A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é Natal…
Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado…
(extrato do poema “O Tempo”, de Mário Quintana)
A Agenda 2030 e os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um dever que todos nós – profissionais, empresas, organizações, governos, países – trouxemos para fazer em casa. E o tempo, esse senhor implacável, está aí para nos lembrar de que a missão exige coragem, esforço e colaboração urgentes. 2021 guarda um simbolismo importante para aqueles de nós que, como eu, são aficionados pela passagem do tempo, seus ciclos e efeitos sobre o nosso constante processo de transformação. É o início da última década para o alcance das metas que nos comprometemos a alcançar para reencontrar o equilíbrio entre desenvolvimento e sobrevivência. E, quando se vê, passaram 10 anos… Como todo início de ciclo, o momento é propício à reflexão, ao ajuste de rotas, à reafirmação de compromissos e à decisão de fazer mais e melhor. O fato de esta última década se iniciar justamente em meio ao maior desafio coletivo já enfrentado pelas gerações viventes, em escala planetária, reveste a reflexão de matizes ainda mais simbólicos.
Se, por um lado, a pandemia de covid-19 é mais um desafio que precisamos enfrentar no caminho dos ODS, não se pode negar seu profundo efeito transformador sobre indivíduos, grupos, empresas e a sociedade em geral, com resultados que não só representam avanços nessa caminhada, como evidenciam ainda mais a necessidade de olharmos para o futuro pelas lentes da sustentabilidade. Sim, indivíduos, empresas e governos se defrontam hoje com questões revestidas de tal grau de complexidade, incerteza e urgência que não há outra opção a não ser focar esforços e recursos no imediato, o que de alguma forma pode comprometer o empenho necessário para as ações que objetivam o longo prazo. Mas, por outro lado, as lições desta triste realidade, que não há como ignorar, reforçam a importância da adoção de ações que visem à manutenção das condições de vida do planeta, com impactos sociais e ambientais positivos.
A pandemia trouxe para o centro do palco uma verdade que, embora evidente, nem sempre é lembrada com a veemência necessária: estamos todos conectados e as ações de cada um de nós impactam toda a humanidade. Anos e anos de debates em torno da sustentabilidade não conseguiram fazer tanto por esta evidência quanto uma ameaça global que, da noite para o dia, fez pararem países ao redor do mundo inteiro. Em pouco tempo, a certeza de que não há mais fronteiras entre as ações e suas consequências foi reforçada com tal imediatismo que torna impossível ignorá-la. Ao contrário das questões climáticas, nas quais uma verdade evidente pode ser obnubilada pela dispersão dos efeitos ao longo do tempo, e por nossa crônica tendência a minimizar o que não é imediato, no caso da pandemia os efeitos se multiplicaram com velocidade que não deixou margem à desconsideração.
Cuidar de si é cuidar do outro. Cuidar do outro é cuidar de si. Famílias, vizinhos, cidades, países inteiros tiveram, na prática, uma lição inescapável de algo que, apesar de estar no cerne daquilo que nos faz humanos, tem sido recorrentemente negligenciado em prol do progresso material a que vimos nos dedicando por tantos séculos. Mas lições que aprendemos na dor tendem a ser potentes catalisadoras de transformações, e é por isso que a pandemia pode ter, sim, um legado positivo. Apesar de toda a dor e de todo o sofrimento impingidos a tantos de nós – ou, melhor dizendo, justamente por causa de toda essa dor, e de todo esse sofrimento.
Não por acaso, o ano de 2020 viu a consolidação de uma tendência que vinha se desenhando há alguns anos: o fortalecimento da agenda da sustentabilidade na estratégia das empresas, ou seja, sua evolução de tema acessório a aspecto que tangencia o modelo de negócio e orienta a tomada de decisão. Matéria da jornalista Bárbara Bigarelli, no “Valor Econômico” de 25 de janeiro de 2021, destaca o impacto da pandemia e da pressão de investidores e da sociedade sobre as empresas, resultando num boom de criação de novas áreas para tocar a agenda ESG, bem como de cursos que objetivam orientar os altos executivos a lidarem com o tema. A matéria também aponta a importante aliança da área de Gestão de Pessoas com a sustentabilidade, dado que integrar de fato a sustentabilidade na estratégia de negócio exige capacitação da liderança e um processo de transformação cultural.
E esse último aspecto ressalta a importância crucial da Comunicação. De um lado, a própria mobilização em torno da construção da Agenda 2030 e dos 17 ODS já evidenciam, desde o seu início, o papel da comunicação na mobilização e engajamento dos atores responsáveis pelas transformações que precisamos empreender. Os esforços de comunicação sempre foram fundamentais para dar visibilidade ao tema e ampliar o alcance das iniciativas, com o providencial e necessário efeito multiplicador. Por outro lado, a crescente cobrança de investidores e da sociedade, bem como a mudança de patamar da agenda ESG na estratégia das empresas, dão às áreas de Comunicação a oportunidade de serem ainda mais significativas nesse processo. Ao lado da área de Gestão de Pessoas, a Comunicação tem a missão de evidenciar ao público interno – colaboradores e lideranças – o movimento global que começa a ganhar corpo no planejamento estratégico das empresas. Alinhar discurso e prática, ação externa e interna, apontar eventuais incongruências, mapear riscos, evidenciar os avanços, mobilizar para os avanços que ainda é preciso realizar.
Externamente, o desafio é integrar os temas de modo a comunicar a agenda ESG com objetividade e unicidade. Afinal, são temas transversais à atuação de toda a empresa. Trabalhar com eles na construção de relacionamentos de valor com todos os públicos de interesse exige a integração de áreas diversas, além da organização de informações muitas vezes dispersas. E assegurar que os esforços estratégicos realizados pelas companhias encontrem eco junto a investidores e demais parceiros é a maior contribuição que a Comunicação pode prestar para que este processo seja irreversível, e ganhe cada vez mais força. O estudo “ESG no Conselho: O que os Conselheiros Precisam Saber”, publicado em novembro de 2020 pela PwC, ressalta o desafio na comunicação da agenda ESG com os investidores: “Um grande problema enfrentado pelas empresas na área de ESG é o gap na comunicação com os investidores. Muitos investidores buscam dados padronizados sobre ESG para fazer comparações entre entidades. Mas os tipos de dados que são importantes para um acionista podem não ser muito importantes para outro”.
Entre as iniciativas de padronização para a elaboração de relatórios sobre ESG destacadas pelo estudo, como GRI e SASB, é citado o conjunto de métricas universais divulgado em setembro de 2020 pelo Fórum Econômico Mundial, em parceria com o Bank of America e as quatro maiores firmas globais de auditoria. Intitulado “Measuring Stakeholder Capitalism – Towards Common Metrics and Consistent Reporting of Sustainable Value Creation”, o documento, que elenca métricas nos pilares Governança, Pessoas, Planeta e Prosperidade, serviu de inspiração para a criação, no site da Eletrobras, da Jornada EESG, na qual elencamos os principais temas e indicadores ESG da companhia, de modo a permitir a visualização fácil e rápida de informações que refletem a sustentabilidade como centro de nosso modelo de negócio.
Os desafios são inúmeros e cada um de nós tem um papel importante a desempenhar. Cada área tem a sua responsabilidade. Cada empresa e cada país, o compromisso fundamental com as metas estabelecidas. Cada ser humano, uma lição a aprender sobre pequenas atitudes que, em conjunto, geram grandes resultados. Temos exatamente uma década até o marco estabelecido pela Agenda 2030. Parece muito tempo. Mas quando se vê… não podemos correr o risco de chegar lá e perceber que “é tarde demais para sermos reprovados”.
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