Lobby: regulamentação parece avançar
O painel “Evolução da Regulamentação do Lobby e os Impactos para a Área de Compliance”, realizado no 8º Congresso Internacional de Compliance, em 2 de dezembro, apresentou uma linha histórica e o contexto atual da polêmica (e extremamente longa) evolução dos projetos para a regulamentação do Lobby no Brasil. Tratou também da forte interrelação da área de Relações Governamentais com outras, especialmente Compliance, sendo que muitas vezes ambas estão tão conectadas dentro das companhias que são lideradas pelo mesmo executivo.
Rodrigo Navarro, presidente executivo da Abramat (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção), que moderou o painel, abriu o debate lembrando do estigma sobre o Lobby, muito comum e enraizado no Brasil. “Não existe Lobby do bem e Lobby do mal. Existe o Lobby, como precisa ser feito, que é de uma maneira transparente”, afirmou Navarro. Ele comentou que, desde o início da atividade, no século 19, nos Estados Unidos, ela costuma ser acompanhada de uma imagem negativa, sendo frequentemente identificada com interesses escusos e práticas ilícitas.
Navarro apresentou dados sobre a evolução da regulamentação do Lobby: os Estados Unidos foram pioneiros a regular a atividade, em 1946; seguidos pela Alemanha, em 1951; por Austrália e Canadá, nos anos 1980; pelo México, em 2010; e pelo Chile, em 2014, entre outros países. “Temos hoje cerca de 40 países que já têm a atividade regulada”, comentou o moderador.
No Brasil, a história das tentativas de regulamentação do Lobby é longa. Começou há 37 anos, com o primeiro projeto de lei sobre o tema, de autoria do então senador Marco Maciel (falecido em junho deste ano), o Projeto de Lei (PL) 25, de 1984. Em todo esse tempo, houve muitas idas e vindas, mas a regulamentação nunca saiu. Atualmente, o projeto sobre o tema que está com tramitação mais avançada é o PL 1202, de 2007, de autoria do deputado federal Carlos Zaratini. Esse projeto segue avançando no Congresso ao longo de todos esses anos e ainda aguarda votação pelo plenário da Câmara dos Deputados.
Neste momento, entretanto, o presidente Jair Bolsonaro pretende enviar ao Congresso um novo projeto para regulamentar a atividade. Essa nova proposta só deve ser apreciada pelo Legislativo no ano que vem e deve ser acompanhada de muito debate. O deputado Carlos Zaratini já defende que esse novo projeto seja apensado ao PL 1202. A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) recomenda a existência de legislação específica para o exercício do Lobby, e o interesse do Brasil em entrar para a organização pode acelerar a tramitação do tema.
“O Lobby ou a atividade de Relações Governamentais é um direito-dever, é parte do exercício da democracia. Não existe democracia se você não puder falar com seus governantes, não puder explicitar seus interesses legítimos”, afirmou Renata Willens Longo Ferrari, Head of Legal, Compliance & Institutional Relations at CBMM, uma das debatedoras do painel.
“Não há mais dúvida sobre a necessidade de regulamentação. Os que são contra afirmam que isso pode criar uma burocracia adicional, aumentar ainda mais o acesso entre os grupos poderosos e os grupos com menos recursos e possibilidades e defendem também que há sempre um grau de confidencialidade que a regulamentação não respeitaria”, declarou Renata.
Sandra Gebara, executiva das áreas Jurídica, Compliance, Relações Governamentais e Privacidade, a terceira expositora do painel, também defendeu a regulamentação.
O PL 1202 enfrenta resistências por exigir o credenciamento dos profissionais que exerçam a atividade. Renata expôs a sua posição em relação a esse tema: “Acho a regulamentação fundamental. É preciso trazer para o escrutínio público os interesses legítimos que forem defendidos. Acho que tem de credenciar os profissionais, o que até aumenta a transparência. O coração da atividade é prestar informações, esclarecimentos de qualidade, para que a atividade seja mais saudável”, afirmou.
Rodrigo Navarro apresentou também a evolução que a atividade vem alcançando, mesmo sem a aprovação de um projeto de lei. Em fevereiro de 2018, a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) incluiu a posição 1423-45, do profissional de Relações Institucionais e Governamentais. Há ainda uma série de documentos que recomendam melhores práticas, como o da Abrig (Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais) e o da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). E, desde 2019, é publicado o Anuário Origem, que traz dados do setor e dos profissionais que atuam nessa área.
Os três painelistas também trataram da evolução da área de Relações Governamentais dentro das empresas, com o aumento, por exemplo do número de profissionais dedicados à atividade. “A área vem subindo hierarquicamente, deixando em alguns casos de se reportar para o CEO, para ter um reporte regional ou global, no caso de multinacionais”, comentou Navarro. Outro ponto destacado no painel foi a necessidade de capacitar, tanto os profissionais da área quanto os executivos e CEOs, para lidar com a atividade de relacionamento com autoridades. “O treinamento é importante também para desmistificar a posição desse profissional. Existe um preconceito dentro das empresas em relação ao profissional de Relações Governamentais”, disse Sandra Gebara.
Sobre a interrelação entre Relações Governamentais e Compliance, além da forte conexão também com outras áreas, como o Jurídico, Sandra Gebara defendeu que “a união dessas áreas é fundamental para identificar riscos e oportunidades para as companhias, e um pressuposto imperioso é que o profissional conheça muito bem o negócio em que ele está inserido”. Renata resumiu como alcançar a eficiência dentro dessa relação entre áreas, mesmo se um único executivo liderar as três: “É fundamental haver reportes, para comitê ou a auditoria de riscos, além de reporte direto para o CEO. Também é fundamental haver boas políticas e regras claras, para lidar com os conflitos. Isso garante a sinergia e a isenção das áreas.”
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