O impacto da pesquisa em comunicação: pandemia, desinformação, agilidade, podcast e emoção – parte 2
A 25ª edição do International Public Relations Research Conference (IPRRC) foi realizada em março deste, ocasião em que ocorreu mais uma entrega do International Aberje Award, premiação que reconhece estudos acadêmicos de pesquisadores estrangeiros relacionados à comunicação no Brasil e na América do Sul. Voltando ao formato presencial, a conferência reuniu em Orlando (Estados Unidos) profissionais e pesquisadores de 14 países, que apresentaram 67 trabalhos em sessões que ocorreram de forma simultânea.
Durante os três dias de conferência, tivemos contato com pesquisas – concluídas ou ainda em progresso – e debatemos seus impactos na profissão e no dia a dia do comunicador e relações públicas. Com o objetivo de expandir o conhecimento e inspirar a rede associada, fizemos uma seleção, dividida por temas de interesse, das pesquisas mais interessantes que vimos por lá.
O que mudou e que não mudou com a pandemia
O trabalho “Public Relations During the Covid-19 Pandemic: What Changed? What Didn’t? Where does the PR/Comms Function Go From Here?”, de Arunima Krishna, Donald K. Wrigth e Raymond Kotcher, da Universidade de Boston, coletou 2605 respostas, distribuídas por e-mail para a PRWeek, membros da Public Relations Society of America, da Arthur W. Page Center, do Institute for Public Relations e de contatos da Universidade de Boston para entender, afinal, o que mudou e o que não mudou para as Relações Públicas com a pandemia?
O que mudou:
- Mais de 65% dos participantes relataram que a pandemia da Covid-19 mudou sua cultura corporativa, sendo que 50% dos participantes disseram que essa mudança cultural foi para melhor. Porém, 36% não tinham certeza se a mudança foi ou não para melhor.
- Quase 41% dos participantes relataram gastar tempo reforçando a cultura corporativa existente no ano passado, enquanto quase 49% dos participantes disseram que gastaram tempo redefinindo a cultura corporativa existente. Dito isso, mais de 60% dos participantes relataram que a função de comunicação desempenhou um papel importante na gestão da cultura corporativa.
- Os profissionais de Relações Públicas também relataram que a transição para o trabalho remoto foi muito mais tranquila dentro de suas funções de comunicação.
- Os participantes relataram um forte foco e compromisso com os clientes, comunidades onde trabalham e vivem e com os funcionários.
- Mais de um terço dos participantes relataram que a comunicação com os funcionários foi um foco principal em sua organização e mais de 75% dos participantes continuarão com esse foco no futuro.
- Os entrevistados relataram que na pandemia da Covid-19 suas comunicações eram mais empáticas, mais rápidas, flexíveis e transparentes e que havia mais ênfase em comunicação interna.
- Quase 94% dos participantes relataram que sua organização havia formado uma Equipe de Resposta Rápida para lidar com a pandemia, enquanto quase 49% tinham estabelecido a prioridade para lidar com questões internas.
- Mais de 71% dos participantes relataram que a função de comunicação desempenhou um papel vital para ajudar suas organizações a serem mais rápidas durante a pandemia. Mais de 65% acham que a alta administração aumentou a sua função de comunicação no ano passado, com mais de 60% relatando que a função de comunicação se tornou mais valorizada.
O que não mudou:
- Cerca de 47% dos RPs relataram aumento de divisões entre os clientes e apenas cerca de 36% dos participantes disseram que seus funcionários tinham pontos de vista divididos em questões sociais, econômicas e políticas.
- Cerca de 45% dos participantes relataram aumento do ativismo de clientes e 43% relataram aumento do ativismo dos funcionários.
- Apenas cerca de 54% dos participantes relataram que tinha crescido as sinergias entre as comunicações.
- O cálculo racial de 2020 não parece ter mudado as organizações, e apenas 31% dos participantes concordaram que suas organizações estavam mudando em resposta aos eventos de 2020. Além disso, menos de 40% acreditam que suas organizações poderão cumprir os compromissos do Diversidade e Inclusão assumidos em 2020.
- Semelhante aos resultados dos anos anteriores, neste ano os participantes também relataram que tomar uma posição sobre questões sociais controversas não era particularmente importante em suas organizações e certamente não tão importante quanto a criação de valor social ou ESG. A criação de valor social também foi relatada como muito mais importante para vários stakeholders em comparação com a tomada de posição.
- O propósito, no entanto, é à prova de pandemia. Os participantes relataram que o propósito era importante em sua organização na condução tanto da estratégia de marketing, quanto da estratégia de comunicação.
- Apesar das conversas sociais sobre o assunto, os profissionais de RP não relataram um aumento na desinformação sobre suas organizações, nem relataram gastar mais tempo lidando com desinformação. Apenas 10% relataram que suas organizações formaram Equipes de Resposta Rápida para lidar com fake news.
O que faz uma organização antifrágil à desinformação?
Apesar da pesquisa anterior demonstrar que apenas 10% dos profissionais de RP formaram equipes de respostas rápidas para lidar com fake news no período da pandemia, lidar com a desinformação vai se tornar tarefa cada vez mais importante para profissionais de relações públicas, à medida que novas mídias sociais permitem a rápida disseminação de meias verdades e informações não verificadas. Isso foi amplamente discutido no trabalho “What Makes an Organization Antifragile to Disinformation? Case European Union”, de Rosa-Maria Makela e Vilma Luoma-aho, (Jyväskylä University School of Business & Economics, Finlândia). Elas trouxeram que o principal desafio da desinformação a longo prazo é o impacto negativo que a desinformação tem sobre os indivíduos e, além disso, a confiança negativa generalizada na sociedade. A desinformação, que tem intenção de causar danos, pode ser amplamente entendida como “conteúdo enganoso produzido para gerar lucros, perseguir políticas ou enganar maliciosamente”, incluindo histórias, campanhas e operações de desinformação, com ênfase na influência de longo prazo, que podem causar perdas financeiras e de reputação para organizações e marcas.
Conhecida por suas ações de combate à desinformação, a União Europeia intensificou recentemente seus esforços nesse combate e, por isso, o estudo analisou o quanto algumas abordagens de comunicação podem ser consideradas “frágeis” ou “antifrágeis” nessa guerra. O que eles perceberam é que, apesar dos esforços e de boas práticas, há ainda muito espaço para melhorar. Por exemplo, uma comunicação antifrágil não apenas informa os seus stakeholders, mas busca entender o que eles precisam. A UE monitora constantemente a desinformação para compartilhar conhecimento sobre ela entre os Estados-Membros, mas, por enquanto, apenas informa-os em suas plataformas de mídia social como stories no seu Instagram.
Por outro lado, uma comunicação antifrágil leva em consideração a experiência dos seus stakeholders, dessa maneira, algo que a Comissão Europeia já faz é coordenar a colaboração com corporações privadas e plataformas digitais como o Facebook e o TikTok para monitorar a desinformação, e, também, coopera com investigadores e sociedade civil. Além disso, um outro ponto de comunicação antifrágil da EU é que todos podem acessar as campanhas mais recentes de desinformação identificadas na Europa por diversas plataformas e canais (como o euvsdisinfo.com) e também o Sistema de Alerta Rápido foi criado para compartilhar conhecimento entre os estados membros e os parceiros do G7 sobre desinformação de fontes externas, além de monitorar as desinformações. A UE também envolve profundamente as suas partes interessadas, escutando-as. Uma das tarefas do European External Action Service é acompanhar e monitorizar as informações dirigidas à UE. Assim, os fatos estão sendo verificados e respondidos, após ouvir críticas e expectativas das partes interessadas. As organizações da UE e os Estados-Membros recebem as ferramentas para enfrentar informações, mas, ao mesmo tempo as políticas e estratégias também são supervisionadas pela Comissão, o Conselho e o Parlamento europeu.
De fato, as organizações estão cada vez mais competindo por atenção com atores desonestos e fontes não verificadas, e com o compartilhamento desenfreado dessas informações – com ou sem – intenções maliciosas. Esse estudo demonstrou que, para os relações-públicas há ainda muitos desafios no combate à fake news, ainda mais em um contexto tão complexo, dinâmico e ágil, em que as organizações têm dificuldade em acompanhar a quantidade de informações que aparecem em diferentes canais e tão rapidamente, e que exigem rápidas e assertivas respostas.
Um mundo cada vez mais ágil
O estudo “Measuring Agility in Public Relations and Strategic Communications”, de Kelly Page Werder, da University of South Florida, definiu que a agilidade é a capacidade de identificar mudanças relevantes e responder de forma proativa, eficiente e eficaz, empregando o pessoal certo com base na competência, e não apenas no status hierárquico. Agilidade inclui ainda a capacidade de implementar estruturas e processos flexíveis adequados às tarefas imediatas e empregar os recursos apropriados no menor tempo possível.
A autora avaliou a agilidade nos departamentos de relações públicas e comunicação estratégica, selecionados aleatoriamente dentre membros de uma associação estadual de comunicação profissional, medindo as percepções dos praticantes perante 5 dimensões ágeis: 1. a capacidade de resposta; 2. a capacidade de ver/identificar alterações, respondendo de forma rápida, reativa ou proativa; 3. a competência, eficiência e eficácia de uma empresa em atingir seus objetivos; 4. A flexibilidade/adaptabilidade, para implementar diferentes processos e atingir objetivos diferentes com as mesmas facilidades e 5. a velocidade/rapidez, ligada a capacidade de culminar uma atividade no menor tempo possível.
As percepções mais relevantes foram sobre os seguintes pontos: proatividade (capazes de identificar os primeiros indicadores de ameaças à organização, sendo os primeiros a reconhecer novas oportunidades de crescimento organizacional e de criar novas comunicações estratégicas para os seus stakeholders); responsividade (respondem eficazmente às mudanças ambientais; são capazes de responder rapidamente a eventos que influenciam a organização e, quando surge uma ameaça inesperada, conseguem ajustar e reconfigurar recursos); flexibilidade (comunicam com todas as partes interessadas que impactam as operações, podemos ajustar a estratégia de comunicação quando recebem novas informações, além disso, quando alguns eventos influenciam a organização, podem desenvolver estratégias e táticas para comunicá-los aos seus stakeholders); rapidez (sabem atender às necessidades do cliente mais rapidamente do que seus concorrentes, conseguindo também responder rapidamente às mudanças nas necessidades das partes interessadas. São rápidos em mudar estratégias que não surtem o efeito desejado e têm capacidade de mudar rapidamente a estratégia de comunicação em resposta ao meio ambiente); sensibilidade estratégica (possuem a nitidez da percepção e a intensidade da consciência e atenção às situações estratégicas à medida que elas se desenvolvem); fluidez de recursos (têm a capacidade de liberar recursos de atividades existentes e reimplantá-los rapidamente para novas oportunidades de crescimento) e o comprometimento coletivo (a capacidade da liderança organizacional de tomar e implementar decisões estratégicas conjuntas ousadas rapidamente, sem se prender a políticas de “ganha-perde” e realizar a implementação com alta energia).
O aumento de ouvintes de podcast
Um mundo cada vez mais ágil, faz com que as pessoas também busquem otimizar seu tempo e procurem fazer atividades simultâneas em seu dia a dia. Muitos buscam assimilar informações enquanto realizam outras tarefas. Por isso, vemos crescendo cada vez mais o número de ouvintes de podcast, o que também leva anunciantes a alocar um orçamento cada vez maior nas plataformas de áudio. O trabalho “Selling Public Relations – a case study of na In-House Public Relations Firm’s Podcast”, de Robert Byrd e Kim Marks Malone, da Universidade de Memphis, examinou os esforços da Obsidian Public Relations e seu podcast Off the Rock, On the Record (OTR), entendendo melhor suas motivações para produzir o podcast e seu uso para aumentar o reconhecimento da marca. O podcast interno é uma ferramenta para fornecer aos ouvintes informações significativas e perspicazes sobre o mundo das Relações Públicas, mas também acaba sendo uma ferramenta valiosa no gerenciamento geral da marca para que a agência demonstre a experiência de seus profissionais e sua credibilidade.
De acordo com a Edison Research e a Triton Digital, há mais de 62 milhões de americanos ouvindo podcasts a cada semana, o que representa uma taxa de crescimento de 122% desde 2014. Com um crescimento tão significativo na popularidade entre os ouvintes e mais de 2,5 milhões de podcasts ativos disponíveis em serviços de streaming, os relações-públicas estão cada vez mais considerando o podcast como um importante aliado para transmitir suas comunicações.
Os podcasts oferecem uma ampla variedade de conteúdos e, por isso, facilmente pode-se segmentar os públicos em nichos, de acordo com o que gostam de ouvir, já que os ouvintes são especificamente atraídos pelo conteúdo de um podcast pelo seu profundo interesse em determinado assunto. Esse nicho em determinado conteúdo faz do podcast como um veículo perfeito para marcas e organizações “entregarem mensagens altamente personalizadas para as pessoas mais animadas em ouvi-las e com maior probabilidade de ação sobre elas”. Além disso, o podcast pode trazer maior proximidade com os públicos de interesse na medida em que podem gerar diálogo, já que estimula as cinco características dialógicas: mutualidade, proximidade, risco de empatia e compromisso.
A pesquisa apresentada analisou o conteúdo de 32 episódios do podcast OTR, identificando os temas e emergentes e tendências em Relações Públicas, além de uma pesquisa em profundidade com a produtora, apresentadora e gerente da marca, Taylor Jolley, que declarou que, através do podcast, ela pode falar temas relevantes da comunicação, vendendo o que é relações públicas e comunicação estratégica e não necessariamente vender a Obsidian e seus serviços, o que acaba sendo uma consequência. O foco é levar informação aos ouvintes, sempre sendo perguntado aos convidados entrevistados “Como isso pode se aplicar a um empresário ou a uma pessoa que trabalha em uma empresa que não é voltada para relações públicas, ou talvez a um profissional de comunicação que não está realmente em relações públicas, mas é solicitado a fazer funções de relações públicas em seu trabalho?”
O valor da emoção e da autotranscendência
Pesquisas existentes sobre advocacy social corporativa (CSA) postulam que, no atual clima social e politicamente carregado, as empresas estão cada vez mais assumindo posições públicas sobre temas controversos. A reação do consumidor em relação a algumas posições do CSA tem sido muitas vezes rápida e visceral. Pesquisas recentes postularam que a comunicação desses temas muitas vezes provoca respostas emocionais. O trabalho de Alan Abitbol, da University of Dayton e de Matthew Van Dyke, da Universidade do Alabama, intitulado “Analyzing the role of self-transcendent media experiences in corporate social advocacy” percebeu que a reação do público às posições das organizações tem sido muitas vezes, mais efetivas, em um nível emocional. Um fator para essa reação pode ser as posturas que desafiam os públicos a contemplarem algo autotranscendente, ou seja, maior do que eles mesmos e os produtos/serviços da empresa, gerando um sentimento de apreciação, de auto-reflexão e de inspiração. Por meio de uma análise de conteúdo em declarações escritas e em mensagens de vídeo, foi possível explorar os mecanismos emocionais, que criam o posicionamento da empresa quando se fala em advocacy social corporativo. O que foi encontrado predominante nas mensagens:
Apreciação de beleza e excelência – Inclui itens que retratam a beleza de várias formas, incluindo destacar as realizações ou habilidades/talentos de outra pessoa.
Esperança – Inclui itens que retratam encorajamento; como superar obstáculos ou ser otimista sobre o futuro, inspirando a ter uma mentalidade positiva para o futuro.
Gratidão – Inclui itens sobre nascimento/nova vida; também representações de sobrevivência; caridade/bondade/virtude moral e demonstração de compaixão, ajuda e como fazer algo de bom.
Espiritualidade e religiosidade – Inclui representações de símbolos religiosos ou referência a textos religiosos.
Porém, como sabemos, de nada adianta as narrativas e as gerações de emoções positivas nos públicos, se não houver uma ação real, na sequência, como consequência dessa emoção. Da mesma forma, não adianta apenas pensar nos conteúdos, se não compreender bem os públicos e seus reais interesses.
Confira a parte 1 “O impacto da pesquisa em comunicação: geração Z, influência, metaverso, trabalho e liderança” aqui.
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