14 de outubro de 2016
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Até quando, Maria Filó, até quando?

A grife Maria Filó é alvo de críticas por estampa racista um ano depois de se envolver em polêmica sobre machismo. Algumas dicas para que ela melhore o seu gerenciamento de reputação.

Já se foi o tempo em que o jornal do dia anterior era apenas embalagem para peixe na feira. Hoje, tudo fica armazenado na web. E em segundos assuntos que algumas pessoas gostariam de esquecer voltam à tona. Há pouco mais de um ano, a grife carioca de vestuário feminino Maria Filó se viu envolvida em uma crise de imagem por conta de um comentário machista de seu dono, que teria dito que demitiria todas as mulheres e contrataria apenas homens homossexuais porque eles não engravidam. O marido da funcionária grávida que presenciou a cena narrou o fato no Facebok e foi aquele Deusnosacuda.

maria-filo-machista

Para tentar contornar a situação, a empresa fez um pronunciamento dizendo que aquilo tinha sido uma brincadeira, que não tinha a intenção de ofender e blá, blá, blá.

resposta-ao-machismo-maria-filo

Uma empresa minimamente séria e comprometida com a sua reputação teria aprendido com a lição. Teria passado a ter mais cuidado com fatores que pudessem gerar crises de imagem, viralizar negativamente nas redes sociais e colocar a marca outra vez entre os assuntos mais comentados do dia de maneira depreciativa.

Mas não parece ter sido isso o que aconteceu com a Maria Filó. Por que? Porque um ano após este fato a grife tinha nas suas lojas peças com a seguinte estampa:

maria-filo

A imagem é tão direta que choca imaginar que passou por diversas pessoas e que ninguém tenha percebido que poderia causar problemas, que era uma imagem que reforçava o conceito da escravidão, do negro servindo ao branco, da exploração. E o que não seria tão difícil prever aconteceu. Uma negra foi à loja, viu a estampa e se sentiu ofendida. Mais uma vez a mulher empoderada – de quem já falei em tantas situações como um stakeholder que deve ser levado em máxima consideração – usou as suas redes sociais para denunciar. O endosso à sua crítica foi automático.

Para tentar conter a situação, a Maria Filó recorreu mais uma vez à resposta na rede social. Fez bem em usar o mesmo canal onde a crítica surgiu e se avolumou. Mas errou na mensagem.

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A empresa tentou “terceirizar a culpa” para um pintor famoso, morto em 1848. Sim, você leu bem, “terceirizar”, “morto em 1848”!

“A estampa em questão buscou inspiração na obra de Debret”. Que a obra de Debret retrate escravos é aceitável pelo momento histórico em que ele viveu. A escravidão ainda era presente no Brasil quando ele nos visitou em 1816, ficando até 1831, com a Missão Artística Francesa. Sem esquecer que as obras de arte são uma das formas de crítica social ao modelo vigente. Debret, por exemplo, é autor do almanaque “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, que engloba 153 imagens do Brasil seguidas de textos as explicando e de onde as imagens da estampa provavelmente foram retiradas.

Já uma grife de/para mulheres brancas (nas fotos das coleções que estão no site da Maria Filó só há uma única modelo “moreninha” entre inúmeras modelos brancas e nenhuma modelo retrata o orgulho afro) em pleno 2016 fazer uma estampa que remete à escravidão e achar que isso passaria batido é completa ingenuidade, para não dizer descuido com a marca. Hoje, com a agenda pela igualdade em pauta, comportamentos como este não passam. E ofendem.

Ah, quase esqueci de dizer que a coleção em questão era uma homenagem ao Brasil. Se era uma homenagem ao Brasil, precisava de inspiração de alguém que retrata o país com o olhar europeu? Precisava expor uma parte de nossa história que causa tanta dor aos negros e vergonha aos brancos esclarecidos?

Tomara que desta vez a Maria Filó aprenda a lição. Porque o boicote a ela só aumenta. Para ajudar à Maria Filó eu vou deixar aqui algumas dicas do que ela pode fazer para melhorar. Afinal, conhecimento é para ser compartilhado. Conhecimento que não é compartilhado vira latifúndio improdutivo.

  • Pensem antes de aprovar coleções se as estampas podem causar conflito
  • Tentem estabelecer uma cultura de diversidade. CULTURA DE DIVERSIDADE.
  • Debatam internamente sobre o machismo, sobre o racismo, sobre a corrupção, sobre a ditadura da beleza, sobre os modelos sociais. O debate pode provocar mudanças enriquecedoras.
  • Façam pesquisas de percepção com os seus públicos de interesse para descobrir o que as pessoas realmente pensam sobre vocês e comparem com como vocês gostariam que as pessoas vissem a Maria Filó.
  • Assumam responsabilidade. Pega mal minimizar comportamentos inaceitáveis.
Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Tatiana Maia Lins

Fundadora da consultoria Makemake Reputação, é mentora de lideranças e professora na Escola Aberje, na ESPM, na UnB, na FAAP e na USP. É autora do livro Reputação e Valor Compartilhado - Conversas com CEOs das empresas líderes em ESG, Editora Aberje (2022) e foi retratada em março de 2023 como uma liderança ESG moldando o futuro dos negócios no Brasil pela Women to Watch Brasil.

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