2020 foi um ano atípico na vida de muita gente não só no Brasil, mas também no mundo todo. Imaginar que em março de 2019 estive em Hong Kong visitando o maior Buda da Ásia sentado ao ar livre com subida de 268 degraus; em Taiwan na torre de Taipei, com 101 andares e uma altura de 509 metros onde se usa um elevador para chegar ao topo em 37 segundos; na Coreia do Sul, em Busan, admirando o florescimento do sakura e na China, andando nas grandes muralhas próximo a Beijing e nas longas avenidas aglomeradas de pessoas em Shangai… inimaginável de ocorrer em 2020!
Mas, indo um pouco além, a partir de 2016, participei, de forma voluntária, com mais de 30 pessoas no grupo de governança do projeto Desenvolvimento Brasil 2035 (2016-2018) liderado pelo professor Antônio L. Aulicino, iniciativa do Núcleo de Apoio a Pesquisa e Planejamento de Longo Prazo (NAP PLP) da FEA USP, que culminou no lançamento do livro Desenvolvimento Brasil 2035[1], o país que queremos, neste ano de 2020.
Nesta obra, escrevo sobre algumas variáveis e, dentre elas, desenvolvo, junto com Fernando Marques, a variável “Superpopulação nas grandes cidades brasileiras” (AULICINO; FISCHMANN, 2020, p. 277-286). Vários pontos, tais como cultura, sociedade, economia, política e tecnologia, são explorados e descritos neste texto considerando a evolução histórica e chegando às análises da situação atual que vivemos no contexto global e, especificamente, no Brasil.
A partir desse entendimento, são exploradas e analisadas as tendências e as rupturas possíveis considerando os vários cenários. Interessante notar alguns trechos das tendências: “[…]com o advento da tecnologia, as pessoas não necessariamente terão de estar perto para se sentir perto. Isso pode mudar a simples reunião que já é possível acontecer remotamente, as transações econômicas que podem ser totalmente virtuais, a indústria de turismo, pois será possível, por meio de realidade aumentada, viajar e conhecer novos lugares[…]; a saúde, pois serão possíveis diagnósticos remotos[…] afetando o campo econômico, comportamental, cultural e social”. E alguns, de ruptura, “[…]os recursos e a evolução da tecnologia devem permitir desenvolvimentos que rompam com os modelos antigos e tradicionais e evoluam em direção à melhoria do uso dos espaços habitacionais […] seja mais sustentável de forma a viver melhor[…]”.
Pudemos comprovar, na prática, neste ano de 2020, que tivemos de encontrar soluções rápidas, adaptar-nos ao novo cenário, acelerar o uso da tecnologia que já estava disponível e mudar a nossa forma de trabalhar e de viver o dia a dia, o que afetou o nosso comportamento, a economia e as atitudes culturais e sociais.
Na linha das hipóteses para construção dos cenários, uma das hipóteses dessa variável descrita no livro é “em função da deficiência da infraestrutura de defesa civil, as cidades estão mais expostas às consequências de uma catástrofe, tais como epidemias e guerras químicas, entre outras”. Tão inesperado, mas vivemos e estamos vivendo uma grande pandemia!
E, em outra hipótese consideram-se “[…] deslocamentos da população de grandes centros urbanos em busca de melhor qualidade de vida[….]itens como inovação e tecnologia são pontos-chave com surgimento de novos modelos e formas de viver com prioridade para a qualidade de vida, causando profundas rupturas[…] melhoria do bem-estar individual e coletivo[…]surgem novas profissões[…]haverá uma redução expressiva da desigualdade da sociedade. Para este cenário, serão necessárias mudanças profundas na cultura, no crescimento do senso coletivo e na ação consciente da sociedade”. São fatos que estão ocorrendo na vida de muitas pessoas. Neste instante, está havendo um aumento da desigualdade, mas, no próprio texto, expressamos a necessidade de mudanças profundas na sociedade.
Comentários dos meus colegas: “fui à China antes da pandemia pois já tinha previsto o que iria acontecer – este e os demais textos do livro foram desenvolvidos em 2017, 2018 e finalizado em 2019”. Mas, brincadeiras à parte, refletir sobre o que pode acontecer no futuro, à luz da análise do momento passado e do que estamos vivendo hoje, pode nos ajudar a nos prepararmos para o futuro construindo o futuro que queremos ter. O futuro não se prevê! Possivelmente, se o Brasil tivesse construído melhor a sua infraestrutura sanitária no passado, hoje muitas vidas poderiam ter sido salvas.
Semelhante a essa análise, o livro apresenta outras 37 variáveis, nas quais são descritas hipóteses desejáveis e hipóteses não desejáveis com análise de tendências e rupturas possíveis. Ou seja, das análises de todas as variáveis para construir o Brasil que queremos com as hipóteses que foram consideradas, é possível nos prepararmos para o futuro sendo protagonistas e possíveis atores dessa transformação desejada com construção do futuro que seja possível e desejável pela sociedade, alinhado com o bem comum.
Para não ficar somente na academia e também mais um livro que iria apenas para a prateleira, a partir deste trabalho desenvolvido no projeto “Desenvolvimento Brasil 2035, o país que queremos”, utilizando o Processo Prospectivo (GODET, DURANCE, DIAS, 2008)[2], criamos o Instituto Prospectiva – INSPRO em julho de 2018, que tem a “finalidade de fomentar a criação e construção do futuro de forma sustentável, com base na Prospectiva, incentivando a apropriação pelos diversos interessados por meio de abordagens multidimensional e transdisciplinar”. E um exemplo prático é a participação do Inspro no desenvolvimento do Projeto Cristalina 2040 após abril de 2020, iniciado pelo professor Antônio L. Aulicino em fevereiro de 2019, com o objetivo do fortalecimento do Arranjo Produtivo Local (APL) de gemas, joias, artesanato mineral e turismo de Cristalina, com participação de sua sociedade construindo o cenário possível e desejável em 2040 com implementação de ações a partir de hoje.
Acreditamos também que a Agenda 2030, da ONU, com os seus 17 ODS e 169 metas e uma centena de indicadores, ajude nesse processo de sensibilização, conscientização e movimento para a ação com a criação do futuro que queremos em 2030 para todos e de forma coletiva.
Aproveitando o texto com o qual participei da publicação, no qual relato que “os ODSs são interligados, integrados e correlacionados, sendo assim devemos trabalhar nesse sentido, devemos unir esforços, trabalhar em conjunto e compartilhar responsabilidades. O ‘meu’ tem que dar lugar ‘ao nosso’, as ‘ações isoladas’ têm que dar lugar ao ‘trabalho em equipe, para um bem maior’, o ‘fazer sozinho, no meu pedaço’ tem que dar lugar ao ‘diálogo’”, reforço a necessidade de que essa construção precisa ser coletiva, multi e transdisciplinar.
2021 está chegando! Muito aprendizado e grandes desafios foram enfrentados em 2020 e as sequelas ainda continuarão – esses acontecimentos foram e continuarão sendo marcantes e perdurarão por vários anos. A capacidade do ser humano de esquecer as coisas ruins e lembrar as coisas boas poderá ajudar em ações mais conscientes, em sermos mais minimalistas, com menos desperdício, em procurarmos as coisas mais simples e naturais, em acentuarmos o nosso senso coletivo, em não prejudicar a si nem a outros ao redor. Todo esse conjunto deve ajudar na mudança de comportamento.
É uma transformação lenta, mas o choque causado pela pandemia ficará ainda na memória de muitos e pode contribuir para essa mudança de atitude. E, utilizando a reflexão e a prática que a Prospectiva traz, como o futuro desejado é o desenvolvimento coletivo, a redução da desigualdade, o consumo consciente e ter um Brasil mais justo e solidário, cada um de nós deve ajudar a construir este futuro que queremos!
[1] AULICINO, A. L.; FISCHMANN, A. A. (Orgs.). Desenvolvimento Brasil 2035: o país que queremos. Curitiba, PR: CRV, 2020.
[2] GODET, M.; DURANCE, P.; DIAS, J. D. A prospectiva estratégica para as empresas e os territórios., Paris: Dunod, 2008. Cadernos do Lipsor, n. 20. Coleção Topos.
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