedade se tornou uma missão imperativa. Passa por um novo olhar, mais atento, mais amoroso, mais consciente, mais empático… enfim, menos vazio! Bora trabalhar nisso?

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Carlos Parente

Graduado em Administração de Empresas pela UFBA, com MBA em Marketing pela FEA USP, possui um sólido histórico de experiência em Relações Institucionais & Governamentais, Comunicação Corporativa e Advocacy, com participações e lideranças em processos de comunicação estratégica, inclusive internacionais. Carlos Parente é sócio-diretor da Midfield Consulting.

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