O comportamento do Rio Paraná é um dos mais monitorados e estudados do Brasil. O acompanhamento do nível d’água começou na década de 1920, inicialmente para medir as condições de navegação e, posteriormente, com o interesse do Brasil e Paraguai de aproveitarem o potencial hidrelétrico do rio, a estação centenária passou também a medir a vazão. Nas últimas décadas, evoluiu tecnologicamente até chegar ao estágio atual, com medições do rio e das chuvas transmitidas de hora em hora, via satélite.
A série histórica de 100 anos de comportamento das águas do Paraná é tão confiável que serviu como base para o Tratado de Itaipu, no que diz respeito à relação entre a energia gerada e o cálculo do custo do empreendimento. Por saber qual foi a menor vazão ao longo de um século, foi possível estabelecer que a Itaipu teria que gerar pelo menos 75 milhões de Megawatts/hora/ano para cumprir com seus compromissos.
Com as 18 primeiras unidades geradoras instaladas até 1992 e as duas últimas acrescidas em 2007, a usina de Itaipu comprovou poder produzir muito mais do que o mínimo contratual previsto (com a potência completa, a média anual passou a ser acima de 90 milhões MWh e chegou atingir o recorde mundial de 103,1 milhões de MWh em 2016, depois superado pela chinesa Três Gargantas).
Essa realidade mudou. Os anos de 2020 e 2021 estão entre os mais secos já registrados ao longo da série histórica do Rio Paraná. Tanto que, no ano passado, a vazão caiu dos normais 17.000 metros cúbicos por segundo para meros 6.200, quase igualando o valor mínimo já registrado, em 1944. Medidas como a abertura do vertedouro precisaram ser adotadas para garantir a navegação das barcaças que garantem o escoamento da safra paraguaia.
Considerando a bacia hidrográfica do Paraná, essa não foi uma situação que afetou apenas a operação de Itaipu (responsável por cerca de 10% da eletricidade consumida no Brasil e de 90% no Paraguai) uma vez que há mais de 40 usinas hidrelétricas rio acima. E hidreletricidade é chave para a segurança energética do Brasil, uma vez que responde por cerca de 60% da geração nacional de energia elétrica.
Apesar de as chuvas terem recuperado os volumes de água a níveis normais em 2022, passar por dois dos anos mais secos do último século em sequência lançou um alerta. Embora não haja pesquisas científicas que comprovem que a escassez hídrica se deveu a mudanças climáticas, esse é o tipo de efeito esperado por cientistas que estudam o clima.
O relatório de 2022 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) reconhece a forte interdependência entre clima, ecossistemas e biodiversidade e busca avaliar os impactos e riscos das mudanças climáticas, analisadas em relação a outras tendências globais simultâneas, como a perda da biodiversidade, a exploração insustentável de recursos naturais, a degradação de ecossistemas, urbanização desorganizada, mudanças demográficas, desigualdades econômicas e pandemia.
De acordo com o relatório, “a mudança climática induzida pelo ser humano tem causado eventos extremos mais frequentes e intensos, com efeitos adversos generalizados para as pessoas e o meio ambiente, além da variabilidade natural do clima”. E adverte que, “apesar de alguns esforços de adaptação terem reduzido a vulnerabilidade em determinadas situações, já há impactos irreversíveis, que estão empurrando sistemas naturais e humanos para além de sua capacidade de adaptação”.
A confiabilidade da análise é respaldada pelo crescente consenso científico sobre o tema, que já é o mesmo que existe, por exemplo, sobre a força da gravidade. Na COP 26, em Glasgow (Escócia), uma pesquisa baseada na publicação de 90 mil estudos científicos apontou que 99,9% dos cientistas climáticos concordam que a ação humana está afetando o clima (na pesquisa anterior, em 2013, o índice era de 97%). Praticamente, não há dúvidas entre cientistas de que a queima de combustíveis fósseis está aquecendo o planeta.
Mas se há se consenso científico, por que isso não se reflete na opinião pública, nas discussões nas redes sociais, ou nos debates eleitorais, por exemplo? Levantamento sobre esse tema indica que a Espanha (65%), Suécia (61%) e Taiwan (60%) são os com melhores índices de pessoas que relacionam as mudanças climáticas à atividade humana.
Há várias razões para esse distanciamento entre a comunidade científica e o público em geral. Começando por uma dificuldade que os cientistas têm em comunicar suas descobertas para quem é leigo no assunto.
O processo de produção do conhecimento envolve elementos como a incerteza. Cientistas dificilmente afirmam algo com 100% de certeza, especialmente quando fazem previsões. Céticos climáticos costumam explorar a ambiguidade da linguagem científica para afirmar que não há certeza se a mudança climática existe nem se a influência humana é determinante.
O processo jornalístico também não ajuda muito. Ouvir “o outro lado” ou promover debates entre pessoas com visões antagônicas (mesmo que uma delas seja cientista climático e a outra um influenciador digital ou um político, por exemplo) contribui para disseminar uma falsa ideia de que há duas visões contrárias sobre o tema que se equilibram.
E há a desinformação promovida por grupos que têm interesse econômico em manter as coisas como estão. Um caso notório é o da Exxon, que por décadas semeou dúvidas sobre a ciência climática justamente explorando incertezas científicas por meio de artigos publicados em jornais.
O centro dessa estratégia de desinformação é a utilização de falsos especialistas, uma vez que quem pode, de fato, falar sobre ciência climática é cientista climático. John Cook, jornalista e pesquisador associado ao Hub de Pesquisa em Comunicação da Mudança Climática, na Universidade Monash (Austrália), pesquisou e classificou as principais estratégias de desinformação utilizadas para lançar dúvidas sobre o aquecimento global. Essas estratégias revelam um padrão já utilizado para desacreditar a ciência em outras situações.
As cinco principais categorias são:
- Falsos especialistas: utilizar como fonte uma pessoa que não tem autoridade para falar sobre clima, muitas vezes como uma formação científica, mas não em ciências climáticas.
- Falácias lógicas: categoria que abriga várias subcategorias, como atacar quem fala no lugar de rebater os argumentos (ad hominem), ou explorar a ambiguidade de certos termos científicos.
- Expectativas impossíveis: dizer, por exemplo, que só irá acreditar em aquecimento global quando os cientistas afirmarem que estão 100% seguros sobre suas previsões.
- Cherry picking: o termo em inglês que significa “pegar uma cereja” é uma alusão ao fato de se ater a um dado que corrobora com seu ponto de vista para tirar conclusões generalistas, como se o fato de este ano ter tido um inverno mais rigoroso em uma cidade fosse referência para afirmações sobre a temperatura global. (O New York Times, a propósito, criou esta página que produz um gráfico de quanto a sua cidade natal já esquentou desde o ano em que você nasceu)
- Teorias da conspiração: quando a pessoa acredita que há uma ampla conspiração que envolve cientistas e empresas e organizações ocultas que querem mudar a economia mundial, promovendo a transição para fontes limpas de energia, a adoção de meios de produção e consumo sustentáveis, frear a destruição dos ecossistemas. E, para essa pessoa, isso é ruim.
Cook, inclusive transformou a categorização das estratégias de desinformação sobre mudança climática em um jogo. Neste link é possível baixar o aplicativo e treinar no seu celular. Assim, você já estará preparado para discutir com aquele seu tio que em toda ceia de Natal conta a piada do pavê e acha que tudo bem trocar a floresta Amazônica por pecuária e agricultura porque, afinal, “pasto e soja também são verdes”.
Com a proximidade de mais uma Conferência Mundial do Clima (COP 27, em novembro), as atenções naturalmente irão se voltar a Sharm El-Sheikh, no Egito, onde governos de todo o mundo irão se reunir para destravar agendas como a do mercado de carbono e do financiamento para ações de mitigação e adaptação à mudança do clima.
Porém, independentemente disso, é tempo de comunicar a emergência climática com mais clareza, para que o consenso científico de que a mudança climática é real (é ruim, somos nós, experts concordam e há esperança) seja também um consenso na sociedade em geral.
Romeu de Bruns Neto é jornalista formado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e vencedor do Prêmio Esso de Jornalismo (2000). Este artigo foi produzido após conclusão do curso “How to cover the Climate Crisis – and Fight Disinformation”, organizada pelo Knight Center for Journalism in the Americas e patrocinado pela Google News Initiative.
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