13 de maio de 2024
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Reflexões sobre o contador de histórias em empresas

 

Em quaisquer festivais e eventos de tendências, comunicação e marketing, uma ocorrência é certa na programação: storytelling continua em alta. Então, o post desta vez vai trazer estímulos para pensar a presença do contador de histórias no universo organizacional.

Todo este foco é considerado surpreendente, tendo em vista a industrialização, a urbanização e a tecnologia massificada, normalmente inclusive expressa em canais que intermediam relações. Talvez por isto estejamos voltando ao básico, ou seja a um processo de comunicação presencial e mais individual – sempre que possível.

O contador de histórias recebeu vários nomes ao longo do tempo: era o ‘rapsodo’ para os gregos; o ‘griot’ para os africanos; o ‘bardo’ para os celtas, todos empenhados na narração oral como via para organizar o caos e perpetuar e propagar os mitos fundacionais de suas culturas, como ‘portador da voz poética’.

Contar histórias é uma arte cênica, que portanto modula tom emocional e impacto sobre o público. A efetiva experiência e profundidade do relato é fator preponderante, e então toda a inspiração buscada na trajetória do evocador faz a diferença entre ser um monólogo tedioso ou uma conversa interativa. No cerne da narrativa considerada eficaz estaria ainda uma intenção de reciprocidade, de engajamento do polo ouvinte. O contador de histórias do nosso século apresenta seu trabalho por meio de espetáculos de narração oral, performances artísticas elaboradas, com o domínio de técnicas corporais e vocais e critérios de seleção para escolha de histórias. Performance é a vida dada ao texto pelo narrador, por meio de sua voz. Entre as possibilidades, estaria o uso de música, dança, poesia, declamação, mímica, artes plásticas, projeções high-tech e até holografias ou realidade aumentada.

Na Grécia dos séculos VIII-VII a.C., a poesia de Hesíodo precisou do aedo, ou poeta-cantor, que representava o máximo poder da tecnologia da comunicação – visto ser pelo poder do canto que o homem comum poderia romper os restritos limites de suas possibilidades físicas de movimento e visão e transcender fronteiras geográficas e temporais para contemplar figuras, fatos e mundos que se tornariam audíveis, visíveis e presentes. Como não possuíam o recurso da escrita, os indivíduos de culturas orais precisavam pensar por meio de padrões mnemônicos que os ajudavam a recuperar ideias e histórias. Neste ínterim, havia uma tendência a construir narrativas como se fossem poesias, empregando muitas repetições e figuras de linguagem.

Um ponto relevante diz respeito à crescente demanda do grande público pela história vivida com a valorização das obras de history makers. A palavra do contador de histórias implica, portanto, uma totalidade e competência no saber dizer (voz), saber fazer (gestos) e saber comunicar (presença) no tempo e no espaço. Pesquisas no Human Dynamics Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT) apontam que o teor do discurso pesa menos do que o modo como se expressa. Tudo é pensado a partir dos “sinais honestos, pistas não verbais que espécies sociais usam para se coordenar – gestos, expressões, tom de voz. [Eles] são singulares porque provocam alterações no receptor do sinal”. Naturalmente, não se dispensa a análise sobre o conteúdo do discurso, que pesaria mais para o sucesso a longo prazo, mas se postula a importância de cuidar do formato da narrativa.

Todavia, para o ambiente organizacional, vale dizer que o ato de narrar a história precisa ser conduzido de forma mais natural possível. Não convém a uma história organizacional que o narrador faça uma performance, modificando seu tom de voz e comportamento usual. A narrativa deve ter credibilidade e, para tanto, os gestos devem ser verdadeiros. Neste caso, vale a posição de Shedlock, para quem ‘contar histórias é a arte de esconder a arte’. Os relatos são criações narrativas com espontaneidade. O passado narrado carrega sempre uma opinião, porque a arte do narrar envolve a coordenação da alma, da voz, do olhar e das mãos. A narração é uma prática de linguagem e se renova a cada experiência de recordar, pensar e contar.

Basicamente, a capacitação de um contador de histórias envolve o estilo, a verdade, a preparação e a apresentação. Existem muitos estilos narrativos, e no sempre dinâmico ambiente de trabalho, convêm relatos simples e diretos, impregnados de um tom pessoal, uma ‘voz da conversação’ pela espontaneidade e coloquialidade que afastam da fala ensaiada que soa menos verossímel. Neste formato, não há uma imposição de ponto-de-vista, apenas seu relato que leva a crer estar próximo da lógica e da realidade dos acontecimentos, com certa inevitabilidade de encadeamento de fatos. Neste ínterim, a linguagem não pode chamar atenção para si mesma, mas servir tão somente de suporte para uma ideia muito mais importante. Os maneirismos de fala e as gesticulações atrapalham a visualização do cenário e do significado da história, e da mobilização consequente a que nos propomos obter daqueles com quem falamos.

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Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Rodrigo Cogo

Rodrigo Cogo é o curador do Sinapse Conteúdos de Comunicação em Rede e responsável pela distribuição digital dos canais integrantes da plataforma. Formado em Relações Públicas pela Universidade Federal de Santa Maria, é especialista em Gestão Estratégica da Comunicação Organizacional e Mestre em Ciências da Comunicação, com estudos voltados para a Memória Empresarial e Storytelling, ambos pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (SP). Atuou na Aberje por 14 anos, passando pelas áreas de Conteúdo, Marketing e Desenvolvimento Associativo e tendo sido professor em cursos livres e in company e no MBA da entidade por 10 anos. É autor do livro "Storytelling: as narrativas da memória na estratégia da comunicação".

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