O que vimos, ouvimos e compartilhamos em Lisboa
Outubro foi um mês de grandes expectativas, uma delas muito positiva: a chegada de mais uma edição da Web Summit. Em 2021 tive a oportunidade de experimentar pela primeira vez o megaevento em Lisboa e neste ano aguardava ansiosamente a nova edição. Não só o tempo pareceu passar mais depressa, mas também as transformações pareceram mais aceleradas. No ano passado, a Web Summit voltava ao seu formato presencial e tudo parecia um pouco estranho. Neste ano, porém, o presencial soava quase que uma necessidade, e isso se refletiu na participação massiva do público. Mais de 70 mil pessoas compareceram aos quatro dias de evento, no início de novembro. Os números grandes, porém, também refletiram na experiência do próprio evento. Filas enormes para entrar – em parte justificadas pela segurança reforçada devido à presença da primeira-dama ucraniana, Olena Zelenska, na noite de abertura – e ampliação da oferta de palestras, com a abertura de um quinto pavilhão, além da arena principal, que somavam seis espaços gigantescos com palcos e estandes de todos os tamanhos.
Com tanta oferta e logística complexa, a estratégia de participação precisou ser modificada. Ao invés de me deslocar de um palco a outro exclusivamente pelos interesses em diversos temas, foi preciso eleger um palco para dar maior foco e atenção, uma vez que o conteúdo era o principal objetivo ali. Ressalto essa perspectiva, pois o intuito da Aberje é aproximar cada vez mais profissionais de comunicação corporativa da Web Summit, possibilitando a participação presencial e em rede, traduzindo um pouco a experiência pessoal do que é estar lá e navegar em meio à tantos atrativos que podem facilmente bagunçar a agenda de qualquer um.
Buscamos então cobrir o máximo de temas que possuem forte relação com o dia a dia do comunicador, como ESG, imprensa, futuro do trabalho, geração Z, rede sociais e metaverso. E trago nas próximas linhas um pouco do que vi e ouvi por lá.
Fortalecendo a rede
Antes de mergulhar no conteúdo da Web Summit, vale ressaltar também a agenda complementar promovida pela Aberje para a sua rede de comunicadores que participaram do evento, além de conselheiros e profissionais que residem em Portugal. Ainda no dia 31 de outubro, nos reunimos com o Vereador da Cultura, Educação, Economia e Inovação da Câmara Municipal de Lisboa, Diogo Moura. Um perfil que vale a pena conhecer. Possibilitado por nossa associação irmã, a APCE – Associação Portuguesa de Comunicação de Empresa, falamos sobre o aprimoramento e unificação da marca da cidade de Lisboa, passando pelos modelos de coparticipação e codecisão adotados pelo gabinete nas relações com os cidadãos – que dispõem de um orçamento participativo e decidem parte dos investimentos na cidade. Na reunião, entendemos um pouco mais sobre como a cidade vem construindo e fortalecendo sua reputação internacional, muito relacionada à inovação e empreendedorismo. Fenômeno que não é exclusivo de Lisboa, e pode ser observado em alguns outros países europeus que vêm criando programas que atraiam mentes bem preparadas.
A tecnologia e a guerra
No Brasil, o período eleitoral acabou tirando um pouco a guerra na Europa dos noticiários nacionais, e foi no mínimo impactante ouvir falar sobre o tema na Web Summit. A dura realidade do presente não escapou nem mesmo ao universo que, ao manter um olho no futuro, muitas vezes parece possuir um discurso sempre positivo.
Entre elogios e críticas, aplausos e acusações de demagogia, muito se falou e repercutiu sobre a fala e participação de Olena Zelenska, primeira-dama da Ucrânia, na abertura do evento. E cabem algumas reflexões sobre a participação em si. Olena fez a ponte entre o uso da tecnologia, tema central do evento, para a guerra, e apontou como a Rússia a coloca “a serviço do terror”. Em um discurso comovente, com imagens de destruição e com histórias individuais de pessoas que sofreram as consequências da guerra, a primeira-dama pediu por apoio ao seu país, mostrando como a tecnologia também pode ajudar a salvar.
Em princípio, pode soar estranho a presença de uma primeira-dama de um Estado em guerra em um evento sobre tecnologia, mas a justificativa parece estar justamente na busca de saídas, pela via tecnológica, para manter-se em funcionamento. Pode ser desta maneira, no papel de porta-voz dessa parcela da população que ainda tenta manter suas vidas seguindo adiante, que o apoio mais amplo também pode ser conquistado.
Uma breve nota sobre o Twitter
Em sua fala na noite de abertura, Changepeng Zhao, CEO da Binance, empresa de criptomoedas que fez um investimento de US$ 500 milhões na aquisição do Twitter por Elon Musk, reforçou que a principal motivação da decisão se deve ao motivo da plataforma ser a principal praça pública do mundo. Zhao saiu em defesa da liberdade de expressão, mas tanto já aconteceu desde então que sua fala parece de um passado distante. O que se percebeu é que o bilionário Musk está na boca de todos envolvidos no universo tecnológico, seja pelas mudanças que promete e implementa no Twitter, seja pela forma pela qual escolhe executa-las. A liberdade de expressão é uma discussão que precisa de mais densidade do que somente tweets inflamatórios ou decisões autocráticas. Se o Twitter é realmente a principal praça pública dos debates globais, as regras deveriam ser decididas de forma solitária? Algumas alternativas surgiram desde então, seja para aqueles que foram expulsos da plataforma no passado ou para aqueles que andam insatisfeitos com os rumos que ela vem tomando. O que nos resta, principalmente por sermos um dos países com maior número de participantes na rede social, é ficar de olho e avaliar muito bem as participações pessoais e de nossas marcas na rede social.
Noticiando mudanças climáticas
Um dos palcos mais interessantes da Web Summit é o FourthEstate, que traz representantes e líderes dos principais veículos de mídia de todo o mundo para discussões diversas que estão transformando o jornalismo e, consequentemente, a relação das organizações com a imprensa. Desta vez, uma das discussões mais importantes girou ao redor da vitalidade de se manter a crise climática nas manchetes, em como isso pode gerar ansiedade nos leitores e como equilibrar essa questão.
Para Yasir Khan, editor-chefe da Thomson Reuters Foundation, o framework deveria estar em como a crise impacta o nosso dia a dia, uma vez que o papel do jornalismo é justamente traduzir o que representa realmente o aumento de um grau na temperatura global. Essa reflexão serve também para as empresas e como elas comunicam suas metas, seus objetivos e suas conquistas em relação às questões do meio ambiente. Será mesmo que estamos conseguindo traduzir o dia a dia para nossos públicos quando falamos sobre esse tema? Quão distantes os discursos corporativos e institucionais estão do dia a dia de quem precisamos sensibilizar?
A reflexão foi mais a fundo, colocando em xeque até o mesmo o próprio evento. Se por um lado a pegada de carbono de voar mais de 70 mil pessoas até Lisboa é gigantesca, como conseguir esse nível de interação, impacto e debate em um ambiente que não seja presencial? Sabemos que o Zoom não é a única solução.
ESG e a base na ciência
Uma novidade muito positiva nesta edição da Web Summit foi a programação do palco Corporate Innovation Summit. Por lá, apareceram assuntos que possuem ligação direta com o dia a dia do comunicador corporativo, como ESG e sustentabilidade. Ezgi Barcenas, Chief Sustainability Officer da AB InBev, destacou o tema da sustentabilidade também como um problema de design, em relação à maneira como se desenvolve embalagens, lidam com a água – sua matéria-prima – e com cevada – um dos principais insumos. Para ela, parte do desafio de seu trabalho é trazer diferentes áreas do C-Level para a mesa e estabelecer uma compreensão mútua sobre como eles podem contribuir. Foi desta maneira que os objetivos sobre o tema na empresa foram traçados, não só a partir do time de sustentabilidade, mas de todos os outros. Muito próximo a o que vemos os departamentos de comunicação tentando fazer. Essa visão justifica, por exemplo, a proximidade das duas áreas, que já é realidade em muitas organizações.
Sobre o crescente movimento anti-ESG, a executiva vê de uma forma positiva. Para ela, esse movimento mostra que o tema está no top of mind, e é a prova de que vem se tornando mainstream. “É importante que nós confiemos na ciência, e sigamos o que nós dizemos que fazemos”, finalizou.
Geração Z – Não é sobre cancelamento, é sobre comunicação autêntica
O palco Corporate Innovation Summit também trouxe a geração Z para os microfones. Em uma dobradinha muito bem articulada entre Jackie Cooper (Chief Brand Officer da Edelman) e Harris Reed (ZEO da Edelman) a pergunta principal foi o que esperar da geração Z? Harris Reed, aliás, é um nome para se acompanhar. Com influência no mundo da moda já há algum tempo e tendo trabalhado com nomes como o cantor Harry Styles e diretor criativo da Gucci, Alessandro Michele, o designer de moda de gênero fluído é o primeiro “ZEO” do mundo, uma referência à geração Z ocupando cargos do C-Level. A posição assumida em julho de 2022, na Edelman, faz parte de uma iniciativa do Gen Z Lab da agência.
A conversa mostrou a tentativa de desconstrução de alguns equívocos, segundo ele, em relação à geração Z. Em primeiro lugar, a constatação de que é preciso sair da defensiva. As pessoas estão com medo de falar, de dizer algo errado e serem canceladas. E a resposta para isso deve ser ouvir e aprender. E a melhor maneira de seguir este caminho não é investindo milhões em um ícone da geração Z para que fale bem de sua marca, e sim incorporá-lo ao time, mas não somente aos times de marketing ou relações públicas, vale ressaltar. Só assim será possível ter a proximidade e realmente conseguir estabelecer uma conversa com esse público. A comunicação neste ponto deve ser encarada mais como realmente autêntica do que estratégica, segundo Reed. Esta é uma geração que quer ser ouvida.
O ZEO também defendeu que a Gen Z não é sobre cancelamentos e sim sobre compreender e abraçar, não é sobre ativismo e sim sobre ação. Para as empresas a interpretação não deve ser de ameaça e sim de preparação. “Estejam preparados, pois serão os Gen Z que estarão fazendo as perguntas”, alertou Reed, em todas as plataformas e em todas os espaços que houverem para comentários. A percepção geral também é de que um outro caminho é justamente não se ater a conceitos duros. A Gen Z é antes de tudo fluída.
No futuro do trabalho, coloque sua máscara de oxigênio primeiro
Sempre quando falamos sobre como o profissional de comunicação vem desempenhando seu papel, reforçamos que mais do que conhecimentos específicos ou técnicos, habilidades de gestão e capacidades de relacionamento são o que fazem a diferença no dia a dia. Esse pensamento esteve muito presente também nos palcos da Web Summit, onde a discussão sobre o futuro do trabalho passou pela reformulação dos conceitos de hard e soft skills, e foi um pouco mais adiante.
Em um reforço geral na mensagem sobre cuidado com a saúde mental, mais do que mental health, falou-se sobre mental fitness, a ideia de cultivar a mente da mesma forma que cuidamos do corpo. Em um bate-papo que parecia quase uma sessão de coaching, em um sentido positivo, o co-fundador da BetterUp, Alexi Robichaux, trouxe de forma animadora um pouco de oxigênio para o mundo corporativo, o que deveríamos também estar fazendo em nosso dia a dia.
A ideia do mental fitness, mais avançada em áreas como a psicologia esportiva, ganhou centralidade também ao ser abordada no sentido contrário. Sabemos sobre o quão uma pessoa pode estar mal com sua saúde mental, mas não sabemos ainda o seu potencial na outra ponta, como ela pode estar bem. E por que não tentar construir um ambiente em que esta seja a perspectiva?
Relacionando com o fenômeno do quiet quitting, Robichaux afirmou que este é basicamente um pedido de socorro. O que ocorre em alguns casos, por exemplo, é que aqueles profissionais que mais entregam e performam são os mesmos que recebem uma carga maior de trabalho que os esgota. Como resposta, dentro do fenômeno, elas passam a criar barreiras maiores para evitar a sobrecarga. E isso pode ser um bom sinal, se interpretado de forma correta. “Os empregados e os times precisam de barreiras e espaço”, afirmou Robichaux. No entanto, este é só um exemplo dos perfis que integram o chamado quiet quitting, há diversos outros casos. Em uma frase que exemplifica bastante como lidar com essas questões, quando na posição de liderança, arrematou: “É preciso colocar a máscara de oxigênio primeiro em você, antes de colocar nos outros”. Para ele, o trabalho de um líder hoje está mais próximo a de um coach do que um vigia. Produtividade é melhorar o ambiente, assegurar segurança psicológica e espaços seguros para que ideias floresçam, por mais loucas que possam parecer. O modo de medir a produtividade precisa mudar.
Por um metaverso mais prático
Pensando que alguns temas que apareceram fortemente na Web Summit em 2021 teriam alguma espécie de follow up, busquei compreender para onde iriam as discussões sobre o metaverso. Na época, a mudança de nome do Facebook para Meta era recente e os anúncios com tons disruptivos e animadores foram recebidos com alguma espécie de ceticismo nos palcos do evento. Se por um lado havia ali uma visão de futuro, por outro havia também uma preocupação com a segurança que a própria empresa poderia fornecer aos seus usuários no presente. Neste ano, o assunto pareceu ter aterrissado, finalmente, e encarado de forma mais séria.
Herman Narula, CEO da Improbable, empresa que desenvolve infraestrutura de realidade virtual, trouxe uma perspectiva um pouco distinta sobre o tema. Com alguns princípios que, segundo ele, ajudariam no desenvolvimento de metaversos realmente práticos, procurou distanciar aquela ideia que ficou presa ao nosso imaginário de avatares simplórios e interações truncadas. Para Narula, o foco não deve ser somente no desenvolvimento de óculos de realidade virtual, e sim em experiências que realmente engajam.
Enquanto falava, apresentou um vídeo sobre uma das experiências que sua empresa promoveu com centenas de pessoas em uma realidade virtual, onde a interação era bem próximo de um jogo. A visão de um espaço caótico, com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, avatares se movimentando e pessoas falando simultaneamente soou mais realista, de certa forma. A razão disso talvez seja os próprios tipos de experiência que Narula utilizou para exemplificar o que daria certo, de forma prática, no metaverso.
Criadores de conteúdo, fãs de futebol e palestrantes foram alguns dos exemplos citados. O que há de comum entre eles é a capacidade de oferecer uma experiência satisfatória, que ofereça significado. E o que falta é um espaço onde essa oferta possa alcançar uma escala maior, onde o engajamento possa ser massivo. O metaverso, portanto, deveria seguir em primeiro lugar o âmbito da significação, para que o ambiente a ser preenchido e vivido não seja vazio e desinteressante.
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