12 de maio de 2020
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Reputação, Coronavírus e pós-crise: o que mudou e vai mudar

 

Publicado originalmente na Revista da Reputação, em 23 de abril.

Reputação é o principal ativo intangível de qualquer instituição – seja ela pública ou privada, com ou sem fins lucrativos. Reputação é o principal ativo intangível de qualquer instituição porque ela é pré-requisito para que as pessoas façam negócios com ela. Sem boa reputação, nem a padaria da esquina consegue vender pão. Você compraria pão em um lugar tido como sujo e que não cumpre as normas da Vigilância Sanitária? Pois bem.

Os tempos não são de pensar a reputação do modo em que o seu gerenciamento acontecia até antes da pandemia de Coronavírus atingir o mundo. Se antes reputação tinha como alicerce a percepção dos stakeholders sobre um conjunto de fatores que incluía a qualidade de produtos e serviços, o ambiente de trabalho, a governança, inovação, cidadania e a capacidade de estabelecer relacionamentos com os públicos de interesse e interessados para a construção de confiança, o que mais parece pesar agora é a capacidade de adaptação e de resposta das instituições aos cenários de incerteza.

Não que os atributos antigos não tenham mais peso. Não é isso. Mas o que se entendia sobre o almejado em relação a eles mudou. Se antes ter um escritório descolado contribuía positivamente para a reputação das empresas, neste momento, ter manicure, chope no final do expediente e mesa de sinuca no escritório não faz mais o menor sentido. O que as pessoas querem agora são boas condições de trabalho remoto. Com respeito à divisão de horários e jornadas de trabalho viáveis e garantias (ainda que mínimas) de que não serão demitidas. Receber um mimo da empresa em casa nunca foi tão bem visto pelos funcionários e colaboradores. É um afago em meio ao turbilhão de emoções nem sempre positivas que todos estão enfrentando. Empatia é a palavra-chave.

Se antes a capacidade de inovar era avaliada pela quantidade de novos produtos e serviços revolucionários lançados a cada ano, agora, a percepção de inovação vem da capacidade das instituições adaptarem as suas linhas de produção e suas ofertas de produtos e serviços para algo que resolva problemas que a sociedade está enfrentando. A Ambev está surpreendendo as pessoas com o álcool gel, não com o álcool de suas cervejas.

Se antes as marcas competiam para oferecer os menores preços e/ou pela maior percepção possível de qualidade, hoje a concorrência está mais fortemente baseada na comodidade de o consumidor ou a consumidora receber os produtos e os serviços em casa o mais rápido possível. E se os pequenos negócios estão sofrendo mais que os grandes para continuarem operando, são os pequenos negócios que estão recebendo maior apoio por parte da população em campanhas diversas para estímulo do negócio local e de pequeno porte. Isso se explica tanto pela ligação afetiva que os pequenos negócios conseguiram construir com os seus clientes antes da pandemia (lastro reputacional) como pelo fato de os micro e pequenos negócios serem os maiores empregadores do país. De acordo com o Sebrae, 99% das empresas brasileiras são de micro ou pequeno porte, responsáveis, em 2019, por 54% dos empregos formais do país. O comércio concentra a maior parte das empresas, somando 41%.

Capacidade de regeneração ganha espaço

Enquanto escrevo este texto, estou há 42 dias em isolamento social por causa da pandemia de Coronavírus. Ainda é cedo para prever o que mudará em definitivo em relação à reputação corporativa. Mas o meu palpite – baseado na observação do que está acontecendo e no acompanhamento de estudos pré-pandemia – reside no aumento da importância de percepção dos stakeholders sobre a capacidade de as empresas e agentes sociais regenerarem a sociedade e a economia.

Esta tendência já se apresentava há alguns anos, diluída na percepção de cidadania corporativa, presente em todos os estudos que avaliavam a reputação das empresas, desde os do antigo Reputation Institute, hoje The RepTrak Company, aos da Merco, passando pelas análises do Grupo Caliber.

Porém, está evidenciada nas respostas das redes sociais às publicações de empresas que estão assumindo o que chamo de “papel de Estado” durante esta crise. Em outras palavras, estão adotando ações que as colocam como protagonistas de alívios para a sociedade no momento de crise. O que definirá a reputação de uma instituição após a pandemia e, por consequência, a sua competitividade será a percepção de como ela agiu para minimizar os danos à economia e proteger a população em um momento de crise extrema.

E como esta percepção será formada? A partir das ações da instituição neste momento e nos próximos meses. Mais do que nunca, espera-se das empresas privadas uma atuação que deixe de lado a busca pelo lucro financeiro como razão mais importante de sua existência, priorizando medidas de bem-estar social. O lucro financeiro é importante e seguirá como importante. Mas a percepção de que a empresa tem funções sociais além da geração de lucro financeiro garantirá, mais facilmente, licença social para operação e licença social para continuidade de operação.

Outro aspecto importante de mencionar é o crescimento da importância do gerenciamento de riscos para os negócios. As empresas que mapearam, antes da pandemia, o risco de problemas de mobilidade afetarem em massa a capacidade de funcionários e consumidores se deslocarem até os seus escritórios largaram na frente na adaptação ao cenário de isolamento social. Os governos que mapearam a capacidade de seus sistemas de saúde absorverem os possíveis casos de doenças contagiosas de massa antes da pandemia puderam adotar medidas de contingenciamento mais efetivas e mais rapidamente. A pandemia também deixa para os brasileiros o legado de imaginar (e viver) cenários de escassez e o risco de escassez pode redesenhar o modo como as pessoas vivem e consomem.

Usando o poder de escala para o bem

Usar o poder de escala para o bem é o caminho que as instituições devem adotar para o fortalecimento de suas reputações neste momento de crise. Basta olhar a história e ver o que aconteceu com companhias que agiram em defesa dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial e o que aconteceu com as empresas que se aliaram ao Nazismo.

As que ajudaram as pessoas são lembradas até hoje de modo positivo, podendo estampar seus feitos em espaços de convivência e de memória corporativa. Já as que se aliaram ao Nazismo até hoje se vêm tendo que dar explicações e pedir desculpas.  “A Lista de Schindler” é um grande exemplo de memória corporativa que ganhou as telas de cinema e sete Oscars, entre eles o de Melhor Filme de 1993, ilustrando o grupo de empresas que ajudaram as pessoas, apesar das controvérsias. Em se tratando de memória corporativa, a Lista de Schindler retrata também a boa prática de documentar a história enquanto ela acontece. Se a lista de nomes dos funcionários não existisse à época dos fatos, levaria muito mais tempo e esforços para ser construída no pós-guerra. O mesmo vale agora e fica o conselho para as instituições que estão fazendo algo que mereça ser contado no futuro: comecem o quanto antes a documentação de suas ações com as mais variadas memórias. Elas poderão ser valiosas em um futuro próximo.

Não se enganem, estamos diante de um marco divisor de eras tal qual a Segunda Guerra Mundial ou o ataque terrorista ao World Trade Center. Na queda das Torres Gêmeas em Nova York, em 11 de setembro de 2001, morreram cerca de três mil pessoas. Apenas no dia 15 de abril de 2020, 2.806 pessoas morreram nos Estados Unidos por causa do Coronavírus. Enquanto escrevo este artigo, o mundo contabiliza mais de 183 mil mortes confirmadas por Coronavírus. É muita coisa. De todo modo, o maior impacto para o mundo desta pandemia pode não ser atrelado ao número de mortos. os maiores impactos podem ser atrelados à conscientização da interdependência de povos e economias e às transformações na forma como as pessoas trabalham e consomem.

Métricas de reputação precisam ser revistas

Uma vez que estamos presenciando mudanças nas expectativas em relação aos atributos de valor que compõem a reputação de uma instituição, é de se esperar que haja uma revisão das métricas que estão sendo usadas para acompanhar o sucesso das ações desempenhadas. Neste cenário, métricas como quantidade de pessoas realmente impactadas pelas ações da instituição são mais importantes do que as óbvias métricas de exposição das ações na mídia.

Métricas de geração de valor compartilhado e de percepção de lucro ético devem ser desenhadas ou aprimoradas ao cenário e às realidades de cada instituição. Este aprendizado ou exercício será de grande valia para as instituições quando chegar a hora de prestar contas aos públicos de interesse sobre as ações desenvolvidas durante a pandemia. Se precisar de ajuda para a análise e redesenho de métricas de reputação, sigo à disposição.

Mais ajuda quem não atrapalha

Muitas instituições estão se mobilizando para ajudar a população e os governos durante a pandemia. Esta atitude é louvável. Porém, cabe lembrar que ter apenas a boa intenção não basta. Para que a ajuda seja efetiva, as instituições devem procurar os comitês de crise locais para alinhar as suas ofertas às necessidades reais das populações e dos governos. Assim como, devem procurar as autoridades locais em busca de informações sobre o que fazer e como fazer para que o aproveitamento da ajuda seja maximizado.

Muitas empresas estão distribuindo máscaras de tecido para a população, por exemplo. Mas nem toda máscara de tecido realmente protege as pessoas. Para garantir a proteção, as máscaras precisam de barreiras de celulose entre as camadas de tecido. O papel funciona como uma barreira para a propagação do vírus de modo mais eficaz do que as camadas simples de tecido.

Outras pessoas, no afã de doar alimentos, estão fazendo com que pessoas se aglomerem em filas para recebê-los, o que pode representar um maior risco de contaminação. Então, se você quiser ajudar, certifique-se de que a sua ajuda será eficaz seguindo as normas de segurança divulgadas pela Organização Mundial de Saúde e alinhando as suas ofertas às necessidades concretas da sua região ou público-alvo.

Juntos vamos sair mais rapidamente desta crise que é tanto sanitária como econômica. Vai passar. Até lá, faça a sua parte.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Tatiana Maia Lins

Fundadora da consultoria Makemake Reputação, é mentora de lideranças e professora na Escola Aberje, na ESPM, na UnB, na FAAP e na USP. É autora do livro Reputação e Valor Compartilhado - Conversas com CEOs das empresas líderes em ESG, Editora Aberje (2022) e foi retratada em março de 2023 como uma liderança ESG moldando o futuro dos negócios no Brasil pela Women to Watch Brasil.

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