29 de abril de 2020

Atualmente vivemos uma situação sem precedentes, a paralisação de boa parte das atividades econômicas dos países, a adaptação a novas formas de organização do trabalho e das relações entre as pessoas, a maioria dos países engajada em deter o avanço de uma pandemia que expõe várias de nossas fragilidades. Mesmo países desenvolvidos enfrentam dificuldades para lidar com a rapidez e a facilidade da transmissão do COVID-19 e essa situação só se agrava em países cujas áreas essenciais como saúde, infraestrutura, saneamento básico, educação não foram prioridades das autoridades públicas.

Ao escolhermos esse tema os ODS no Brasil, o intuito era fazer uma avaliação dos avanços, entraves e possíveis caminhos para atendermos a Agenda 2030. Ao nos depararmos com a crise gerada pelo coronavírus, percebemos o quão importante é para um país ter a sociedade, o meio ambiente e a economia equilibrados, assim como ficou evidenciada a relação de interdependência entre eles e a necessidade de planos e projetos a curto, médio e longo prazo, para que esses objetivos sejam atendidos.

Fica claro também que para sermos bem sucedidos nessa tarefa é necessário preparação, resiliência, organização, cooperação e ação de todos os interessados, assim como proposto pelos ODS 17 Parcerias pelas metas que diz o seguinte: “Os ODS só serão realizados mediante um compromisso renovado de cooperação entre a comunidade internacional e uma parceria global ampla que inclua todos os setores interessados e as pessoas afetadas pelos processos de desenvolvimento”. O mesmo serve para nosso atual contexto em que graças ao esforço e cooperação coletiva, desafios globais podem ser vencidos e objetivos comuns podem ser alcançados.

Setembro de 2015 foi um marco nas relações internacionais para os 193 Estados Membros da Organização das Nações Unidas que juntamente com a sociedade, os setores privados da economia, as instituições do Terceiro Setor e do poder público,  definiram os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, cujo princípio é o do crescimento econômico socialmente responsável e ambientalmente correto.

Um programa ambicioso uma vez que fixa metas de desenvolvimento globais, pois reconhece que a aplicabilidade das mesmas deve considerar as realidades diversas dos países anuentes, e também por trazer uma proposta inovadora em relação aos processos de implementação desses objetivos com base na ação integrada e coletiva e na responsabilidade compartilhada através da intersetorialidade, transversalidade e pluralidade de todos os atores envolvidos na realização dos 17 objetivos, das 169 metas propostas e com mais de 200 indicadores de acompanhamento dos atingimentos.

De acordo com o Relatório 2019 de Desenvolvimento Sustentável (Sustainable Development Report 2019[1] – June 2019 – from Independent Experts of SDNS Secretariat ad the Bertelsmann Stiftung), nenhum país está a caminho de cumprir todas as metas da Agenda 2030. Sobre o Brasil, o mesmo relatório (p.6), afirma que em 2017, havia 237 indicadores de acompanhamento da evolução das metas dos ODS, mas não havia verbas alocadas e nem comprometimentos públicos da alta cúpula do País.

Estamos em contagem regressiva para 2030 e, pelo que temos acompanhado, por meio da participação em palestras, workshops, fóruns de discussão e diálogo sobre o tema, observa-se que ainda existe falta de informação, muitos questionamentos e dúvidas, não só sobre os ODS em si, mas também sobre a razão de sua origem e crença na iniciativa. Em muitas instâncias e setores da sociedade questões como as mudanças climáticas e suas consequências, assim como a falta de consciência em relação ao consumo, a geração de resíduos e as formas corretas de descarte ainda não são temas importantes a serem tratados por todos.

Em relação aos ODS observam-se algumas ações em andamento, de forma pontual, na maioria das vezes de curto prazo e sem perspectiva de continuidade uma vez que são feitas com um orçamento ocasional, doação pontual, visão imediatista e estreita, que vislumbra através das ações relativas aos ODS, uma forma de capitalizar financeiramente, afirmar e/ou melhorar a imagem e a reputação da empresa e/ou patrocinador junto ao mercado consumidor interno e externo. Vale ressaltar que algumas empresas do setor privado, assim como organizações do Terceiro Setor  e algumas instâncias do poder público estão efetivamente comprometidos e buscam desenvolver projetos e realizar ações que tenham em seu core business a essência proposta pelos ODS.

Na prática, percebe-se a necessidade de uma compreensão mais global e sistêmica em relação aos ODS, isto porque ao focarmos em um dos objetivos, suas metas e métricas, poderíamos, no cumprimento de uma das metas, interferir na realização de outro objetivo. Por exemplo, usar energia a partir do recurso solar pode ajudar a atingir metas do ODS 7 que é Energia limpa e acessível. Esse ODS se relaciona diretamente com o ODS 12 – Produção e Consumo Sustentáveis. Se não observarmos a cadeia como um todo, se não tivermos a visão sistêmica da implantação desses objetivos, corre-se o risco de produzir sem considerar o melhor uso dos recursos naturais, o que fazer no pós-consumo, como descartar corretamente os resíduos e como manter a perenidade e evolução desses processos. Desta forma, com este olhar ampliado, ao se definir uma ação para atender a um determinado ODS, pode-se incluir, por meio de uma reflexão de toda a comunidade envolvida, quais são os outros ODS que serão impactados: se positivamente ou negativamente. Vai depender de como estão sendo feitas as ações.

Uma das ações mais inovadoras propostas pelos ODS é a da responsabilidade compartilhada, isso porque não determina um ou outro grupo, como responsáveis pelo desenvolvimento e sucesso do projeto, mas todos os atores envolvidos. Essa proposta está vinculada à ideia da governança cooperativa, conceito que surgiu na segunda metade do século XX com a intensificação do processo de globalização, o fortalecimento de grandes conglomerados empresariais e da proposta de interatividade e democratização da informação, alavancada pelo avanço das redes digitais e sociais no final do século XX e início do século XXI.

A governança é responsável pela organização, direção e monitoramento das ações e por garantir um alinhamento entre todos os atores participantes no processo, consequentemente proporciona maior qualidade da gestão. É responsável também por avaliar e determinar metas e objetivos, monitorar o desempenho e o desenvolvimento das atividades de acordo com os objetivos estabelecidos. Tem por base a transparência nas informações e ações realizadas, a equidade entre os atores, a prestação de contas à sociedade e as outras instâncias de poder, e por fim, a responsabilidade corporativa. Nada fica centralizada em uma só pessoa e/ou organização, as responsabilidades são divididas, o que propicia a execução de um projeto mais completo e com a cobertura de todas as possibilidades, uma vez que a união de gestores diferentes, com visões distintas a respeito de algo oferece uma visão ainda mais ampla e completa a respeito do trabalho, projeto ou tema em questão.

A ideia de que o trabalho cooperativo é mais vantajoso para todos tem sua origem na teoria dos jogos e no teorema do equilíbrio do matemático John Nash, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 1994 por esse trabalho. Segundo a teoria de Nash a estratégia conjunta leva ao sucesso. Em um projeto que nasceu da cooperação de toda a sociedade, a governança cooperativa é efetivamente a melhor estratégia para a organização e realização das ações, pois essas devem ser conjuntas e retratar a estrutura sistêmica dos ODS.

É responsabilidade da Governança verificar os indicadores de eficiência das ações de implementação dos ODS, indicadores que possibilitam a avaliação da evolução das políticas públicas adotadas em todas as dimensões, ou seja, regionais, nacionais e mundiais. Segundo a ONU, são esses dados que poderão garantir que “ninguém seja deixado para trás”, como preconiza o lema dos ODS. Sendo assim, é necessário que eles sejam totalmente acessíveis, confiáveis e constantemente atualizados. A ONU, desde 2015, se empenha na discussão e construção de indicadores que sejam globais e possíveis de serem utilizados por todos os países participantes. Importante ressaltar que a governança compartilhada em nenhum momento reduz a responsabilidade de criação de políticas públicas para a implementação dos ODS, isto significa que são os governos que devem tomar essa iniciativa e criar condições para que, em conjunto com a iniciativa privada, o Terceiro Setor e a sociedade, os objetivos e suas metas sejam alcançados.

A Agenda 2030 estabelece que além dos indicadores propostos pela ONU os países membros desenvolvam os seus, de acordo com suas condições. Seguindo essa recomendação foi criada em 2016 a Comissão Nacional para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável no Brasil cuja função é fazer a governança em nível nacional e é formada por representantes do poder público em nível federal, estadual e municipal, empresas do setor privado e associações, organizações do Terceiro Setor e universidades. Esse processo está sendo desenvolvido em conjunto e é contínuo.

Ao observarmos as iniciativas em vários países e ao analisarmos o processo de implementação dos ODS no Brasil, percebe-se que todo esse esforço conjunto ainda não apresenta resultados significativos. Dos 17 ODS conseguiremos nesse ritmo atual totalizar as ações referentes à energia e ao sistema de parcerias. Certeza de que podemos fazer melhor do que isso! Os ODS são interligados, integrados e correlacionados, sendo assim devemos trabalhar nesse sentido, devemos unir esforços, trabalhar em conjunto e compartilhar responsabilidades. O “meu” tem que dar lugar “ao nosso”, as “ações isoladas” tem que dar lugar “trabalho em equipe, para um bem maior”, o “fazer sozinho, no meu pedaço” tem que dar lugar ao “diálogo”, esse com certeza é o caminho para que possamos estar alinhados aos países mais desenvolvidos e ter resultados positivos em todos os ODS.

[1] Sachs, J., Schmidt-Traub, G., Kroll, C., Lafortune, G., Fuller, G. (2019): Sustainable Development Report 2019. New York: Bertelsmann Stiftung and Sustainable Development Solutions Network (SDSN).

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Clarice M O Kobayashi

Clarice M O Kobayashi é engenheira Elétrica, EPUSP; EMBA, BSP; membro de board de empresas, sócia diretora da CK Counseling & Knowledge; fundadora e diretora do Instituto Prospectiva – INSPRO – com atuação em Planejamento de Longo Prazo; membro do CONECTICIDADE da PRO Poli USP; membro do CRA SP nos grupos TST, GENE, GPG e participa da CEC Comissão de Engajamento e Comunicação da Rede do Pacto Global.

Neuseli Martins Costa

Neuseli Martins Costa é especialista em Redes Digitais, Terceiro Setor e Sustentabilidade pela ECA USP, Mestre em Educação, Artes e História da Cultura pelo Mackenzie, formação em Lideranças para a Nova Economia pela Sorbonne, Paris e consultora pedagógica da UNESCO.

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