21 de novembro de 2024
BLOG Agenda 2030: Comunicação e Engajamento

Transformação de cidades por meio do método prospectivo, transparência e alinhamento com os ODS da Agenda 2030

 

Figura 1: Ligações entre (1) Bem-estar social, (2) Resultados econômicos e (3) Sustentabilidade. Fonte: ODS por meio das lentes do social, da economia e da sustentabilidade (Berenberg, 2018)

Na última década, dois temas têm ganhado destaque e centralidade entre os países, tanto no setor público quanto no setor privado: transparência e sustentabilidade. Esses temas se materializam em agendas amplamente conhecidas: Governo Aberto e Desenvolvimento Sustentável. Essas iniciativas possuem respaldo internacional e estão fundamentadas em pactos, compromissos e parcerias globais.

No âmbito do Governo Aberto, a Parceria para Governo Aberto – do inglês Open Government Partnership (OGP) – é a iniciativa internacional responsável por articular diferentes países em torno de compromissos e planos de ação voltados à transparência e à participação cidadã. Lançada em 2011, a proposta é que as entidades governamentais assumam compromissos de transparência em relação aos dados públicos. Esses compromissos são formalizados em planos de ação, com duração de três anos.

No Brasil, um dos países fundadores da OGP, a coordenação dessa iniciativa é feita pela Controladoria-Geral da União e, em 2018, o Congresso Nacional participou da formulação dos compromissos para o 4º Plano de Ação em Governo Aberto.

O Desenvolvimento Sustentável ancora-se em compromissos firmados dentro da Organização das Nações Unidas (ONU) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) com um conjunto de metas para os 17 desafios enfrentados na atualidade. A implementação das ações para se atingir as metas demanda parceria alinhada entre governos, sociedade civil, setor privado, organização não-governamentais e as instituições estabelecidas nos países-membros.

Neste panorama, as iniciativas de Governo Aberto contribuem para o alcance dos ODS pois, potencialmente, podem reduzir os efeitos do green-washing ao se reportar resultados efetivos, uma vez que promove a transparência e a participação cidadã, fatores essenciais para o desenvolvimento sustentável.

O CASO CRISTALINA E O DESAFIO

Transformar uma cidade por meio de construção de cenários futuros com planejamento de longo prazo, participação ativa do poder público, transparência e alinhamento com os ODS  da Agenda 2030 foi o desafio do município de Cristalina, Goiás.

Com o objetivo de desenvolver uma inteligência efetiva na construção e/ou reconstrução da arquitetura de políticas que permitisse coerência e efetividade das ações públicas no município, foi implementada uma abordagem de prospectiva territorial. Elaborou-se um planejamento de longo prazo na perspectiva de desenvolvimento sustentável do Arranjo Produtivo Local (APL) de Gemas, Jóias, Artesanato Mineral e Turismo de Cristalina.

Na análise dos dados, observou-se que a dimensão educacional (IDHE) do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) em Cristalina é um dos mais baixos em relação aos seus municípios vizinhos e o índice GINI, indicador do nível de desigualdade, apresenta valor abaixo da média do Estado de Goiás mas, o PIB per capita de Cristalina é bastante elevado.

Um PIB elevado, um IDHE menor aliado a um índice de GINI menor, pode resultar em um desequilíbrio social típico (Barros; Henriques; Mendonça, 2000; Adorno, 2002), constituindo um ambiente propício à exclusão socioeconômica e à violência urbana, não só no município de Cristalina, mas também no entorno e nas cidades vizinhas, motivadas principalmente pela desigualdade social.

Desta forma, o objetivo principal do projeto Cristalina 2040 foi o de construir uma visão de um futuro desejável e alcançável, considerando o desenvolvimento sustentável, com objetivos específicos como estabelecer um modelo de aplicação baseado no processo prospectivo que apoie o setor, tais como: inovar produtos com valor agregado; identificar necessidades estruturais e tecnológicas para melhorar a produtividade; e mostrar os resultados e implicações para o desenvolvimento de uma Cristalina sustentável e inteligente.

Estes objetivos perpassam pela participação efetiva da Sociedade Civil e do poder público. Uma das formas de impulsionar as ações em direção aos objetivos estabelecidos é a criação de políticas públicas duradouras e transparentes com alinhamento para o bem-estar coletivo, práticas estas de Governo Aberto.

O MÉTODO APLICADO

O método prospectivo, segundo o filósofo francês Gaston Berger (1958), permite ver longe, com amplitude, profundidade, ousar, arriscar e pensar no ser humano, Michel Godet (2001) complementa essa visão ao afirmar que se deve ver em conjunto e de forma diferente, procurando ideias, com apropriação do conhecimento, e utilizando técnicas e métodos rigorosos e participativos.

Para promover a apropriação do conhecimento, é fundamental o envolvimento da sociedade civil. Quanto mais diversificado e inclusivo for o processo, mais abrangentes e enriquecedoras serão as interações, favorecendo a formação de uma governança sólida capaz de atuar nas múltiplas dimensões, incluindo as esferas econômica, social, ambiental, cultural, demográfica, política, jurídica, tecnológica, segurança e defesa. E, para que as intervenções sejam duradouras faz-se necessário que haja continuidade nas próximas gerações, assegurando a implementação das ações, e, consequentemente, de um desenvolvimento sustentável.

No apoio ao desenvolvimento sustentável, aplicou-se uma combinação dos 17 ODS, organizados em três principais ligações:

(1) Bem-estar social: os ODS 1 – Erradicação da pobreza, 2 – Fome zero, 4 – Educação de qualidade, 5 – Igualdade de gênero e 10-Redução das desigualdades estão ligados ao ODS 3-Vida saudável.

(2) Resultados econômicos: os ODS 6 – Água e saneamento, 7- Energias renováveis, 8-Trabalho digno e crescimento econômico, 9 – Inovação e infra-estruturas, e 13 – Combate às alterações climáticas estão conectados ao ODS-12 Consumo e produção responsáveis.

(3) Sustentabilidade: o bem-estar social e os resultados econômicos se interligam ao ODS 11 – Cidades e comunidades sustentáveis, juntamente com os ODS – 14 Vida sob a água, 15 – Vida sobre a terra, 16 – Paz e justiça e 17 – Parcerias para os objectivos.

Estas ligações são ilustradas na Figura 1.

Figura 1: Ligações entre (1) Bem-estar social, (2) Resultados econômicos e (3) Sustentabilidade. Fonte: ODS por meio das lentes do social, da economia e da sustentabilidade (Berenberg, 2018)

RESULTADOS

O desenvolvimento do APL de Cristalina, na visão de longo prazo, permitiu a criação de um ecossistema comunitário participativo consolidando do projeto Cristalina 2040 como uma base sólida para o seu crescimento, em consonância com ODS 11-Cidades e Comunidades Sustentáveis, cuja missão é o “tornar as cidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis“.

O desenvolvimento do APL de Gemas, Joias, Artesanato Mineral e Turismo de Cristalina trouxe resultados econômicos significativos graças a  implementação de ações estratégicas. Para que o município avance em direção a cidades sustentáveis e resilientes, é necessário melhorar o aspecto social. Em 2021, a Câmara dos Deputados publicou um documento definindo que “cidade inteligente é um espaço urbano orientado para o investimento em capital humano e social, desenvolvimento econômico sustentável…“.

As ações realizadas nas áreas da educação, saúde e cultura têm contribuído para o aumento do Índice de Desenvolvimento Humano e para o desenvolvimento equilibrado da sociedade levando à redução da desigualdade, medida pelo índice de GINI, à medida que a renda da população cresce. Além disso, cabe destacar as melhorias na infraestrutura para atendimento aos cidadãos e turistas, uma das ações mais importantes do projeto, contribuindo para o cumprimento das metas do ODS 3- Bem-estar e vida saudável.

Diversos estudos apontam para a necessidade de se compreender a participação no processo de elaboração de políticas públicas, bem como o papel, as iniciativas e os rumos da sociedade civil. O ODS-16 aborda a necessidade de “…garantir o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis“. Portanto, a participação da sociedade civil, por meio de organizações sociais e privadas não ligadas ao setor público, atuam nos processos de elaboração de políticas públicas de forma participativa (Lundberg, 2017; Kist; Bellen, 2022; Martinez; Kohler, 2016).

O método prospectivo aplicado oferece um processo organizado, transparente e flexível que facilita o exercício da criação de cenários futuros alternativos sustentáveis e inteligentes para o desenvolvimento de uma cidade resiliente. Esse processo envolve uma gama de atores urbanos em todas as etapas de construção das ações necessárias para alcançar o futuro desejado.

Por trás do desenvolvimento econômico está a sociedade e seus membros. A prospectiva proporciona antecipação e orientação para desenvolver ações que contam com a participação e o comprometimento da sociedade, possibilitando as mudanças necessárias e esperadas. Isso é essencial para enfrentar os desafios e aproveitar as oportunidades que surgem ao longo do tempo, por meio de processos de reflexão coletiva nos estudos de cenários futuros (Fischmann et al., 2020; Godet, 2001).

A diversidade da participação não só enriquece o processo prospectivo, como também contribui para encontrar soluções, gera um compromisso coletivo para a construção do futuro e assegura a  inclusão das ações em políticas públicas.

O plano de ação foi considerado desde o início com  atenção especial às inovações que podem ser incorporadas, tornando-o um projeto verdadeiramente dinâmico. Os primeiros resultados, obtidos com a participação da sociedade civil, foram materializados em iniciativas e projetos incluídos nos planos de desenvolvimento de Cristalina.

Entre os resultados, destacam-se: a transformação em conhecimento utilizando o processo metodológico prospectivo para APLs de base mineral com intervenções de formação-ação; as oficinas para compartilhamento de ideias para criação de cenários futuros e definição de ações; apropriação do conhecimento pela sociedade civil; engajamento e apoio do poder público; além de impactos econômicos, sociais e ambientais, avaliados anualmente.

CONCLUSÕES

O projeto Cristalina 2040 teve inicio em fevereiro de 2019, com o plano de ação finalizado em dezembro de 2020. Destacou-se a participação ativa da sociedade civil organizada, incluindo a adesão voluntária dos cidadãos.

O Processo Prospectivo Territorial confirma a importância da participação com a apropriação do conhecimento por diversos atores sociais. Este projeto integra ações de acordo com os ODSs da Agenda 2030, com ênfase no ODS 12-Consumo e Produção Responsáveis, que contribui para o alcance do ODS 11-Cidades e Comunidades Sustentáveis.

Além disso, incorpora ações do Objetivo Estratégico 5 da Carta Brasileira de Cidades Inteligentes, na dimensão econômica do APL de Gemas, Joias, Artesanato Mineral e Turismo de Cristalina e os conceitos de Governo Aberto com as Cartas Compromisso de apoio às ações do projeto assinadas pelos Executivo e representantes do Legislativo eleitos no pleito de outubro de 2024 de Cristalina, GO.

A governança com transparência, fundamentos de Governo Aberto, é basilar e diz respeito às estruturas, funções, processos e cultura da sociedade para garantir que os objetivos sejam alcançados de forma eficaz e clara, incluindo pessoas da sociedade civil organizada, do setor público e os cidadãos de Cristalina. Deve-se manter e renovar esse processo dinâmico atraindo as gerações futuras por meio de práticas de pensamento de longo prazo.

O monitoramento contínuo da evolução e da situação de Cristalina 2040 permitirá uma real mensuração ex-post e da efetividade das escolhas de cenários e da implementação de ações na construção do futuro desejado.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Clarice Kobayashi

Clarice M. O. Kobayashi é engenheira Elétrica, EPUSP; EMBA, BSP; MSc. Governança, Inovação e Tecnologia UCB; Sócia Diretora da CK Counseling & Knowledge; fundadora e Conselheira do Instituto Prospectiva INSPRO; membro e Subcoordenadora do CONECTICIDADE Laboratório de Cidades, Tecnologia e Urbanismo PRO Poli USP em Planejamento de Longo Prazo; Coordenadora do Grupo de Trabalho GT de Planejamento de Longo Prazo PLP da RedeAPL de Base Mineral do MCTI, membro do CRA SP TST, GENE, GPG, e Representante na PACE Plataforma de Ação para Comunicar e Engajar do Pacto Global.

Fernando Mario Rodrigues Marques

Fernando Mario Rodrigues Marques é Pós-Doutor pela FEA/USP, Doutor em Energia pelo IEE/USP, Mestre em Administração pelo COPPEAD/UFRJ e Bacharel em Administração pela FGV/EBAPE. Certificado pelo IBGC como Conselheiro Fiscal, atualmente é Diretor Financeiro do Inspro - Instituto Prospectiva, Coordenador Pedagógico da Pós-graduação em Gestão de Negócios em Energia Elétrica na FIA Business School e Coordenador do Núcleo de Negócios em Energia do Conselho Regional de Administração (CRA/SP).

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